domingo, 11 de julho de 2021

A Manada de Ponyville. Faixa 8: Teorema

Desde o início do dia, Dainty não conseguia tranquilizar a mente. Ele dormira sozinho aquela noite; embora Steel Strings passasse a maioria das noites com ele agora, ele dissera que tinha coisas para fazer na oficina e em casa, e queria preparar-se para o show.

Então, Dainty precisou encontrar coisas para manter a mente ocupada antes do show. Ele conferiu tudo duas vezes, e depois mais uma vez, especialmente as cópias que ele fizera do setlist:

  • Será
  • Quase Sem Querer
  • Quando o Sol Bater…
  • Ainda É Cedo
  • Antes das Seis
  • Eu Era um Lobisomem Juvenil
  • Fábrica
  • Sete Cidades
  • O Teatro dos Vampiros
  • Eu Sei
  • Pônei na Cova dos Leões
  • Vamos Fazer um Filme
  • Há Tempos
  • Giz
  • Vento no Litoral
  • O Mundo Anda…
  • Vinte e Nove
  • Teorema
  • Esperando por Mim
  • Tempo Perdido

Seu figurino estava cuidadosamente guardado e dobrado, para não amassar. Ele ficava escutando as canções nos discos, ou tocava-as no piano, só para ter certeza de que ele se lembrava de todas as letras e todas as entonações que queria usar.

Volta e meia, sua mente prendia-se na ideia de algum evento catastrófico que poderia impedir a realização do show: e se Honey Drop sofresse um acidente na fazenda e não pudesse comparecer? E se o equipamento tivesse uma pane e ficasse inutilizável? Qualquer coisa poderia acontecer; de fato, tudo poderia acontecer. Dainty tentava encontrar refúgio na música para esfriar a cabeça e manter o foco.

Quando ele caminhava na rua nos dias anteriores, ele ouvia alguns pôneis comentando sobre o show. Seus colegas também ouviram. Eles tentavam divulgar o show do jeito que podiam, e até Pinkie Pie falava para todos—segundo ela mesma, em uma das suas aulas com Honey Drop. Os quatro estavam empolgados e entusiasmados, e, se dependesse apenas dele, nada poderia dar errado.

Se alguma coisa poderia dar errado, era o próprio Dainty.

Pelos últimos dias, um pensamento ficava surgindo em sua mente, mas ele acabava suprimindo-o antes que ele pudesse vir à tona. Agora, porém, ele estava dominado pelo pensamento: ele não sabia se os outros pôneis entendiam o propósito do show.

Não era pela Manada de Ponyville: era pela Tropa da Cidade.

Era uma homenagem, um tributo ao seu trabalho. As canções eram deles. A Manada de Ponyville fora concebida como um veículo para recuperar aquelas canções e fazê-las serem lembradas de novo. Os cinco membros da Manada não eram as estrelas do show, e sim meros mensageiros; as canções eram as estrelas.

Porém, do jeito que o show fora divulgado, isso poderia não ficar claro. A julgar pelo cartaz, havia uma nova banda por aí, a Manada de Ponyville, e eles eram cinco pôneis boa pinta prontos pra dominar a cidade com sua música. Sim, o cartaz mencionava em letras garrafais que as canções eram da Tropa, mas será que alguém notava? Será que alguém se importava? Será que Dainty e seus colegas seriam tratados como celebridades, quando esse não era o objetivo? E, se eles fossem, o que Dainty faria?

Esses pensamentos preocupavam-no, e, embora não houvesse muito que ele pudesse fazer, ele sentia o cérebro martelado pela ideia de que, talvez, ele estava querendo tirar proveito do trabalho de outros pôneis.

Era isso mesmo? Ele não sabia dizer.


A banda decidira encontrar-se no teatro algumas horas antes do show para passar o som e ficar preparada. Dainty vestiu-se, ajeitou a crina, e deixou sua casa naquela tarde agradável, rumo ao teatro. Ele trotava confiante, mas também tremia de nervoso. Ele notava alguns olhares curiosos observando-o enquanto ele passava, mas ele tentava não se distrair. Era um dia importante.

Ele foi o primeiro membro a chegar lá. Ele se encontrou com o gerente, enquanto alguns ajudantes de palco preparavam o equipamento. Eles conversaram sobre alguns acertos, tiraram dúvidas, e Dainty ficou no palco para auxiliar as preparações.

Minutos depois, ele viu River Mouth chegando com seu baixo. Ela também estava bem vestida para a ocasião; ela estava bela e vistosa, porém discreta, assim como Dainty.

— E aí, Dainty — ela disse. — Chegamos cedo, então?

— Não, os outros é que estão atrasados — ele brincou. — Bando de bundões.

Os dois riram, e começaram a conversar sobre alguns acertos. Ela pôs seu baixo junto aos amplificadores onde ele seria ligado. Eles falaram sobre algumas coisas variadas, e River, quase por acidente, mencionou que nenhum avanço fora feito para recomeçar o projeto de pesquisa no lago.

— Puxa vida, é mesmo? — Dainty disse. — Nada?

— Não — ela respondeu. — É uma porcaria, né?

— Mas você tentou falar com alguém? Você tentou falar com a Princesa Twilight?

— Ah, Dainty, eu não tinha como fazer isso — River disse, sacudindo a cabeça. — Eu acho que ela não tem poder algum sobre esses assuntos. Tipo, imagina se todo mundo em Ponyville começasse a infernizar ela com problemas que ela não tem nada a ver?

— Bom, foi só uma ideia — Dainty disse. — Eu não sei se poderia dar certo, mas… Mas, sim, eu te entendo. Eu também não teria coragem.

Eles seguiram para outros assuntos, e, em alguns minutos, ele viu Steel Strings chegando. Ele tinha um olhar de espanto no rosto.

— Dainty Tunes! — ele disse, parado aos pés do palco. — Você está lindo!

— Ah, obrigado — ele respondeu, olhando para o chão. — O mérito é da Rarity. Foi ela que fez.

— Ela é maravilhosa, não é? — River disse. — Bela escolha, Dainty.

Você é que está maravilhoso, Dainty! — Steel disse, subindo no palco. — Sério, eu não tava preparado pra isso.

— Puxa, para de me adular, amor! — Dainty respondeu sorrindo. — Você também está uma graça.

— É, bom, eu fiz o melhor que eu pude. — Steel aproximou-se de Dainty, e quase sussurrou em seu ouvido. — Esta noite, você não me escapa, ouviu bem?

— Steel Strings! — Dainty ralhou, olhando em volta. — Tem pôneis em volta.

— É, eu sei, desculpa — ele respondeu, desajeitado.

River fingiu que estava ocupada com outra coisa, mas riu baixinho.

Hard Fiber e Honey Drop chegaram juntos, já que eles tinham se encontrado na rua. Quando eles se reuniram com a banda no palco, quase tudo já estava pronto. O gerente disse que eles podiam passar o som, e os cinco ficaram prontos. A bateria estava no fundo do palco, sobre uma plataforma, para que Honey Drop ficasse visível. River Mouth e Hard Fiber estariam do lado direito do palco, enquanto Steel Strings ficaria do lado oposto. O piano de armário também estava à esquerda, um pouco afastado da banda, mas não muito. Havia um microfone no centro do palco, e outro junto ao piano, para que Dainty pudesse cantar as músicas nas quais ele tocava. Steel Strings e Hard Fiber também tinham microfones, pois eles faziam alguns vocais de apoio.

Dainty gastou algum tempo para localizar-se no palco, e ver onde seus colegas ficavam em relação a ele. Eles prepararam seus instrumentos e trocaram olhares.

— Então? Que tal tocar Teorema?

— Pra mim tá bom — Fiber respondeu.

Os cinco concordaram, então Dainty disse ao gerente que eles iam começar. Eles entraram na música, enquanto o técnico de som fazia ajustes na mesa. Eles também tocaram Quando o Sol Bater…, e o técnico pediu que eles tocassem alguma música que usasse o piano. Então, Steel Strings foi até lá e tocou Ainda É Cedo.

Dainty estava muito feliz com o som da banda. A energia estava boa, e a execução estava afiada. Quem lhe impressionava bastante era Honey Drop, pois o ritmo estava firme, e ele tocava umas viradas sofisticadas. A bateria estava ótima.

O técnico confirmou que o som estava bom, e eles foram para o camarim. Agora, eles só precisavam preparar-se e esperar.


Eles ainda tinham meia hora até começar o show, e alguém bateu na porta. River Mouth atendeu.

— Olááááá, Manada de Ponyville! — Pinkie Pie disse. — Olá, Honey Drop! Como é que vai o meu melhor aluno?

— Oi, profe! — Honey disse, pulando da cadeira. — Entra, entra! Eu tô ótimo! Isso é demais, e eu tô louco pra subir no palco e mostrar pra todo mundo o que você me ensinou. Eu mal consigo me conter!

— Ah, eu sei como é — ela disse. — E você fez os exercícios que eu passei? Você aqueceu? Alongou os músculos? Você sabe que é importante!

— Sim, Pinkie, sim, eu tava aquecendo agorinha mesmo — ele disse, com disciplina. — Eu levo a sério as suas aulas!

— Eu tô tão feliz que você veio para o show, Pinkie! — Dainty disse. — É uma honra enorme.

— E você acha que eu ia perder a estreia do meu aluno no Teatro de Ponyville? Nem que chovesse canivete! — ela disse, virando-se para ele. — Nem mesmo se chovesse faca! Será que existe canifaca? Pois até isso também! É sério, uma professora precisa sempre estar lá pra incentivar seus alunos e prestigiar seu esforço. E eu inclusive trouxe as minhas amigas!

— Amigas? — Dainty disse, já nervoso. — Ãh, quem, pra ser exato?

— Ora, você sabe: Rainbow Dash, Rarity, Applejack, Fluttershy…

O queixo de Dainty já estava caído só de pensar que os Elementos da Harmonia estariam no teatro, especialmente para vê-los tocar.

— … e a Twilight!

Dainty quase desmaiou.

— Espera, a Princesa Twilight Sparkle está aqui? — River Mouth disse.

— Pinkie, como é que você trouxe a porr— ãh, a Princesa Twilight Sparkle aqui hoje? — Dainty disse, quase desesperado.

Pinkie olhou para ele, o cenho franzido. — Eu convidei ela, é óbvio.

Dainty tinha os olhos vidrados. — Mas ela é uma princesa!! Como é que ela arranjou tempo pra assistir uma banda de rock?

— Bem, ela viu que não tinha nenhum compromisso real marcado para hoje, o que significa que ela estava livre — Pinkie respondeu. — E, ela fez isso por meu pedido especial, porque eu queria incentivar o meu aluno favorito, e, se eu estou aqui, então nada melhor do que ter as minhas amigas junto! Porque, como estamos em seis, isso é seis vezes mais incentivo! E, quando você está seis vezes mais incentivado, você toca seis vezes melhor que o normal! E quem é que não ia querer tocar assim, não é mesmo?

— É, sim, isso é incentivo pra caramba — Dainty disse —, mas, ao mesmo tempo, é uma… ãh, uma baita responsabilidade tocar para uma princesa, sabe. Tipo, será que ela conhece esse tipo de música?

— Ah! Pelo que eu perguntei, ela nunca ouviu falar! — Pinkie disse. — Na verdade, quase nenhuma das meninas conhece essa tal de Tropa da Cidade. Só a Dash conhecia.

— Isso é bom — Dainty disse.

— Ela disse que eles eram uma droga.

Dainty não soube o que dizer.

Mas, ela quis fazer isso mesmo assim para ajudar uma amiga, então quem sabe ela não gosta? Vai saber, não é? — Pinkie disse. — Quer dizer, vocês são uma ótima banda! Eu acho que todo mundo vai gostar. E, quando eu digo que eu acho, eu quero dizer que eu espero, porque a gente não sabe, não é? E é por isso que é emocionante! Pode ser um enorme sucesso, ou um completo fracasso! E a gente só vai saber quando o show terminar! Isso deve causar um monte de receio! Receio e incerteza! Incerteza e medo! E nós precisamos concentrar esse sentimentos na música! E é isso que vai fazer a música entrar nos corações dos pôneis, e eu sei que vocês conseguem fazer isso, e eu tenho certeza de que todo mundo vai se impressionar! Bom, não certeza, porque eu não sei, mas eu espero que sim! E a esperança é tudo que a gente tem.

Ela olhou em volta, com orgulho de seu discurso, mas os olhares nos rostos da banda não eram tão confiantes.

— Ãh, então — Dainty disse, limpando a garganta e tentando forçar um sorriso —, isso foi, é, bem legal de você, Pinkie! Como você disse, desde que a gente coloque nossos sentimentos na música, a gente vai dar o nosso melhor. E é isso que importa, não?

— Bom, também importa se os outros vão gostar de vocês ou nã—

Ela notou Dainty fazendo-lhe uma careta, apontando para Honey Drop com as sobrancelhas.

Pinkie olhou rapidamente para trás. — Sim, absolutamente. Se vocês derem o melhor de si, isso é o que importa. E eu tenho certeza de que vocês darão o melhor de si. E isso, sim, eu sei!

— Aí sim! — Honey disse. — Ponyville não perde por esperar!

— Isso mesmo — Dainty disse. — Obrigado por trazer suas amigas, Pinkie Pie. A gente fica feliz. Agora, a gente precisa se preparar, então a gente conversa depois do show. Tá bem assim?

— Claro! — ela sorriu, virando-se para Honey Drop. — Continua se exercitando, tá certo? Você vai se sair bem! Vocês todos vão! Boa sorte com o show! Até depois! Tchauzinho!

Com isso, ela desapareceu através da porta. Os cinco músicos trocaram olhares e respiraram fundo.

— É, concentrar os sentimentos — Dainty disse, mais para si mesmo, e sentou-se em sua cadeira.

O tempo passou, e eles ouviam barulhos cada vez mais altos vindo do público do lado de fora. Eles não faziam ideia da lotação da plateia, mas o barulho era alto. Eles continuaram conversando, tentando relaxar.

O gerente abriu a porta e colocou a cabeça para dentro. — Cinco minutos, pôneis!

Dainty, por puro instinto, olhou para o relógio na parede.

— Santa Celéstia — Dainty disse.


A banda esperava nas coxias, enquanto o gerente foi até o microfone no centro do palco.

— Boa noite a todos!

Assim que a voz ecoou pelo teatro, o barulho do público diminuiu. Dainty sentia que seu coração podia saltar do peito a qualquer instante.

— O Teatro de Ponyville tem o orgulho de receber, nesta noite, uma nova atração musical — o gerente prosseguiu. — Formada aqui mesmo, em Ponyville, essa banda juntou-se para tocar as canções de uma banda chamada Tropa da Cidade. Assim, sem mais delongas, recebam a Manada de Ponyville!

O público aplaudiu, e Dainty apertou as pálpebras. Não havia como voltar atrás.

— Vem, querido — Steel sussurrou.

Dainty respirou fundo e adentrou o palco.


Honey Drop entrou segurando as baquetas na boca, com um sorriso largo. Ele ouvia Pinkie Pie gritando palavras de incentivo de seu assento. River Mouth, Hard Fiber e Steel Strings foram para seus lugares e apanharam seus instrumentos. Atrás deles, Dainty Tunes entrou, e foi direto até o microfone.

Ele se virou para encarar o público, e as luzes quase cegaram-no. O público era uma nuvem de rostos, todos os olhos fixos no palco. O local não parecia totalmente lotado, mas estava muito cheio.

— Olá — ele disse, e ouviu a própria voz reverberando nas paredes. — Nós somos a Manada de Ponyville. É com você, Honey Drop!

Ele bateu as baquetas três vezes, e deu um toque certeiro na caixa. E assim, eles começaram. O show havia começado, e a música dominou o corpo de Dainty. Ele se balançava de um lado para o outro junto com o ritmo, e agarrou o suporte do microfone, como se dançasse com ele. Ele levou a boca ao microfone, e a melodia simplesmente saiu.

Dainty encarava o público, mas não enxergava ninguém. Ele apenas sentia a música. Após cantar o verso, ele tentou prestar atenção nos rostos, e viu algumas cabeças balançando junto com a batida.

A música soava alto e claro, cortando o ar como uma lâmina. Dainty quase não reconhecia a própria voz; ela se tornava maior do que ele. Aquele som era inacreditável, e ele tentava apenas ficar concentrado na música, pois, se ele parasse para pensar, pareceria impossível acreditar que eles é quem estavam fazendo aquele som.

Depois de sua nota longa no fim do refrão, Dainty virou-se para olhar para a banda. Todos os seus colegas estavam imersos na música, movendo os corpos e aproveitando o momento. Honey Drop sorria feito criança, e se mexia como se estivesse dançando. Steel Strings não tirava os olhos de Dainty.

Sem perder a deixa, Dainty virou-se para cantar o próximo verso, e teve a impressão de que o público estava recebendo bem a música. Ao longe, ele via alguns pôneis que dançavam bastante em suas cadeiras e balançavam os cascos no ar. As palavras saiam plenas e cheias da garganta de Dainty, e ele começava a explorar o palco, fazendo gestos, apontando para o público, erguendo um casco para o céu, como se desafiasse o mundo a tentar não escutá-lo.

Perto do fim da música, Steel Strings cantou o vocal de apoio, em harmonia com Dainty, e a canção pareceu explodir. Em seu ápice, ela terminou, e o acorde final soou pelo ar, até ser coberto pelo aplauso.

— Obrigado! — Dainty disse, e virou-se para a banda: eles estavam elétricos.

Eles trocaram um breve sinal, e Steel Strings tocou os primeiros acordes de Quase Sem Querer. Assim que Honey Drop entrou junto com o ritmo, Dainty sentiu que ele podia apenas ficar ali, escutando aquele som. A banda era mágica. Porém, ele tinha uma letra para cantar, então ele se concentrou no microfone e cantou, como se conversasse com o público.

A letra ia saindo, e Dainty cantava-a como se ela fosse parte de si. Hard Fiber tocava seus arpejos com gosto, vendo que o público estava prestando total atenção. River Mouth sacudia o corpo, balançando a cabeça e sentindo a levada em cada músculo, às vezes trocando olhares com Honey Drop, como se tivesse uma ligação física com ele. Steel Strings tocava com o coração entregue, sentindo cada acorde, cada nota que vibrava. Honey Drop tocava sua bateria como se quisesse sacudir as paredes do prédio.

Assim que Dainty terminou de cantar, ele se virou e começou a balançar o corpo e interagir com a banda, dançando com eles e gesticulando, como se estivesse regendo-os. Eles gradualmente conduziram a música até o seu fim, e Dainty ficou ali, ofegante, até o aplauso emergir com força. Ele ouviu gritos e assobios do público, e casualmente voltou para o microfone a trote.

— Obrigado a todos! — ele disse, esperando o aplauso diminuir um pouco. — Como vocês ouviram antes, essas canções que estamos tocando são de uma banda chamada Tropa da Cidade. Eles existiram há muito tempo, e escreveram todas essas canções que vocês vão ouvir. Nós formamos essa banda para homenageá-los, e esperamos que vocês gostem. A primeira música se chamou Será, que é do seu primeiro disco, e essa agora foi Quase Sem Querer. A próxima canção fala de seguir em frente e não desistir, e ser corajoso quando o momento é difícil. — Ele deu um sorriso seco. — Pelo menos eu acho que é sobre isso.

Ele ouviu algumas risadas do público, e ficou aliviado que a piada funcionou.

— Manda ver, Steel!

Steel Strings tocou os primeiros acordes de Quando o Sol Bater na Janela do Seu Quarto, e a mágica recomeçou. A canção era mais lenta e mais suave do que as anteriores, mas mesmo assim faiscava, e, a menos que Dainty estivesse muito enganado, o público estava gostando cada vez mais.

Para a música seguinte, Ainda É Cedo, Steel Strings largou o violão e foi para o piano, e o ritmo pulsante e sólido ficou muito mais forte naquela sala imensa, e o público parecia hipnotizado. Depois que os vocais terminaram, Dainty convidou o público a bater os cascos junto com o ritmo, e ficou divertindo-se pelo palco. Ele se juntou a Steel Strings no piano por um momento, e ficou gesticulando para a banda tocar por mais tempo do que o normal, pois o público parecia estar gostando ainda.

Ao finalmente conduzir a banda a terminar a música, o aplauso encheu a sala. Dainty e Steel trocaram um olhar doce, antes de Steel voltar para o violão.

— Steel Strings no piano! — ele disse, e ouviu o aplauso crescer de novo enquanto ele se sentava ao piano para as próximas canções.

Ficar no piano era conveniente para Dainty descansar um pouco, pois toda aquela movimentação pelo palco fora mais intensa do que ele imaginou que seria. Eles tocaram mais duas músicas, e Dainty preparou-se para a canção Fábrica, quando algo lhe ocorreu.

Ele se inclinou em direção à banda. — Ei, River Mouth! — ele falou longe do microfone. — Qual é o nome daquele lago onde você estava trabalhando?

Ela olhou para ele, com certa perplexidade. — Ãh, é o lago Tranquility, Dainty. Por quê?

— Deixa comigo — Dainty disse.

Ele começou a improvisar alguns acordes no piano, e começou a falar. — Sabem, lembrei de uma porção de coisas que estão acontecendo — ele disse por cima de seu improviso. — Essa próxima música que a gente vai tocar, ela fala de… de como nós fazemos coisas que podem transformar o meio-ambiente, o mundo em que a gente vive, às vezes pra melhor, mas às vezes pra pior.

Os acordes e melodias que ele tocava pareciam refletir a intenção de suas palavras. A banda assistia a ele em silêncio, e Hard Fiber aproveitou para afinar a guitarra.

— E há alguns pôneis por aí fazendo um esforço tremendo pra preservar a beleza do nosso mundo, e nós temos um desses pôneis bem aqui, no palco. O nome dela é River Mouth, e ela é a nossa baixista, ali.

River deu um aceno tímido, em resposta ao aplauso.

— Ela trabalhou nos últimos meses na preservação de um lugar lindo, lindo, chamado Lago Tranquility. Ultimamente, esse lugar se tornou ameaçado por uma praga devastadora, que pode destruir a fauna e a flora. Infelizmente, o projeto perdeu a verba, e River Mouth e seus colegas não conseguiram terminar o trabalho! Pode isso, gente? — ele disse, virando a cabeça para o público. — Será que tem coisas tão mais importantes pra investir do que preservar nosso mundo? E agora, se esse projeto não recuperar a verba, a beleza do Lago Tranquility pode ser perdida para sempre.

Ele tocou alguns acordes dramáticos, antes de retornar a algo mais quieto. — Então, para esses pôneis por aí que têm dinheiro, mas não se importam com a natureza de Equéstria, nós dedicamos esta música. Para os pôneis que colocam a ganância acima do nosso futuro, nós cantamos esta canção. Ela se chama Fábrica.

Dainty fez um gesto para Hard Fiber tocar o riff inicial, e a banda gradualmente foi entrando. River Mouth, incentivada pelo discurso, tocou com força, quase raiva, fazendo a canção ferver naquela sala. Dainty cantava com as entranhas, e Honey Drop pegou mais pesado nos pratos e nos tom-tons do que nos ensaios. Quando a canção terminou, a banda estava até um pouco cansada, mas satisfeita.

Dainty levantou-se do piano e voltou até o microfone no centro, e o show prosseguiu. Ele continuou falando com o público entre as canções, volta e meia reforçando a importância da Tropa da Cidade e seus membros. Ele notou que a banda fazia pequenos improvisos que eles não costumavam fazer. As linhas de guitarra de Hard Fiber estavam mais coloridas do que o normal, e os rolos e viradas de Honey Drop às vezes deixavam Dainty aturdido com sua complexidade.

Quando ele percebeu, a banda já tinha chegado nas últimas quatro músicas do set. Em sua mente, parecia que apenas quinze minutos haviam passado. O tempo voara diante de seus olhos.

Ele foi até o piano, para tocar Vinte e Nove, e começou a improvisar de novo.

— Antes da próxima música, eu queria contar uma história — ele disse. — É a história de um pônei, que, pelo poder do acaso, conheceu uma banda. Uma banda da qual ele nunca tinha ouvido falar. Ele teve que ir até Manehattan para escutá-la, encontrar seus discos. E, assim que ele encontrou os discos, e colocou eles pra tocar, ele ficou… apaixonado. Hipnotizado. Pelo poder daqueles sons, das melodias, das letras, dos ritmos, seu mundo… tinha mudado.

Ele olhou para o público, pra ter certeza de que eles ainda estavam acompanhando.

— A banda se tornou parte da vida dele. Mas só escutar… não bastava. Ele queria mais do que isso. Ele tinha que… montar uma banda. — Ele tocou um floreio no piano. — Acho que já dá pra ver que esse pônei sou eu. E, às vezes eu penso que vocês podiam vir e me perguntar, pra que montar uma banda? Qual o motivo de fazer tudo isso, gastar todo esse tempo, só por causa de uma banda? E a resposta é… que eu não preciso de um motivo. A música me obriga a isso. A música tem um poder sobre mim, e… e eu não sei o que eu faria sem ela. A música é uma extensão de mim mesmo, é o motivo de eu estar neste mundo.

Ele tocou mais alguns acordes, e Steel Strings notou que ele estava preparando a próxima canção.

— O pônei que me apresentou a Tropa da Cidade é o Sr. Steel Strings, aqui — ele disse, apontando para ele. Steel rapidamente curvou-se em resposta ao aplauso. — E, quando eu estava em Manehattan, a primeira música do primeiro disco que eu escutei foi exatamente esta. É uma música especial para mim, e ela se chama Vinte e Nove.

Dainty sustentou um acorde dominante, e fez um gesto para Honey fazer a contagem, e o acorde levou direto para a canção. Ele não conteve um sorriso ao ouvir Honey tocar o ritmo perfeitamente, um ritmo que causara tantos problemas. Por um momento, ele foi transportado de volta àquele quarto de hotel, onde ele ficou sentado diante do toca-discos, e o som daquela canção deixou-o embasbacado. E agora, ele estava no palco, e a música estava acontecendo ao redor dele.

Ele abriu a boca e cantou. Sua voz tremeu. Ele estava quase em lágrimas. Ele respirou fundo e tentou concentrar-se para o segundo verso, e assim foi até o fim. A música mudou de tom, Honey fez sua virada na bateria, e a música disparou em sua parte final. A banda entregou tudo que tinha, e a música era implacável. Dainty improvisou vocalizações, e a música seguiu forte, até Dainty sentir que já era o bastante, e gesticulou para eles concluírem com um acorde final.

Ele voltou para o centro para a canção Teorema, e podia ver os pôneis balançando em seus assentos, sacudindo o corpo e balançando a cabeça. Eles estavam aproveitando o momento, e Dainty estava um pouco triste de estar perto do fim. Na próxima canção, Esperando por Mim, Dainty ficou desejando que aquele final instrumental durasse para sempre. Ele não queria perder aquela energia.

Assim que o aplauso começou a diminuir, ele se aproximou do microfone de novo. — Assim, chegamos à nossa última música. E essa também é uma música especial, porque foi com ela que eu conheci a banda, então ela sempre vai ter um lugar especial no meu coração. Eu queria agradecer a cada um de vocês por ter vindo hoje, ao Teatro de Ponyville por tornar tudo isso possível, ao Sharp Focus por tirar nossas fotos e fazer nossos cartazes, e, é claro, ao Shimmering Chord, Rocky Rumble, Cymbal Crash e Deep Voice, que fizeram todas essas músicas que vocês ouviram hoje. Essa aqui se chama Tempo Perdido.

Hard Fiber tocou os arpejos iniciais, e a banda entrou naquela música final. Dainty cantou com tudo, e acabou lembrando-se de todos aqueles ensaios, todo o esforço que eles dedicaram, todos os problemas que eles enfrentaram para tornar aquilo possível. Ele pôs tudo isso na canção, e, assim que a última nota ressoou, ele estava ofegante.

O aplauso preencheu a sala. Dainty sentiu o coração palpitar.

A banda ficou assistindo a reação dos pôneis diante deles, sacudindo lenços e assobiando. Dainty sorria, e chamou o resto da banda para ficar junto a ele.

— Steel Strings no violão! Hard Fiber na guitarra! River Mouth no baixo! Honey Drop na bateria! E eu, Dainty Tunes, nos vocais e piano. Nós somos a Manada de Ponyville, muito obrigado!

Eles se curvaram, enquanto o aplauso cresceu. Dainty sentiu que podia ficar ali para sempre, mas, enfim, a banda saiu do palco, e ficou nas coxias enquanto o barulho continuava.

— Gente, isso foi lindo! — Honey Drop disse, quase saltitando. — Escutem isso!

— Na verdade, eu acho que eles estão pedindo bis — River Mouth disse, prestando atenção aos sons.

Os olhos de Hard Fiber arregalaram-se. — Ah, caramba! A gente não preparou um bis, né?

Dainty ficou constrangido. — Eu… tinha esquecido disso completamente.

— A gente não pode deixar eles esperando, gente — Steel Strings disse. — De repente a gente repete uma das músicas.

— Espera — Dainty disse, com uma ideia na cabeça. — Ãh, tudo bem se eu for lá e tocar uma música sozinho? Eu sei que a gente não combinou isso, mas acho que pode resolver.

Os outros quatro trocaram olhares, e viraram o rosto para dar a Dainty um olhar de aprovação.

— Claro, vai lá — River disse.

— Certo! — ele respondeu, e voltou a trote para o palco.


Ele foi até o piano, enquanto o aplauso cresceu. Ao sentar-se, o ruído diminuiu, e ele começou a tocar algumas notas, aparentemente improvisadas. Aos poucos, ela se tornou uma canção. Steel Strings reconheceu: era Por Enquanto, e ele sabia que Dainty a amava. Ele tocou apenas a harmonia por um momento, e, quando abriu a boca para cantar, sua voz era suave, doce, gentil. Steel não conteve as lágrimas. River Mouth pôs o casco em seu ombro, sorrindo.

Dainty conduziu a canção para um final delicado e suave, e deixou o acorde final ressoar. O público aplaudiu de novo, e ele se levantou do banco, gesticulando para a banda vir com ele.

Eles ficaram diante do público de novo e curvaram-se.

— Eu acho que eles querem mais uma, Dainty — River Mouth disse.

— Gente, que tal tocar aquela música que a gente inventou aqui na minha audição? — Honey Drop disse.

Dainty franziu a testa. — Sério? Aquilo foi um improviso bobo, Honey, não é uma música de verdade.

— Não, vamos fazer! — Hard Fiber disse. — Vai ser legal!

— Bom, eu vou ficar do lado deles nessa, Dainty — Steel disse, atrevido. — A gente tá na maioria.

Dainty sorriu. — Tá bom, então, vamos lá.

Eles voltaram para seus instrumentos, e Dainty sentou-se ao piano. Eles fizeram alguns acertos, e Dainty pediu que River começasse com a linha de baixo. Honey Drop entrou no chimbal, como ele havia feito na primeira vez.

— Sabem — Dainty disse no microfone —, o nosso baterista, Honey Drop, entrou na banda aqui mesmo, neste palco. Ele veio na nossa audição, e, como a gente tinha tempo, a gente começou a tocar umas coisas, assim… só no improviso. E era assim.

Steel Strings tocou alguns acordes, e Honey começou a tocar a caixa.

— E a gente foi indo, e nosso improviso começou a virar uma canção, se é que dá pra acreditar.

Hard Fiber começou a fazer algumas linhas na guitarra, e Dainty aderiu ao piano. Honey Drop então começou a tocar a batida inteira, e Dainty sorriu, imaginando o que ele iria cantar.

— E então, quando a música ficou assim, eu comecei a cantar umas coisas que me vieram à cabeça. Mais ou menos assim:

Estamos aqui tocando
A minha banda e eu
Estamos só improvisando
A minha banda e eu

Honey Drop sorriu enquanto tocava, e ficava trocando olhares com seus colegas, notando o quanto eles estavam divertindo-se.

E a gente tá aqui no teatro
Fazendo um show!
E esse público é tão legal
A gente ama vocês!

O público reagiu, e Dainty riu-se.

— A gente tem que afagar o ego dos fãs, não é? — ele brincou.

A gente tocou algumas canções
E a gente queria mais
E nós queremos voltar aqui
Estar aqui é demais!

Dainty fez um gesto para a banda aumentar a intensidade.

E essa foi a melhor noite
Que a gente já viu
Agora olha só, escuta só
É a Manada de Ponyville!

Enquanto Dainty repetia os últimos versos, a banda começou a cantar junto nos microfones, e a cantoria foi aumentando.

— Cantem comigo, todo mundo! — Dainty disse, ouvindo alguns pôneis na plateia responderem.

Ele tirou os cascos do piano e começou a batê-los, incentivando o público a bater os cascos e cantar a música. Depois de algumas repetições, quase o público inteiro estava cantando.

Olha só, escuta só
É a Manada de Ponyville!

— Vocês todos são a Manada de Ponyville! Vamos lá!

Danity voltou ao piano, e começou a trocar frases com Hard Fiber, que foi até o piano enquanto o público cantava e batia os cascos. Honey Drop não tinha um microfone para ele, mas ele cantava junto mesmo assim.

A música prosseguiu, até que Dainty anunciou — mais uma vez! — O público cantou os versos, e Dainty ergueu um casco para a banda parar:

É a Manada de Ponyville!

Antes que Dainty pudesse sinalizar o acorde final, Honey Drop tocou uma virada longa e complicada, e segurou as baquetas no alto. Eles atacaram o acorde final, segurando-o por um longo tempo, enquanto o público aplaudia. Dainty fez um glissando no piano ,e a música terminou.

A banda voltou à beira do palco, onde recebeu os aplausos e curvou-se. Ao saírem do palco, os cinco notaram que o público estava satisfeito, e começou a sair dos assentos. O show havia terminado, e o corpo de Dainty estava elétrico.


Eles ficaram nos bastidores, quando o gerente veio para parabenizá-los.

— Foi maravilhoso! — ele disse, entusiasmado. — Maravilhoso! O público adorou! Meus parabéns, foi um show esplêndido.

— A gente adorou tocar também! — Honey Drop disse, sem conseguir conter o entusiasmo. — Foi demais.

— Foi mesmo. Muito obrigado por nos dar essa oportunidade — Dainty disse.

— Foi um prazer! Nós devíamos fazer isso de novo, na verdade. Nós podemos marcar algumas outras datas, se vocês quiserem. Mas agora, eu vou deixar os outros pôneis virem para cumprimentar vocês.

— Ah, legal! — Steel disse. — Eu acho que os meus pais querem vir pra falar comigo.

O gerente virou-se para sair, e, de fato, Steel Strings viu seus pais chegando.

— Oi, mãe! Pai! — ele disse, com um surto de alegria que Dainty nunca havia visto. — Que bom que vocês vieram!

— Mas claro que viemos! — sua mãe disse. Ela tinha uma pelagem marrom clara e uma crina escura e curta. O pai tinha uma crina grisalha e levemente crespa, e uma pelagem púrpura. — Nós não perderíamos isso por nada.

— Foi muito bom, filho — o pai disse. — Estamos orgulhosos.

— Ah, obrigado, vocês são sempre tão bons comigo — Steel disse, virando-se para a banda. — Aqui, deixa eu apresentar vocês pros outros! Esse é o Dainty Tunes, o pônei que juntou todo mundo.

— Boa noite a vocês — Dainty disse. — É um prazer conhecer vocês!

— O prazer é nosso, Sr. Tunes — a mãe disse.

Steel prosseguiu apresentando os outros, e Dainty notou os pais de Honey Drop chegando.

— Mãe! Pai! Aqui! — Honey disse, depois de cumprimentar os pais de Steel. — Obrigado por virem! Eu tô tão feliz!

— A gente viu, filho — o pai disse. — Você estava muito bem.

— Sim, talvez a música foi um pouco alta, mas você estava ótimo, Honey Drop — a mãe disse.

— Mãe, pai, obrigado mesmo por acreditarem em mim. Esse foi o melhor dia da minha vida, e não teria sido se não fosse por vocês.

— Bom saber, filho — o pai disse. — Você provou que consegue cumprir as suas responsabilidades e também ser músico. Você tem nosso apoio se quiser continuar.

— Ah, mas é claro que eu quero! — Honey respondeu prontamente. — Tipo, eu já quero fazer isso de novo!

Dainty sorriu ao ouvir a conversa, e notou a família de Hard Fiber chegando.

— Mãe! Pai! Macramê! — Fiber comemorou. — Que bom ver vocês aqui!

— Eu tô tão feliz, filho! — a mãe dele disse, emocionada. — Foi lindo. Você foi maravilhoso.

— Ah, obrigado, mãe — ele disse, encabulado. — E você, meu camarada? — ele disse, baixando a cabeça para olhar o irmão nos olhos. — Você gostou?

— Eu nunca vi ele tão calmo, filho — o pai disse. — Ele não tirou os olhos do palco. Eu acho que ele nunca esteve tão feliz.

Dainty notou que Fiber estava comovido com isso, e sorriu.

— Eu tô feliz que você veio me ver, ouviu, irmão? — Fiber disse, afagando a sua cabeça. — Eu te amo, amigão.

Dainty virou para o lado e viu Sharp Focus aproximando-se.

— E aí, gente! Que baita show! — ele disse, com um sorriso meio tímido. — Foi bom demais.

— Que legal ver você aqui, Focus! — Hard Fiber disse. — Obrigado por vir!

— Como se eu fosse perder essa! — Focus respondeu.

— É bom ver você aqui — Steel disse. — A gente agradece todo o trabalho que você fez pra gente. Você ajudou a deixar o teatro tão cheio hoje.

— É, acho que sim — ele respondeu. — Eu tô feliz com o meu trabalho, mas eu tô feliz por vocês também. Pelo visto, a gente é uma boa equipe! — Ele riu.

— A gente é sim, Focus — Fiber disse.

Focus, então, aproximou-se de Dainty e Steel. — Por sinal, eu queria fazer uma coisa — ele disse, enquanto algo que flutuava atrás dele foi até Dainty. — Isso aqui é um presente pra vocês. Eu tirei ela naquele sábado, sem vocês perceberem, e eu acho que ficou bonita.

Dainty segurava um porta-retrato, com uma foto de Dainty e Steel, tocando os rostos. Steel sorriu e quase derreteu.

— Que lindo, Focus! Eu adorei — Steel disse.

— Sim, ficou lindo — Dainty disse, comovido. — Obrigado pelo presente, é uma gentileza de sua parte.

— Não foi nada, rapazes — ele disse, rindo. — Que bom que gostaram.

— Pode guardar junto com as nossas coisas no camarim, amor? — Dainty disse.

— Claro, querido — Steel respondeu, saindo a trote com o porta-retrato entre os dentes.

Sharp Focus ficou por ali, e Dainty notou River Mouth conversando com uma égua, que ele pensou ser a amiga que trabalhava no teatro. Então, duas éguas correram até Honey Drop para cumprimentá-lo—ele se lembrou que elas eram as éguas que conversaram com ele quando eles estavam colando os cartazes. Então, mais longe, ele viu seus colegas de trabalho acenando.

— Iron Bolt! Jack Hammer! Vocês vieram! — ele gritou, alegre.

— Claro que sim, cara! — Jack Hammer disse, chegando mais perto. — A gente não ia perder a sua grande estreia, né?

— Ah, obrigado mesmo, gente! Tomara que vocês tenham gostado — Dainty respondeu.

— A gente gostou, sim — Iron Bolt disse —, e a gente tem que festejar lá no Bamboo Pub algum dia. Que tal?

— Claro! — Dainty respondeu, mas pausou. — Bom, se é que eles me querem lá, né…

— Ah, eles vão ter que querer — Iron respondeu. — Você é uma celebridade.

Dainty deu um sorriso travesso. — Bom, claro. Enfim, obrigado de novo.

— Sem problema! — Jack Hammer disse, virando-se para sair, e quase esbarrando em um pônei rosa saltitante.

— Oh, desculpe, desculpe! — ela disse, os olhos dela virando-se para a banda. — Honey Drop! Você foi demaaaaaaais!

Honey olhou para ela. — Pinkie Pìe! Obrigado!

— Não, sério, gente, foi inacreditável — ela disse, com seu fôlego aparentemente infinito —, e todo mundo adorou, que nem eu disse que seria! Lembra? Bom, eu disse que eu esperava que eles gostassem, e eles gostaram! Eles bateram os cascos e gritaram e cantaram junto! E é porque vocês foram super incríveis e a música foi ainda mais super incrível! Eu estou tão orgulhosa, Honey Drop!

Dainty quase sentiu o coração parar ao ver os outros Elementos da Harmonia aproximando-se. A Princesa Twilight estava bem no centro, com Spike logo atrás. Pinkie fez uma pausa, e olhou para o lado.

— Ah, e meus amigos estão aqui também! Eles vieram dar um alô!

A banda, surpresa, levou um momento até curvar-se.

— Princesa Twilight! — Dainty disse, quase sem acreditar em suas palavras. — É… é uma honra receber Vossa Alteza aqui hoje! Eu… eu não… não fazia ideia que você se importaria de ver uma… uma banda de rock, sabe…

— Mas claro que eu me importo! — ela respondeu, com uma serenidade que quase deixava-o ainda mais nervoso. — Vocês são uma nova atração musical de nossa Ponyville, fazendo sua estreia no teatro, e é importante para uma princesa incentivar a arte e a cultura de membros da população, como vocês. Foi um prazer, acredite.

— Foi um show bão di verdade — Applejack disse —, mesmo que eu num seja lá do meu estilo, mas deu pra si balançá um bocado. Até a minha empregada lá gostô bastante.

Dainty notou Meteorite Shower acenando e sorrindo de longe. — Vocês arrasaram! — ela gritou.

— Foi uma noite esplendorosa, queridos! — Rarity proclamou. — Vocês foram feitos para o palco! Vocês prenderam nossos olhos e ouvidos da primeira à última nota.

— Sim — Fluttershy complementou. — Estava lindo.

— Vocês só podiam ter escolhido uma banda melhor pra tocar! — Rainbow Dash disse.

Dainty tentou não rir.

— Rainbow dash! — as outras ralharam em uníssono..

— O quê? Mas eles foram bons! — ela se defendeu.

— Tudo bem, Dash, não se preocupa, você não precisa gostar da Tropa — Dainty disse, gentil. — Eu fico grato que vocês tiraram seu tempo para vir nos assistir. Foi… foi uma honra.

— Não tem de que — Spike casualmente respondeu. — Vocês são legais!

— Eu confesso, eu não esperava receber uma princesa no nosso primeiro show — Honey disse. — Foi o máximo!

— A propósito, antes de ir, eu gostaria de trocar uma palavra com você, River Mouth — Twilight disse —, se você puder.

River encarou-a sem reação por um momento. — Comigo?

— Sim — Twilight disse, dando um passo na direção dela, enquanto os outros abriram espaço. — Eu ouvi o que Dainty Tunes disse sobre o seu trabalho no lago, e eu queria dizer que você tem meu total apoio para recuperar a verba.

River Mouth estremeceu. — Sério?

— Naturalmente, eu não posso dar garantias, mas o mínimo que eu posso fazer é usar minha influência para gerar interesse dos pôneis que têm dinheiro. Afinal, esse é um problema que afeta a todos, e nós devemos nos esforçar para cuidar de Equéstria.

— Ah… ah, puxa, obrigado, Princesa Twilight! — ela disse, curvando-se. — Obrigado, Vossa Alteza! Isso significa muito pra mim!

Dainty escutava a conversa, e sentiu uma ponta de orgulho por ter ajudado.

— Ah, eu acho que aqueles garanhões ali atrás querem conversar com vocês! — Pinkie Pie disse —, talvez? Eu acho que sim!

Dainty casualmente virou-se, e viu três pôneis parados.

Suas pernas amoleceram.

O resto da banda virou-se para olhar também, e, por um momento, eles não sabiam o que estava acontecendo. Honey Drop teve a impressão de reconhecer aqueles rostos, mas aquilo não podia estar certo. Não fazia sentido.

Para Dainty, porém, estava claro como o dia.

— Então, que belo show que vocês deram — Shimmering Chord disse.

Enquanto Dainty tentava respirar, Hard Fiber foi o primeiro que ousou falar. — Vocês… vocês são a Tropa da Cidade? Ou parte dela, pelo menos?

— Até onde eu sei, nós somos — Cymbal Crash disse, sorrindo casualmente.

— Mas como vocês vieram? — Dainty disse, quase descrente. — Quer dizer, com tão pouco tempo? Como vocês… Como?

— Bom, as notícias se espalham — Shimmering Chord disse. — Desde que vocês fizeram aquele outro show, a notícia chegou em alguém lá em Manehattan, e no fim chegou em mim. Aí, eu avisei os outros caras. E aqui estamos.

— A gente não ia perder de ver nossas músicas tocadas ao vivo — Rocky Rumble disse —, depois de tanto tempo.

— E vocês impressionaram — Cymbal Crash disse. — Vocês tocaram praticamente do jeito que a gente costumava tocar. Vocês se empenharam.

— Claro, a gente ensaiou pra caralho! — Honey Drop disse. — Tinha que ficar bom, né?

— Eu vou dizer, Dainty Tunes — Shimmering Chord disse —, quando você falou comigo, e perguntou se podia tocar as músicas, eu imaginei que você se juntaria com um ou dois pôneis, aprenderia meia dúzia de músicas, só pra se divertir. Eu não imaginei que vocês montariam um show de verdade, com uma banda completa. Vocês foram até o fim, todos os cinco. Vocês estão de parabéns.

— Eu preciso falar uma coisa — Dainty disse, com urgência —, esse show foi todo pra vocês. Isso tudo foi para homenagear vocês, e o Deep Voice, onde quer que ele esteja. Isso jamais teria acontecido, eu nunca… eu nunca teria feito isso tudo… eu não teria uma banda, esses caras aqui, se não fosse por vocês. Obrigado. Obrigado pelas músicas, obrigado por confiar em mim… eu… Eu serei grato para sempre.

Steel Strings pôs um casco no ombro dele. — Eu digo o mesmo. Obrigado a vocês, e ao Deep Voice, por tudo.

— As músicas são demais! — Honey Drop disse. — Vocês são demais!

— Sim, eu tô feliz de ter entrado nesta banda — Hard Fiber disse —, e é graças a vocês.

— Idem — River Mouth disse. — Nossas vidas são melhores por causa de vocês.

— É por isso que a gente faz música, não é? — Cymbal Crash disse. — Esse é o propósito.

— Vocês vão continuar com a banda, não? — Rocky Rumble disse. — Não foi uma coisa de uma noite só, né?

— Claro que não! — Dainty disse. — A gente quer mais!

— Sim, continuem — Shimmering Chord disse. — E fiquem de olho. Vocês não sabem se, algum dia desses, quem sabe, vocês não recebem um convite pra tocar em algum lugar em Manehattan… Não que isso vá acontecer com certeza, mas talvez possa.

Dainty arregalou os olhos. Ele teve cuidado de não prender-se muito a esperanças passageiras, mas aquilo era surpreendente. — Bom, isso seria ótimo!

— Pode crer — Cymbal Crash disse, antes dos três acenarem com a cabeça e irem embora.

Quase sem fôlego, Dainty virou-se para os seus colegas.

— Bom, depois dessa, a gente precisa sair pra comemorar, né? — Honey Drop disse.

Dainty Tunes riu-se, aliviado que alguém amenizou o clima, pois ele provavelmente teria caído no choro.

— Claro — ele disse. — Vamos guardar os instrumentos lá em casa e ir pra algum lugar!

Honey Drop casualmente olhou para as duas éguas, que estavam ao seu lado. — Elas podem vir junto?

Dainty deu um sorriso cúmplice. — Claro que podem.

Coda: Por Enquanto

Estava frio. O Inverno chegara, e Dainty mexia as patas para ficar aquecido.

— Tá nervoso, querido? — Steel Strings disse.

— Um pouco — Dainty disse, olhando para os dois lados dos trilhos.

A Manada de Ponyville aguardava na estação de trem, seus instrumentos e bagagens em carrinhos. Os pais de Honey Drop, bem como os pais de Steel e a mãe de Hard Fiber estavam ali para despedirem-se. Honey Drop estava acompanhado pela égua de pelagem esverdeada, que agora era sua namorada.

— Eu queria tanto que vocês pudessem vir junto! — Honey disse aos seus pais. — Imagina nós trotando por Manehattan, conhecendo aqueles lugares todos? Seria tão legal.

— Não se preocupa, mãe, eu vou me cuidar — Fiber disse para sua mãe. — A gente provavelmente vai ficar junto quase todo o tempo, então não vai ter perigo.

River Mouth respirou satisfeita. No fim, era um pequeno milagre que todos eles fariam aquela viagem. Dainty entrou em acordo com seu patrão, e River teve que falar com a professora coordenadora do projeto, o qual havia recomeçado há mais de um mês. Tudo tinha dado certo.

— É louco pensar — Dainty disse —, a gente começou há tão pouco tempo, e agora… olha só pra nós.

— É, eu sei — Steel disse. — É incrível. E vai ficar melhor, Dainty, pode acreditar.

— Desde que você esteja comigo, meu amor, eu sei que vai.

Eles sorriram, e Dainty teve a impressão de ouvir o trem ao longe. Os pôneis na plataforma começaram a levantar-se. Honey Drop, Hard Fiber e Steel Strings abraçaram seus familiares e fizeram suas despedidas.

O coração de Dainty bateu mais forte quando o trem parou diante deles.


In memoriam Renato Rocha e Renato Russo

Força sempre

quinta-feira, 8 de julho de 2021

A Manada de Ponyville. Faixa 7: Sagrado Coração (parte 2)

A noite de quinta chegou com uma nova oportunidade de ensaio, mas com a responsabilidade adicional de haver uma plateia agora. Hard Fiber e Sharp Focus chegaram juntos, um pouco antes do que Fiber costumava chegar, pouco depois que River Mouth chegou. Dainty apresentou-o para Honey Drop, que estava elétrico naquela noite. Pareciam que a conversa dele com Dainty havia animado-o bastante.

— Então, como vai ser hoje? — Honey disse, depois que ele terminou de montar a bateria.

— Bom, vamos tocar o setlist inteiro, né? — Dainty disse. — Vamos fingir que é um show de verdade.

— Sim, mas seria bom se a gente tivesse cópias do setlist pra acompanhar — River Mouth disse.

— Ah, claro! — Dainty disse, indo buscar algumas folhas de papel que estavam em cima do piano. — Eu preparei elas ontem de noite. Peguem aqui.

Ele distribuiu as cópias para seus colegas, enquanto Sharp Focus prestava atenção a tudo, fazendo algumas anotações em um caderno, com um lápis que flutuava magicamente diante dele. A banda preparou-se para começar a tocar, e, quando Dainty percebeu que estavam todos em silêncio e a postos, ele apontou para Sharp Focus.

— Certo, gente? Vamos lá.

Honey Drop fez a contagem para a primeira música, Será, e eles logo começaram. Dainty sentiu que a banda estava cheia de energia. Eles ainda cometeram alguns erros, mas nada que atrapalhasse a atmosfera, e eles ficaram firmes até o fim.

— Certo, não vamos demorar muito — Dainty disse. — Vamos já pra segunda música.

— Só me dá um segundo — Steel Strings disse, e então sinalizou que estava pronto.

Ele começou a tocar a próxima canção, e a banda toda entrou. Sharp Focus continuou assistindo, acompanhando o ritmo com a cabeça, fazendo algumas anotações.

Quando a música terminou, Focus ergueu um casco. — É, gente? Eu tava pensando numa coisa aqui.

— Sim? Pode falar — Dainty disse, ajeitando o suporte do microfone.

— Bom, eu queria tirar umas fotos de vocês enquanto vocês estão tocando. Tipo, eu não quero que vocês façam poses nem nada. Eu só quero pegar vocês no momento, focados na música. Teria algum problema?

Dainty olhou para a banda, cujos rostos pareciam aprovar a ideia.

— Tá, vai em frente, Focus — ele disse. — Mas só pra te dizer, a gente não se preparou pra isso, a gente tá só ensaiando.

— Sim, mas é isso que eu quero — Focus respondeu, levantando-se da cadeira para pegar a câmera. — Vai ser mais espontâneo.

— Eu acho ótimo — Honey Drop disse, ajeitando um pouco a afinação da caixa.

Então, Sharp Focus preparou a câmera, e fez um sinal dizendo que a banda podia continuar. Pelas próximas músicas, Focus às vezes ficava apenas olhando, e então começava a andar ao redor para tirar fotos. Dainty notava que ele tirava algumas fotos individuais dos membros, mas ele não fazia ideia de como elas ficariam. Então, Dainty apenas fez o que ela pedira, e concentrou-se na música, cantando o melhor que ele conseguia. Os outros membros faziam o mesmo, e tentavam ignorar a câmera—exceto por Honey Drop, que não deixava de abrir um pouco as asas quando notava que Sharp Focus estava mirando a câmera nele.

Quando eles terminaram de tocar Tempo Perdido, a última música do set, Dainty fez um gesto para Sharp Focus. — Então, esse é o show. O que você achou?

— Bom, eu já tô bolando umas ideias — Focus disse, ajustando algumas coisas na câmera. — Eu acho que eu peguei o clima. Quando a gente se reunir na sessão de fotos, eu digo quais são os meus planos. Pode ser?

— Claro — Steel Strings disse. — Eu acho que a gente podia usar o nosso tempo pra trabalhar em algumas das músicas, o que vocês acham? Eu acho que Esperando por Mim ainda tá um pouco crua.

— Eu também acho — River Mouth disse. — Eu ainda quero melhorar algumas coisas.

— Tá, vamos fazer isso — Dainty disse. — Se você quiser, você pode ficar até o fim, Focus. A gente vai trabalhar por mais uma hora, mais ou menos.

— Certo, eu posso ficar — Focus disse, sentando-se na cadeira. — Eu não tenho mais nada pra fazer hoje, então eu acho que vou ouvir um pouco de música de graça. — Ele deu a sua típica risadinha, e Dainty não conteve um sorriso.

— Então, Esperando por Mim? — Honey Drop disse. — Eu tô pronto.

A banda começou a música, e então trabalhou em algumas outras. Alguns comentários foram feitos sobre a ordem das músicas, e eles fizeram apenas uma mudança. Eles decidiram encontrar-se no sábado para a sessão de fotos, em vez do ensaio de sempre.

Os outros quatro pôneis saíram da casa, deixando Dainty e Steel para trás. Steel deitou-se na cama enquanto Dainty foi fechar a porta.

— Então, amor, vai acontecer! — Dainty disse. — A gente tá chegando perto!

— Dá uma emoção, né? — Steel respondeu, com um sorriso doce. — Você tá cansado, querido?

— Não muito, na real — Dainty disse. — Por quê?

Steel acomodou-se de costas. — Eu tava pensando que você podia tocar alguma coisa pra mim agora. Você pode?

Surpreso pela pergunta, Dainty inclinou a cabeça um pouco. — Claro que posso. — Ele se sentou ao piano e esticou as patas. — O que você quer ouvir?

— Toca alguma coisa sua — Steel Strings disse. — Eu quero escutar alguma coisa que soe que nem você.

Dainty ergueu as sobrancelhas, e começou a percorrer mentalmente sua lista de composições para escolher alguma para tocar. Ele escolheu algo suave, o mais próximo de “romântico” que ele havia escrito, que mesmo assim não era tão romântico. — Então tá.

Assim, ele pôs os cascos no teclado, e alguns acordes oblíquos e vagos preencheram a sala. A voz de Dainty veio em seguida, e Steel repousou a cabeça sobre o travesseiro, deixando a música preenchê-lo. Ele fechou os olhos e ficou focado naqueles sons, e, por alguns momentos, ele sequer sentia o próprio corpo; ele estava flutuando dentro da música, como se Dainty estivesse acariciando sua alma.

Ele apenas sentiu tudo passar assim que a música acabou.

— Pode tocar outra?

— Sim, claro — Dainty respondeu, suavemente limpando a garganta.

Dainty tocou outra canção, e então outra. Ao final da segunda canção, ele começou a fazer um improviso ao piano, sentindo um surto de inspiração. Ele apenas deixou-se levar pelas melodias, e levou a música a um final longo e suave.

Enquanto o som das cordas desaparecia no ar, ele se virou e viu Steel Strings deitado, de olhos fechados, respirando devagar e fundo.

— Steel? — ele sussurrou. — Você está dormindo, amor?

— Não, querido — Steel respondeu sorrindo. — Eu estava escutando. Obrigado por isso, meu lindo.

— Foi um prazer — Dainty respondeu. — Eu posso… ficar com você agora?

Steel olhou para ele e sorriu, os olhos entreabertos. — Claro. Eu queria ver você tocar outro instrumento agora — ele disse, apontando para si mesmo.

Dainty sentiu um calafrio e sorriu. — Eu estava louco pra ouvir isso — ele disse, levantando-se.


*


A banda reuniu-se com Sharp Focus na casa de Dainty, no início da tarde de sábado. Focus examinou os esboços de Dainty novamente, e perguntou se ele poderia levá-los como referência. A banda conversou sobre algumas ideias, mas nada de muito específico.

— Bom, eu pensei nisso desde o ensaio, e eu tenho umas ideias — Focus disse. Dainty notou que o seu tom relaxado e suave dera lugar a uma maneira mais séria e profissional de falar. — Vocês são a Manada de Ponyville, certo? Vocês pertencem a Ponyville. Então, eu quero colocar vocês fisicamente na cidade. Eu quero que vocês estejam geograficamente localizados em Ponyville. Então, eu queria andar pela cidade e pegar um pouco da paisagem, pra que Ponyville seja um elemento da música.

— Pra mim, parece bom — Dainty disse.

— Além disso, Dainty, eu notei nos seus esboços que os cinco de vocês estão todos no mesmo plano, certo? — Focus disse.

Dainty franziu o cenho, e olhou para Steel Strings, por instinto. — Ãh, como assim?

— Ah, tipo, vocês estão no mesmo nível — Focus disse, com um gesto —, ninguém tá na frente de ninguém. Tá todo mundo parelho.

— Ah, é claro! — Dainty respondeu. — Tipo, a gente é uma banda. Tem cinco de nós, e ninguém é mais importante.

— Exato — Focus disse. — Eu quero manter isso. Outra coisa é que eu não quero que vocês façam poses. Eu não quero dar a impressão de que vocês estão se mostrando pra câmera. Eu notei, enquanto vocês tocavam, que cada um tem uma personalidade natural, uma certa postura, uma atitude. Eu quero que isso apareça nas fotos. Sejam naturais como quando vocês tocam. Ajam como se vocês estivessem se preparando pra um ensaio, ou alguma coisa. Sem pose, sem exibição, nada. Sejam uma banda, entendem?

— Ah, mas eu quero ficar estiloso no cartaz! — Honey disse.

— Honey Drop, você já é estiloso — River Mouth respondeu. — Não precisa fazer pose.

Ele não conteve um sorriso. — Bom, tá certo! Vou confiar em você!

— É, porque, além disso — Focus prosseguiu —, a música que vocês tocam é muito pessoal e muito sincera. Eu sei que as músicas não são suas, mas parece que elas vêm de dentro de vocês. Não é teatro. As fotos têm que ser assim, tem que ser vocês nelas, a essência, o espírito de vocês. Então, em resumo, a imagem que eu tenho na cabeça é assim: os cinco de vocês vivendo, existindo em Ponyville. Mas eu quero química entre vocês, interação, dinâmica. Vocês são uma banda, a música depende de todos vocês. Tem um equilíbrio. As fotos têm que ser assim.

— Isso tudo parece meio complicado de fazer — Honey disse, coçando a nuca.

— Bom, Honey, isso cabe a mim fazer — Focus disse. — Vocês têm o trabalho mais fácil. Eu só tô mostrando as ideias que eu tenho, pra gente ficar de acordo.

— É, eu gosto disso — Steel Strings disse. — Eu concordo com tudo.

— Estamos todos de acordo? — Dainty disse, olhando para os outros.

Eles acenaram com a cabeça e falaram palavras afirmativas. Assim, eles saíram de casa, Hard Focus com a câmera pendurada no pescoço, e os outros apenas com suas próprias vidas.


Da casa de Dainty, eles seguiram na direção da prefeitura, trotando pelas ruas sob a luz intensa, porém gentil do sol. Sharp Focus escutava a banda conversando casualmente enquanto andavam, o que dava a sensação de ser apenas um passeio. Em um momento, Focus pediu que eles parassem.

— Vamos ficar aqui um pouco, eu quero tentar uma coisa — ele disse.

— É pra gente fazer alguma coisa? — Hard Fiber disse.

— Não, não, nem prestem atenção em mim — Focus disse, enquanto caminhava e olhava em volta, como se estudasse o cenário.

Os membros da banda trocaram olhares e continuaram conversando. Dainty às vezes olhava para Focus, e notava ele volta e meia olhando pelo visor da câmera, mas não sabia se ele estava tirando fotos ou não.

Depois de um tempo,. Focus pediu que eles fossem para outro lugar, e ficassem mais espalhados, mas que continuassem conversando e divertindo-se. Focus movia-se rapidamente, procurando ângulos e olhando pelo visor da câmera repetidamente.

— Tá, agora olhem pra cá — ele disse.

Os cinco viraram a cabeça para ele.

— Ele tá tirando as fotos ou não? — Honey Drop disse.

— Não faço ideia — River disse. — Mas é melhor deixar ele trabalhar, eu acho.

Sharp Focus fez aquilo tudo um pouco mais, e então disse para eles continuarem a caminhar. A cena repetiu-se quando eles estavam mais perto da prefeitura. Dainty ficava levemente desconfortável de ficar parado daquele jeito, mas o clima foi ficando mais leve com o tempo, e ficava cada vez mais fácil ignorar Focus.

Eles seguiram para a praça, e ficaram ali por um tempo. Sharp Focus tomou mais liberdades desta vez, sugerindo lugares específicos para cada membro ficar, mas ainda disse para eles interagirem e conversarem, como se eles estivessem dando uma volta. Em um momento, ele pediu que eles caminhassem na direção da câmera. — Caminhem como se vocês estivessem indo ensaiar, ou fazer um show — ele disse.

O grupo continuou caminhando por mais ruas, até acharem um ponto onde a torre do relógio estava à vista. A cena repetiu-se, e Dainty ficou surpreso quando Sharp Focus subiu em algumas caixas que estavam ali perto para pegar os ângulos. Novamente, Focus pediu que eles olhassem para a câmera por um momento.

— Eu queria tirar umas fotos na estação de trem — Focus disse, descendo para o chão. — O que vocês acham?

— Ah, pôxa, não acabou ainda? — Honey Drop resmungou.

— Honey Drop! — Dainty ralhou. — Não desrespeita o trabalho do Sharp Focus.

— É, eu não quis faltar com o respeito — Honey disse, um pouco envergonhado enquanto eles começavam a caminhar de novo. — É que, tipo, pra que tirar tantas fotos? A gente não vai só fazer um cartaz?

— Eu quero dar pra vocês o máximo de opções, pra vocês escolherem a que gostarem mais — Sharp Focus disse. — Além disso, talvez vocês precisem de mais fotos no futuro, e aí a gente não precisa fazer tudo isso de novo. Assim, vocês não vão fazer só esse show e terminar a banda, né?

— Não, claro que não! — Honey disse rapidamente.

— É, ele tem razão, Honey — Dainty disse. — Vamos aproveitar o dia e fazer o máximo que der.

Eles seguiram caminhando até chegarem à estação. Focus trabalhou cuidadosamente com cada lugar escolhido, explorando-o profundamente e buscando ângulos e posições para a banda.  Depois disso, eles subiram uma colina próxima, que dava uma vista para Ponyville inteira. Dainty notou que Focus já havia trocado o filme da câmera algumas vezes, mas não sabia calcular quantas fotos haviam sido tiradas.

Aos poucos, eles foram voltando para a cidade, escolhendo mais alguns pontos para fotos no caminho, até terminarem de volta na casa de Dainty.

— Bom, eu consegui fazer tudo que eu tinha pensado — Focus disse. — Tem alguma coisa que queriam tentar?

A banda trocou olhares. — Não, eu não — Dainty disse.

— É, eu achei que a gente fez bem mais do que eu imaginava — Steel disse. — Acho que já é o bastante por hoje.

— Eu concordo — River disse. — Foi bem legal.

— Então, você quer entrar? — Dainty disse, virando-se para Focus. — Eu te dou o pagamento, e você pode tomar um chá com a gente.

— Sim, o pagamento eu quero, mas eu dispenso o chá, Dainty — Focus disse. — Eu quero ir e lá começar a revelar as fotos. Eu acho que eu entrego elas na… terça ou na quarta, creio eu.

— Que rápido — Dainty disse. — Mas tudo bem, fique à vontade, Focus.

— É, eu gosto de trabalhar rápido. Quanto mais rápido eu for, mais cedo eu termino — ele respondeu, com sua risada de sempre. — Se vocês não se importarem, claro.

— Não, claro que não! — Dainty disse, enquanto eles entravam.

Ele deu o pagamento a Focus, e este guardou-o no seu alforje.

— Bom, obrigado pelo convite, gente, mas eu vou indo pro laboratório agora — Focus disse. — Eu aviso o Fiber quando as fotos estiverem prontas. Então, a gente se vê na próxima?

— Isso, a gente se vê, Focus! — Fiber disse. — Valeu!

— Sim, obrigado, foi ótimo trabalhar com você — Steel Strings disse.

Eles se despediram, e Sharp Focus foi embora.

A banda ficou na casa de Dainty por algum tempo, e marcou outro ensaio para a quinta. Dainty sentia que eles não precisavam de uma rotina tão intensa de ensaios até o show, pois eles apenas precisavam melhorar as músicas. Steel e River concordaram.


*


Na noite de quinta, Hard Fiber e Sharp Focus chegaram juntos de novo, depois que a banda já estava toda reunida.

— Gente, as fotos estão prontas — Focus disse. Ele tinha umas folhas grandes de papel enroladas para fora de seu alforje, mas Dainty não fazia ideia do que elas eram.

— Ah, legal! — Honey Drop disse, pulando de sua banqueta. — Eu tô louco pra ver!

— Venham aqui, gente — Dainty disse, com um gesto para que todos ficassem ao redor da cama, enquanto o alforje de Focus estava envolto num brilho de mágica.

— Bom, então, eu não revelei todas as fotos. Eu escolhi as que ficaram melhores — Focus disse, puxando uma pilha generosa de fotos, que flutuaram na direção de Dainty. — Eu também fiz uns modelos de cartazes que eu quero mostrar depois.

— Ah, que ótimo — Dainty disse, colocando algumas fotos sobre a cama.

As primeiras fotos foram tiradas durante o ensaio. Havia apenas duas fotos da banda inteira, e dois closes de cada um dos membros. As fotos eram claras e coloridas, e mostravam os músicos em momentos de espontaneidade e intensidade.

— Nossa, elas ficaram ótimas! — River Mouth disse. — Que profissionalismo!

— Bom, nem tanto, né, gente? — Focus disse, rindo-se. — Mas eu fiz o melhor que eu pude.

— Elas ficaram bonitas — Steel Strings disse. — Tá muito bom.

— Eu falei pra vocês que ele mandava bem — Fiber disse.

Dainty virou mais algumas fotos, que eram da sessão de sábado. Os cinco músicos ficaram impressionados com sua aparência, e faziam comentários e elogios sobre elas.

— Que demais! — Dainty disse, os olhos cheios de alegria. — A gente parece uma banda de verdade, gente!

— Dainty — Honey Drop ralhou —, a gente é uma banda de verdade!

— Sim, sim, eu sei, mas a gente dá a pinta de uma banda que já entrou no negócio, sabe? — Dainty disse. — Isso aqui podia ser capa de disco!

— Eu te entendi, Dainty — River disse. — Elas ficaram incríveis mesmo.

Sharp Focus assistia em silêncio, deixando que a banda fizesse seus comentários e escolhas. Eles examinaram todas as fotos, tentando separar as candidatas ao cartaz. Quando eles terminaram com a pilha de fotos, eles tinham mais de uma dúzia de candidatas.

— Ai, por Celéstia, como é que a gente vai escolher só uma? — Honey disse. — Elas ficaram tão boas!

— É verdade, tá difícil! — Steel Strings disse. — Dá vontade de fazer um cartaz pra cada foto.

— Dá uma dor ter que escolher só uma, né? — Dainty disse, olhando para Focus. — Elas ficaram lindas.

— Bom, não esqueçam que vocês podem usar as outras fotos no futuro, quando quiserem — ele respondeu. — Elas são suas.

— Será que a gente pode cada um pegar uma foto e levar de presente? — Honey disse. — Eu queria colocar uma num porta-retrato e colocar no meu quarto.

— Claro que pode! — Dainty disse. — A gente pagou por elas.

— Então, qual delas vai ser o nosso cartaz? — River disse.

— Eu gostei dessa daqui — Honey respondeu, apontando para uma das fotos, que mostrava a torre do relógio ao fundo.

— Sim, né, só porque você tá com essa pose descolada, aí? — Hard Fiber brincou, notando que Honey estava nas patas de trás, apoiado em uma parede, as patas da frente cruzadas.

— Mas eu tô que é puro charme aqui, não é? — Honey disse, sorrindo.

— Eu gostei mais das fotos na praça — River Mouth disse. — A energia tá bacana.

— Eu adorei essas duas — Steel disse, apontando para duas fotos, uma na praça, e uma na rua, com a prefeitura ao fundo. — Aquela ali na colina é bonita também.

— Puxa, eu gostei de todas — Dainty disse, mordendo o lábio. — Mas, sim, essa aqui tem cara de cartaz.

Assim, eles acabaram convergindo em uma foto na praça, na qual o grupo estava caminhando na direção da câmera. Dainty notou que cada um tinha uma postura um pouco diferente; Honey Drop dava um olhar enviesado para a câmera, com um leve sorriso, as asas entreabertas; River Mouth olhava para o céu, a cabeça inclinada; Hard Fiber sorria, olhando para Steel Strings, como se dissesse algo a ele; Steel olhava para frente, como se tivesse o olhar fixo em seu destino; e Dainty olhava para o lado, como se estivesse distraído por algo ou alguém, e ele provavelmente estava mesmo.

— É, é essa daí — Steel disse. — Tem que ser. Isso é a gente.

— Eu concordo — Hard Fiber disse. — É a minha escolha final.

— Então é isso? — Sharp Focus disse. — Beleza! Então, eu queria mostrar as minhas ideias pro cartaz, pra ver o que vocês acham.

Ele tirou dois rolos de papel e abriu-os sobre a cama. Os dois tinham um espaço vazio no meio, e Focus colocou a foto escolhida no esboço da esquerda, para dar-lhes uma ideia. O cartaz à esquerda tinha um formato mais tradicional, com letras fortes, enquanto a opção à direita era mais livre, com as frases espalhadas pela página em formatos criativos. Eles também notaram que havia cinco pequenos espaços vazios em cada cartaz, com silhuetas desenhadas.

— Uma ideia que eu tive era usar os closes de vocês, e espalhar eles pela página, assim — Focus disse.

— Que boa ideia — Dainty disse.

— É, vai ficar bacana! — Honey Drop disse. — Eu gostei do cartaz da direita.

O grupo estava bastante dividido nessa opção, pois Dainty e Fiber preferiam a opção mais tradicional, enquanto os outros três preferiam a outra.

— Bom, parece que a gente tá na minoria, Fiber — Dainty disse, colocando a foto escolhida sobre o outro cartaz. — A gente devia escolher o da direita.

— Sim, sem problemas — Fiber disse. — Os dois ficaram ótimos.

— Então é isso? — Focus disse. — Essa é a escolha final?

— É sim! — Dainty disse. — É isso aí.

— Certo, então! — Focus respondeu, pegando os dois esboços para guardá-los. — Eu vou combinar com a gráfica, e a gente deve entregar eles na semana que vem.

— Perfeito, Focus, muito obrigado — Dainty disse. — Acho que você precisa das fotos também, né?

— Ah, não, não. Eu só preciso dos negativos. Vocês ficam com elas — Focus disse. — E se vocês precisarem de mais impressões, falem comigo que eu faço. Claro, vai ter um precinho.

— É bom saber disso — Steel disse.

— Além disso, eu queria pedir outra coisa. Se vocês permitirem, eu queria incluir algumas dessas fotos no meu portfolio. Isso vai me ajudar a conseguir mais trabalhos no futuro. Vocês permitem?

Os cinco membros concordaram rapidamente.

— Claro, se isso vai te ajudar, pode fazer! — Dainty disse.

— É, eu lembro de vocês falarem dos artistas se ajudarem, então eu ajudei vocês com a divulgação, e agora vocês me ajudam também! — Ele riu.

— Sem dúvida, amigo — Dainty disse.

Assim, Focus disse que tinha que ir para continuar trabalhando, e a banda seguiu com o ensaio propriamente dito. Depois que eles terminaram, Honey Drop, River Mouth e Hard Fiber levaram algumas das fotos consigo, incluindo algumas das fotos individuais.

— Meus pais vão adorar! — Honey disse. — Tô louco pra mostrar pra eles!

— É, meus pais vão gostar também — Fiber disse. — Que demais. Eu tô louco pra ver os cartazes.

— Eu também, gente — Dainty respondeu sorrindo. — A gente vai sacudir essa cidade, gente! Podem acreditar!

Eles bateram os cascos, e os três pôneis foram embora. Dainty sentou-se na cama, ao lado de Steel, olhando algumas das fotos de novo.

— Você fica tão lindo, sabe? — Dainty disse, apontando para Steel em uma das fotos.

— Ah, querido — Steel respondeu, rindo-se. — Você sempre me adula.

— É, eu sei que é meio piegas, mas é verdade — Dainty disse. — Tipo, sério mesmo. Você fica tão lindo nessas fotos que eu… eu meio que te invejo!

Steel sorriu para ele. — Bom, eu sempre admirei o seu bom gosto.

Os dois riram.


*


O sábado da semana seguinte seria um dia especial. Fiber receberia os cartazes impressos de Sharp Focus, e eles sairiam para espalhá-los por Ponyville. Eles receberam aprovação da Mayor Mare para alguns locais específicos, com o acordo de que eles removeriam os cartazes e limpariam as paredes depois do show. Isso começava oficialmente a divulgação de seu show, e Dainty mal conseguiu dormir na noite de sexta.

Steel chegou cedo, como ele sempre fazia, e River Mouth chegou logo em seguida. Hard Fiber trouxe os cartazes em um carrinho, e colocou-os sobre a cama, para que eles pudessem examiná-los. Eles eram brilhosos, com um fundo vermelho suave, porém chamativo, letras grandes, e a foto da banda bem no meio, forte e imponente. Retratos menores dos membros da banda foram espalhados pelo cartaz. Dainty estava em êxtase.

— Nossa, e o Sharp Focus disse que não era profissional? — Steel Strings disse. — Isso é excelente, Fiber. Obrigado por recomendar ele!

— É, eu acho que ele se dedicou bastante — Fiber disse. — Acho que isso é importante pra ele.

— Ele devia se orgulhar — Dainty disse. — Sério, tomara que ele consiga mais trabalhos daqui pra frente. Ele merece.

— Ah, e aí, gente? — Honey disse da porta. — Os cartazes já chegaram?

— Sim! — Dainty respondeu de pronto, com um gesto. — Vem cá ver!

Honey correu até a cama, e colocou os cascos no rosto. — Caramba, que maravilha! Sério, olha só! Ficou demais! E a gente vai colocar eles em toda a cidade, né?

— Vai sim, rapaz! — Dainty disse, sorrindo. — É a nossa vez de brilhar.

— Bom, vamos lá, então! — Honey disse, sem conseguir ficar parado. — Vamos botar nosso bloco na rua!

— Calma, calma — River Mouth disse —, a gente tem o dia inteiro.


Os cinco saíram em bando, rumo aos locais designados. Os cartazes estavam no carrinho, junto com uma lata de cola e alguns pincéis. Honey Drop pedia para ajudar a colar o primeiro, e, assim que o trabalho ficou pronto, ele se afastou e admirou, orgulhoso, o seu trabalho

— É, ficou bom demais! — Honey disse.

— Ficou mesmo — Fiber disse. — Vem, que tem mais.

Os outros quatro seguiram, enquanto Honey ficou contemplando o cartaz um pouco mais. Ele notou que alguns pôneis ao redor notavam ele, e correu para juntar-se ao grupo quando viu que eles já estavam longe.

Em outra quadra, o grupo já tinha colocado outro cartaz, e já estavam colando outro no lado oposto, um pouco adiante. De novo, Honey admirou o cartaz, e notou duas jovens éguas vindo pela rua, conversando. Honey percebeu que elas viram o cartaz, e ficou observando-as enquanto elas pararam para ler os detalhes.

— Legal, né? — Honey disse. As moças viraram-se para ele, curiosas. — Vai ser daqui a algumas semanas, no Teatro de Ponyville.

— Eu nunca ouvi falar deles — disse a égua azul-esverdeada com uma crina rosada. — Eles são novos?

A outra égua, que tinha uma pelagem verde escura e crina castanha clara, olhou para o cartaz e de volta para Honey. — Você é da banda, né?

— Sou sim! — Ele disse, orgulhoso. — Eu sou o baterista. Eu tô tocando com aqueles caras ali. — Ele apontou para a banda, que já terminara de colar o outro cartaz. — E eu vou te dizer, vai ser um show incrível. Vocês deviam assistir!

Honey ficou ali, conversando com as duas moças, enquanto o resto do grupo já estava pronto para seguir adiante. Fiber olhou para Honey e chamou-o pelo nome. — Vem, vamos indo!

— Só um minutinho, Fiber! — Honey gritou de volta, e continuou conversando.

— Vamos indo — Steel disse —, daqui a pouco ele nos alcança.

Os quatro seguiram caminhando. Eles estavam prestes a virar uma esquina, e Honey não tinha chegado ainda. Fiber olhou para trás, irritado. — Mas que moleque safado!

— Deixa ele, Fiber! — Dainty disse, sorrindo. — Ele tá aproveitando.

— Ah, e deixa o trabalho todo pra gente? — ele resmungou. — Eu vou buscar ele.

Hard Fiber avançou na direção de Honey, que já estava despedindo-se das duas éguas e virando-se.

— Honey Drop! — ele ralhou. — Você vai vir ajudar ou não?

— Eu tava conversando com as nossas fãs! — Honey defendeu-se. — Faz parte da estratégia de divulgação!

— Sim, estratégia de divulgação é o caramba — Fiber disse, enquanto eles voltavam para o grupo. — Você tava era paquerando aquelas moças e deixando o serviço todo pra gente.

— Bom, tá, eu também tava fazendo isso — Honey disse, encabulado —, mas eu disse pra elas virem pro show. Elas ficaram interessadas!

— Na gente ou em você?

— Ãh, os dois, eu espero — Honey disse.

— É? Vamos ver, então.


O grupo prosseguiu colocando mais cartazes perto da prefeitura. Eles notavam que alguns pôneis começavam a olhar para eles, mas eles não queriam diminuir o ritmo. Ainda havia cartazes para colocar. No caminho do próximo local, Dainty notou três pôneis arrancando um dos cartazes que já estavam colados.

— Ah, santa Celéstia, fala sério — ele disse, balançando a cabeça.

Os quatro pôneis observaram a cena, boquiabertos.

— Eu não acredito — Steel Strings disse.

— Ei! Vocês aí!

Honey Drop avançava contra eles, estufando o peito. Os três pôneis viraram os rostos para olhar.

— Ah, olha só! São os manés da banda!

— E vocês são os manés que nem banda têm! — Honey Drop retrucou.

Dainty ficou aturdido demais para acreditar no que via, mas logo correu atrás de Honey. Ao aproximar-se, ele reconheceu os dois provocadores do show e do bar, e viu que o terceiro pônei era o unicórnio branco que se oferecera para tocar na banda meses antes.

— Caiam fora daqui e não mexam nos nossos cartazes! — Honey Drop prosseguiu, ficando firme diante dos outros três.

— A gente não vai deixar vocês quietos — o unicórnio disse. — A gente não quer esses lixos de cartazes desse lixo que vocês chamam de banda sujando a cidade.

— É mesmo? — Honey continuou, com o resto da banda parada atrás dele. — Pois vocês vão ter que se contentar com isso.

— Ah, sim? Pois a gente podia ir arrancar todos os outros cartazes — um dos provocadores disse. — Vocês vão fazer o quê?

— Bom, eu acho que a prefeita vai querer saber disso — Dainty disse, com um olhar debochado. — Ela nos deu permissão pra colocar eles aí. E, agora que todo mundo ouviu vocês dizerem isso, se a gente vir mais um cartaz rasgado que seja, a gente vai saber quem foi. E, é claro, vocês teriam que pagar pelo estrago, porque esses cartazes não foram baratos. E além disso vocês teriam que limpar toda a sujeira. Vocês querem mesmo arriscar?

Os três pôneis trocaram olhares.

— Vamos deixar esses trouxas aí — o unicórnio disse. — Eles não merecem o nosso tempo.

Eles deram as costas e saíram, e Honey Drop ficou assistindo-os, com deboche.

— Hah, a gente botou eles pra correr! — ele vibrou, vitorioso, até ver Dainty, trêmulo e ofegante atrás dele.

— Tá tudo bem, querido, deu tudo certo — Steel disse, com um casco em seu ombro.

— Honey Drop, não faz isso de novo, ouviu? — Dainty disse em uma voz murcha e rouca. — Você não sabe o que eles poderiam fazer.

— Ah, qual é, Dainty! A gente se saiu bem! — Honey disse. — Depois do que você disse, eles não vão querer se meter com a gente.

— Por sinal, isso tudo é verdade? — Hard Fiber disse, em voz baixa, certificando-se de que os três pôneis já estavam longe. — Você acha que a prefeita iria intervir?

— Eu não sei — Dainty disse. — Eu tava blefando. Mas eu aposto que eles são imbecis demais pra saber disso, então é melhor deixar assim.

— Falou e disse, amigo — Honey disse, apanhando o cartaz caído. — Será que dá pra colar esse aqui de volta? Ele tá meio rasgado.

Dainty olhou para ele, a testa franzida. — Vamos, sim, só pra mandar um recado pr’aqueles filhos da puta. Vamos lá, gente.


Depois de todo o trabalho, a banda foi comer algo para comemorar. O clima estava bom, e os cinco estavam alegres e cheios de energia. Eles até faziam algumas piadas com os três vândalos. Eles não queriam deixar-se abater pelo incidente.

Em um momento, enquanto eles estavam esperando seus pedidos chegarem, eles notaram um potro adolescente parado perto da mesa, olhando para eles, um olhar de expectativa, como se ele esperasse uma oportunidade para falar.

— Ei? Com licença? — ele disse.

Os cinco músicos viraram-se para ele. Ele tinha uma pelagem amarela clara e uma crina curta e azul, e encarava-os com um sorriso encabulado.

— Sim? — Steel Strings disse.

— Vocês são… aquela banda que tocou lá na praça uns meses atrás? — ele disse.

— Sim, é a gente mesmo! — Honey Drop disse, com orgulho.

— Ah! Legal — o potro disse. — Eu vi uns cartazes de vocês hoje. Vocês vão fazer outro show, né?

— Sim, daqui a duas semanas — Steel disse.

— Que legal! Eu quero muito assistir — o potro respondeu. — Sabe, eu gostei tanto do que vocês tocaram… Vocês acham que, se eu pegar um instrumento, eu posso aprender a tocar música também? Que nem vocês?

— Claro que sim! — Dainty disse. — Foi assim que a gente começou também. A gente pegou um instrumento e começou a aprender. Quem sabe, procura um professor e vai em frente!

— Ah! Que legal — ele respondeu, coçando a nuca. — Sabe, eu… eu achei que eu já estava velho demais pra começar. Eu ouvi que os músicos bons sempre começam quando eles são potrinhos pequenos, então talvez eu já tivesse passado do tempo…

— Cara, isso tá muito errado! — Honey protestou. — Eu comecei a tocar bateria um mês antes de entrar na banda! E você é ainda mais novo que eu, não? Você não é velho demais, não, amigo.

— Verdade, eu acho que ninguém é velho demais pra aprender — Steel disse. — Se a gente se dedicar, a gente consegue.

— Uau, que demais! Obrigado, gente! Eu tô louco pra ver vocês tocarem de novo! — o potro disse, percebendo que o garçom chegava com os pedidos deles. — Eu… vou deixar vocês comerem agora, tá? Tchau!

A banda despediu-se dele, e ele voltou para sua mesa para juntar-se com quem parecia ser seus pais.

Honey ergueu as sobrancelhas. — A gente tem que tratar bem os fãs, né?


A banda ficou junto por mais um tempo após terminar, e então dispersou-se. Steel para a casa de Dainty, onde eles tomaram chá. Steel gostava de ver a alegria de Dainty, e este não parava de falar em suas ideias e planos. Ele estava sentado no banco do piano, enquanto Steel estava na cama, e apenas conversavam sobre suas ideias, quase como quando eles eram apenas amigos, e suas conversas pareciam poder durar para sempre.


— Então, você vai vestir o que, Dainty? — Steel disse em um certo ponto.

Dainty franziu o cenho. — Vestir?

— Isso. Você não pensou em nada?

— Pra falar a verdade, eu… eu nunca pensei — Dainty disse. — Eu só… ah, sério, eu preciso vestir alguma coisa? Será que alguém vai prestar atenção nisso? Eu sou músico, não modelo.

— Mas não é pra ser modelo, querido — Steel disse. — Você vai estar lá, no palco, e os pôneis vão olhar para você. Seria bacana ter um cuidado com a sua imagem, mesmo que o objetivo seja a música. É uma questão de se sentir bem.

— É, bom, eu podia fazer isso… — Dainty coçou a crina. — Sabe, eu nunca… nunca prestei muita atenção nisso. Eu só… eu pensava que eu não precisava me preocupar com a imagem, porque ninguém… bom, porque ninguém queria olhar pra mim. Mas, sim, eles vão olhar pra mim, né?

— Com certeza vão — Steel disse. — E pode acreditar, eu também vou olhar pra você. Você sabe que eu adoro te ver cantar.

— Sim, mas você devia prestar atenção na música, né? — Dainty repreendeu. — Eu não te quero distraído e cometendo erros!

— Ei! — Steel protestou, cruzando as patas. — Eu sei tocar, né. Além disso, você não me distrai. Você me inspira.

Dainty sorriu. — Ah, meu amor…


*


As luzes deixavam Dainty tonto. Havia pôneis demais circulando pelos bastidores, e ele não conhecia quase nenhum deles. A banda estava ali com ele, e eles conversavam sobre algo que ele não entendia.

Ele estava preocupado com as canções. Ele tentava mentalizá-las, mas aquele lugar estava caótico demais. Ele ouvia o barulho da plateia. Ele queria ir para o palco, mas sentia-se apreensivo. Algo estava errado.

— Você sabe o que está fazendo?

Ele se virou. — Claro que sei, mãe — ele disse, franzindo a testa. — Eu me preparei pra isso.

— Esse lugar é muito grande, tem pôneis demais lá — sua mãe, Spotless Shine, disse. — Você não está preparado..

Ele olhava em volta, tentando encontrá-la no meio da multidão.

— Não fala isso — ele ouviu de seu pai, Final Touch. — Não desanima ele.

— Eu não estou desanimando. Eu só não quero que ele passe vergonha.

— Eu não vou passar vergonha! — Dainty gritou. — Eu tô preparado!

— Você diz isso, mas você não sabe — ela disse.

— Ele sabe o que tá falando, Spotless — o pai disse. — Ele é um gênio. Ele não falha. Ele não pode falhar nunca.

— Eu não sou gênio, pai — Dainty disse. — Eu sou esforçado. Eu trabalhei duro.

— Não seja modesto, filho — Final Touch respondeu. — Você é melhor do que os outros. O sucesso é a sua obrigação.

— Não diz isso! — Spotless Shine ralhou. — Você não vê que você deixa ele nervoso? Se o show for um fracasso, a culpa é sua, Final.

— Parem de discutir, por favor! — Dainty gritou, ainda sem conseguir vê-los. — Eu preciso do apoio de vocês! É só isso que eu quero.

— Você precisa é se concentrar, filho — sua mãe disse.

— Eu tô tentando — ele disse, subitamente olhando em volta, notando que estava sozinho nos bastidores. Ele percebeu que era hora do show. A banda toda estava ao seu redor, e as luzes fizeram seus olhos doer. Ele estava sentado diante da bateria, e o público não parava de gritar e fazer barulho.

Ele olhou para o chão. Pelo visto ele se esquecera do setlist.

Seus colegas de banda olharam para ele, esperando ele fazer a contagem, mas ele não sabia nem que música eles iam tocar. Quase em pânico, ele fez uma contagem e começou a tocar, torcendo que ele pudesse se achar. Quando a banda entrou, ele notou que eles tocavam uma canção que não estava no setlist. Ele a reconhecia, era Perdidos no Espaço, mas ele nunca tentara tocar essa música. Ele não sabia nem se sabia a letra.

Ele muito menos sabia tocar bateria, mas lá estava ele, tentando acompanhar a banda. Ele se esforçava, mas notava que a música fazia viradas e mudanças que ele não reconhecia.

Stoooooop!

Dainty sentiu um frio na espinha. O silêncio pesou em seus ouvidos, e as luzes cegavam-no.

— Tá errado! Tá tudo errado! — Deep Voice esbravejou diante dele. — Vocês acham que tão fazendo o quê?

— É, eu, desculpa! — Dainty disse. — Desculpa, a gente tentou—

— Eu não sei quem foi que disse que vocês sabem tocar essas músicas, porque vocês não sabem — Deep Voice prosseguiu, frustrado, perambulando pelo palco. — Vocês não têm intuição! A única coisa boa aqui é o chiado dos amplificadores.

— A gente devia ter ensaiado mais, Dainty, eu te disse — Steel Strings disse.

— Isso se vocês ensaiaram — Dainty Voice retrucou. — Vocês não entendem as músicas! Vocês não têm emoção, não têm intenção. Vocês não tem direito de tocar essas músicas.

— Deep Voice, por favor, me desculpa—

— E vocês estão cobrando pelo show — Deep Voice prosseguiu, ignorando-o. — Vocês não sabem tocar as músicas, mas querem ganhar dinheiro com elas!

— Não! — Dainty disse, defendendo-se. — Eles é que.. O teatro é que…

— Eu não sei o que tá havendo aqui — o gerente do teatro disse, em uma voz gutural —, mas esse tipo de música é inaceitável aqui. Inaceitável. Venham, tirem isso tudo daqui.

Dainty percebeu que os três provocadores estavam tirando os instrumentos do palco e jogando-os nos bastidores.

— Não, não façam isso! — Dainty berrou, tentando correr atrás deles, mas sem conseguir sair do lugar. Ele movia as patas, mas uma força parecia mantê-lo preso, como se puxasse-o para trás. — Para! Para!

— A gente disse que não queria esse lixo de banda por aqui! — o unicórnio branco disse, bem na sua cara, antes de virar-se para arrastar um dos pratos da bateria.

— Não! Volta aqui! — Dainty gritou. Quase desesperado por não conseguir sair do lugar, ele lançou uma pata para frente violentamente, tentando agarrar o unicórnio.


*


Dainty lançou uma pata para frente violentamente, e sentiu ela bater em algo.

Ai!

Ele acordou de súbito, e percebeu que ele havia dado um soco no ombro de Steel Strings. Eles estavam deitados em sua cama, e Steel agora tinha um casco no ombro, as pálpebras apertadas.

Dainty apavorou-se. — Steel! Eu… Me desculpa!

— Ai, o que… O quê que foi, querido? — Steel disse, tentando respirar.

— Eu tava… Eu tive um sonho — Dainty disse, um pouco triste. — Eu tava… Eu tava sonhando, e eu joguei uma pata pra frente pra tentar agarrar alguém, mas aí eu… eu fiz isso de verdade, e te dei um soco… Perdão, meu amor, eu juro que foi sem querer.

— Tá tudo bem, amado, tá tudo bem — Steel disse. — Eu tô bem.

— Sério, me desculpa — Dainty disse, dando um beijo no ombro ferido. — Desculpa.

— Não se preocupa. — Eles ficaram em silêncio e acomodaram-se na cama de novo. — Então, foi um sonho ruim, meu benzinho?

Dainty suspirou. — Bom, era… era mais um sonho esquisito do que ruim — ele dissse — … mas é, foi… foi ruim, eu acho. Eu fiquei… nervoso, e com medo.

— Bom, pela força do soco, você estava bem preocupado mesmo — Steel disse.

— Ai, puxa, Steel, eu… Eu não acredito que eu fiz isso — Dainty disse, empurrando a cabeça contra o travesseiro.

— Não, não, eu não disse isso pra te incomodar — Steel disse, acariciando seu rosto. — Eu tô com pena de você ter tido um sonho tão ruim.

— Ah, bom, obrigado, amor.

— Você tava sonhando com o show?

Dainty suspirou, triste, e acenou com a cabeça. — Sim.

— Você tá nervoso?

— Bom, sabe, eu não acho que eu tô — ele disse. — Eu tava empolgado. Mas eu… eu acho que isso acontece comigo. Às vezes, quando eu tô feliz com alguma coisa, eu tenho um sonho ruim, como se a minha mente estivesse me sabotando.

— Puxa, que coisa chata — Steel disse.

— É, eu também acho — Dainty disse com um sorriso triste. — Mas eu não posso fazer nada, né…

— Bom, você pode ficar aqui juntinho comigo — Steel respondeu, afagando a crina de Dainty. — Eu posso te deixar melhor. Vem cá.

Dainty fez isso, e respirou fundo, satisfeito.

— Eu te amo, Dainty.

Ele sorriu. — Eu também te amo, Steel.


*


Durante o domingo e a segunda, Dainty não conseguiu parar de pensar naquela pergunta que Steel fizera. De um lado, ele sentia um certo embaraço de pensar na sua própria imagem, como se vestir uma roupa pudesse mudar quem ele era, ou como se o jeito que os pôneis viam-no pudesse afetar o jeito que eles o tratavam como um indivíduo. Por outro lado, havia algo de interessante na ideia de ficar bonito no palco; não por uma questão de vaidade, mas porque a banda ficaria mais interessante visualmente. Poderia ser um jeito de aprimorar o show.

O problema era que Dainty não tinha nada de interessante para vestir em sua casa. O mais próximo de um figurino que ele costumava usar era seu uniforme de trabalho, e dá pra se dizer que não era bem isso que ele tinha em mente.

De cabeça, ele sabia de um pônei que provavelmente poderia ajudar com esse problema; mas isso seria ir longe demais, não? Estava totalmente fora de sua realidade.

Mas sua mente estava fixada em um pensamento: a banda merecia.


Dainty empurrou a porta, o coração palpitando de receio, vergonha, e, ao mesmo tempo, entusiasmo.

A sineta tocou. Dainty pôs a cabeça para dentro.

— Oh, boa tarde! Bem vindo à Boutique Carrossel! Como posso ajudar? — Rarity disse, virando-se para a porta. Ela estava ajeitando alguns vestidos que estavam expostos em manequins.

— Olá — ele disse, dando um passo para dentro. — Ãh, sim, eu acho que você pode me ajudar, sim. Você…

Ele sentiu um aperto no estômago. Era tolice fingir que ele era um pônei qualquer, dando uma olhada casual na loja, quando ambos sabiam que não era bem assim. — É, você se lembra de mim, não? — ele disse, tentando sorrir. — Eu acho que a nossa apresentação não foi lá muito agradável, mas… eu, ãh…

— Sim, eu me lembro de você, Sr. Dainty Tunes — ela disse, com uma certa solenidade gentil. — E sim, nosso primeiro encontro foi um tanto excêntrico, mas, em vista de tudo, eu estou disposta a começar do zero, se você assim quiser. O que você diz?

— Bom, certo! Seria ótimo — Dainty respondeu, com um sorriso mais espontâneo. — É, sabe, eu tô… tentando me adaptar, depois de tudo aquilo, e… sabe, eu estou aqui como cliente, e porque você é o único pônei que eu pensei que podia me ajudar.

— É um prazer ouvir isso — ela disse —, mas então, fale, qual é o seu problema?

— Então, é, eu sou… Eu não sei se você sabe, mas eu tenho uma banda — ele disse. — Eu sou o vocalista de uma banda.

— Ah, pois sim! Eu ouvi falar — Rarity respondeu. — Pinkie Pie me contou. Me parece que ela dá aulas para o seu baterista, está correto?

— Exato! O Honey Drop tem tido aulas com ela já faz um tempo — Dainty disse. — Então, assim, nós vamos fazer um show no Teatro de Ponyville em duas semanas, e, bem, eu andei pensando que eu podia, sabe, usar um figurino pro show… mas eu não tenho nada pra usar.

— Um figurino para um show musical? — ela disse, os olhos já brilhando. Ele quase enxergava a mente dela nadando em possibilidades. — Ora, é claro que eu posso ajudá-lo, Sr. Tunes! Siga-me, por favor. Talvez você fique interessado em alguns modelos que eu tenho aqui mesmo, na loja!

Ela falava enquanto aproximava-se de outra sala, e seu chifre começou a brilhar. Um manequim flutuou até a sala principal, usando um figurino claro, colorido e com grande riqueza de detalhes. O tecido vermelho parecia brilhar, e estava incrustado de pequenas pedras preciosas. Uma exuberante capa roxa cobria o lombo do manequim.

— Esta aqui é uma réplica de um figurino que eu mesma desenhei para um cantor muito famoso para um concerto em Manehattan — ela disse, cheia de orgulho pela conquista. — Eu não pude estar lá para vê-lo ao vivo, infelizmente, mas eu ouvi dizer que foi um sucesso absoluto. Ele é famoso em outras cidades, seu nome artístico é Captain Fantastic. Você talvez tenha ouvido falar dele.

— Bom, sabe, eu não conheço ele, não — Dainty disse, olhando para o lado. — É um pouco engraçado, mas eu não tô muito atualizado com a música popular das cidades grandes.

— Você pode confiar em mim, se este modelo fez sucesso em Manehattan, ele seria explosivo em Ponyville! — Rarity respondeu, já trazendo outro manequim. O figurino que ele usava era menos extravagante que o primeiro, mas o tecido branco cintilava, e era também cheio de adornos.

— Este é similar a um modelo que eu fiz para o cantor de uma banda — ela prosseguiu. — Eu confesso que o nome da banda não me vem à memória, mas o nome do garanhão é King Quicksilver. Eu jamais poderei me esquecer dele!

Dainty tentou ficar calmo enquanto falava. — Bom, eu me sentiria como um milionário usando isso. Mas é que…

A esta altura, ele não conseguia disfarçar o desconforto de estar ali, pois ele estava exatamente na situação que ele temia estar quando pensou em ir lá.

— Sem mentira, Rarity, eles são geniais — Dainty disse. — É só que… pra este show, pra esta banda, o que eu tinha em mente era… um pouco diferente, sabe, eu queria uma coisa… um pouco mais discreta. — Ele suspirou, e notou que ela queria falar algo, mas esperou que ele continuasse. — Eu detesto fazer isso, porque, tipo, você é uma artista extraordinária, mas eu acho que… o que eu tô pedindo é banal demais pra você.

Ela olhou para ele, chocada, uma pata encolhida contra o peito. — Banal? Oh, querido, você não faz ideia! Pode haver o mais extraordinário charme e elegância mesmo nos modelos mais simples, e isso pode ser um excelente desafio para os melhores estilistas.

Os olhos dele brilharam. — Mesmo? Isso é legal. Tipo, a música pode ser assim também, sabe? É legal fazer um monte de barulho, mas, às vezes, pode ser interessante esconder a beleza nos cantos, se é que você me entende.

— Ah, absolutamente, meu caro! — ela disse, já trazendo algumas outras roupas, embora estas não estivessem em manequins. — Agora, permita-me tentar uma coisa. Vejamos…

Dainty ficou ali enquanto ela examinava algumas peças de roupa, olhando para Dainty de vez em quando. Ela murmurava consigo mesma enquanto trabalhava, e ele sempre ficava tentado a perguntar o que ela estava fazendo, mas preferia deixar ela se concentrar.

— Aqui, querido, vista isso, sim? — ela disse, finalmente, alcançando-lhe uma camisa. Ele não prestou muita atenção nela, e apenas fez o que ela pediu. — E isso também… Não, nananão, esse aqui!

Assim, ela lhe deu mais algumas peças, que ele foi vestindo. Não havia um espelho ali onde ele estava, e ele nem pensou em olhar em volta, pois ele estava prestando atenção nas instruções dela.

— É isso! — ela disse. — Venha comigo, por favor. Dê uma olhada, e diga o que você pensa.

Dainty ficou diante de um espelho, e olhou para si mesmo. Ele estava em choque. A roupa combinava exatamente com a imagem mental que ele fizera alguns dias atrás, mas ficou muito melhor do que ele poderia imaginar. Ele usava uma camisa azul escura, com um colete marrom claro, e calças pretas. Ele não conseguia explicar, mas ficou perfeito nele.

— Ficou… ótimo! — ele disse, ainda incrédulo. — Ficou lindo, e… e confortável! Eu me sinto ótimo!

— Você gostou das cores? — ela disse. — Você quer mudar algo?

— Não, não, eu não quero mudar nada! Tá maravilhoso! — ele disse. — Tipo, eu quero levar isso pra casa agora mesmo!

— Bom, naturalmente, eu ainda tenho que fazer alguns ajustes — ela disse, examinando a roupa de perto, fazendo algumas dobras e prendendo com alfinetes. — Está um pouco largo, mas eu conserto em um ou dois dias.

— É, bom, tem isso — Dainty disse. — Mas não dá pra deixar muito justo, sabe? Eu… me mexo bastante no palco — ele disse, fazendo alguns movimentos e poses e viradas rápidas, imitando o jeito que ele se mexia quando cantava.

— Mas claro! — ela disse, com energia. — Um artista como você precisa usar o corpo para se expressar! Não se preocupe, eu prepararei o figurino especificamente para funcionar no palco. Eu já fiz isso antes, e você não será uma exceção.

— Bom, se é você que tá dizendo, eu acredito — ele respondeu.

— Então, imagino que é a sua escolha final, então? — ela disse. — Eu evitei fazer comentários para não influenciar sua escolha, mas você ficou primoroso. Você está pronto para brilhar, Dainty Tunes!

Ele ficou lisonjeado. A parte cínica de sua mente pensava que qualquer vendedora minimamente sagaz diria algo assim para seduzir seu cliente, mas, em se tratando de Rarity, ele não podia duvidar de sua sinceridade.

— Muito obrigado, Rarity — ele disse. — Sim, essa é a minha escolha final.

Ele ficou lá um pouco mais tempo para ela tirar algumas medidas, e levou as roupas para trabalhar nelas. Ela disse que ficaria pronto em dois dias.

Depois de despedir-se dela, ele saiu da loja com uma confiança renovada, como se um surto de energia tivesse entrado em seu corpo. Ele torcia que aquela despesa não prejudicasse muito suas finanças, mas, mesmo que ele precisasse talvez economizar em algumas coisas, valia a pena.


De volta em casa, ele estava sentado ao piano, trabalhando em coisas que não tinham a ver com a banda. Ele sentiu que precisava de um pouco de distração para ficar calmo, especialmente agora que ele tinha o entusiasmo de buscar seu figurino em questão de poucos dias. Sua cabeça zunia, e ele precisava relaxar.

Ele ouviu uma batida na porta. Ele ficou surpreso; fora os compromissos com a banda, fazia semanas que ninguém vinha procurá-lo assim.

Ao abrir a porta, ele viu Steel Strings, parado do lado de fora, com um sorriso sereno no rosto.

— Ah, oi, Steel! — Dainty disse, surpreso.

— Olá, Dainty — ele respondeu. — Posso entrar?

— Claro que sim, amor! — Dainty disse, saindo do caminho. — Então, ãh, o que te traz aqui?

Steel aproximou-se dele e olhou fundo em seus olhos. — Você, Dainty. Você me trouxe aqui.

Dainty sentiu o coração palpitar. Sua respiração ficou mais pesada, e ele abraçou Steel com força, acariciando sua crina.

— Vamos acabar com essa bobagem de “duas vezes por semana”, querido — Steel disse. — Vamos acabar com isso hoje.

— Ah, Steel!

— Eu senti tanto a sua falta, Dainty.

— Eu também, meu amor!