quinta-feira, 8 de julho de 2021

A Manada de Ponyville. Faixa 7: Sagrado Coração (parte 2)

A noite de quinta chegou com uma nova oportunidade de ensaio, mas com a responsabilidade adicional de haver uma plateia agora. Hard Fiber e Sharp Focus chegaram juntos, um pouco antes do que Fiber costumava chegar, pouco depois que River Mouth chegou. Dainty apresentou-o para Honey Drop, que estava elétrico naquela noite. Pareciam que a conversa dele com Dainty havia animado-o bastante.

— Então, como vai ser hoje? — Honey disse, depois que ele terminou de montar a bateria.

— Bom, vamos tocar o setlist inteiro, né? — Dainty disse. — Vamos fingir que é um show de verdade.

— Sim, mas seria bom se a gente tivesse cópias do setlist pra acompanhar — River Mouth disse.

— Ah, claro! — Dainty disse, indo buscar algumas folhas de papel que estavam em cima do piano. — Eu preparei elas ontem de noite. Peguem aqui.

Ele distribuiu as cópias para seus colegas, enquanto Sharp Focus prestava atenção a tudo, fazendo algumas anotações em um caderno, com um lápis que flutuava magicamente diante dele. A banda preparou-se para começar a tocar, e, quando Dainty percebeu que estavam todos em silêncio e a postos, ele apontou para Sharp Focus.

— Certo, gente? Vamos lá.

Honey Drop fez a contagem para a primeira música, Será, e eles logo começaram. Dainty sentiu que a banda estava cheia de energia. Eles ainda cometeram alguns erros, mas nada que atrapalhasse a atmosfera, e eles ficaram firmes até o fim.

— Certo, não vamos demorar muito — Dainty disse. — Vamos já pra segunda música.

— Só me dá um segundo — Steel Strings disse, e então sinalizou que estava pronto.

Ele começou a tocar a próxima canção, e a banda toda entrou. Sharp Focus continuou assistindo, acompanhando o ritmo com a cabeça, fazendo algumas anotações.

Quando a música terminou, Focus ergueu um casco. — É, gente? Eu tava pensando numa coisa aqui.

— Sim? Pode falar — Dainty disse, ajeitando o suporte do microfone.

— Bom, eu queria tirar umas fotos de vocês enquanto vocês estão tocando. Tipo, eu não quero que vocês façam poses nem nada. Eu só quero pegar vocês no momento, focados na música. Teria algum problema?

Dainty olhou para a banda, cujos rostos pareciam aprovar a ideia.

— Tá, vai em frente, Focus — ele disse. — Mas só pra te dizer, a gente não se preparou pra isso, a gente tá só ensaiando.

— Sim, mas é isso que eu quero — Focus respondeu, levantando-se da cadeira para pegar a câmera. — Vai ser mais espontâneo.

— Eu acho ótimo — Honey Drop disse, ajeitando um pouco a afinação da caixa.

Então, Sharp Focus preparou a câmera, e fez um sinal dizendo que a banda podia continuar. Pelas próximas músicas, Focus às vezes ficava apenas olhando, e então começava a andar ao redor para tirar fotos. Dainty notava que ele tirava algumas fotos individuais dos membros, mas ele não fazia ideia de como elas ficariam. Então, Dainty apenas fez o que ela pedira, e concentrou-se na música, cantando o melhor que ele conseguia. Os outros membros faziam o mesmo, e tentavam ignorar a câmera—exceto por Honey Drop, que não deixava de abrir um pouco as asas quando notava que Sharp Focus estava mirando a câmera nele.

Quando eles terminaram de tocar Tempo Perdido, a última música do set, Dainty fez um gesto para Sharp Focus. — Então, esse é o show. O que você achou?

— Bom, eu já tô bolando umas ideias — Focus disse, ajustando algumas coisas na câmera. — Eu acho que eu peguei o clima. Quando a gente se reunir na sessão de fotos, eu digo quais são os meus planos. Pode ser?

— Claro — Steel Strings disse. — Eu acho que a gente podia usar o nosso tempo pra trabalhar em algumas das músicas, o que vocês acham? Eu acho que Esperando por Mim ainda tá um pouco crua.

— Eu também acho — River Mouth disse. — Eu ainda quero melhorar algumas coisas.

— Tá, vamos fazer isso — Dainty disse. — Se você quiser, você pode ficar até o fim, Focus. A gente vai trabalhar por mais uma hora, mais ou menos.

— Certo, eu posso ficar — Focus disse, sentando-se na cadeira. — Eu não tenho mais nada pra fazer hoje, então eu acho que vou ouvir um pouco de música de graça. — Ele deu a sua típica risadinha, e Dainty não conteve um sorriso.

— Então, Esperando por Mim? — Honey Drop disse. — Eu tô pronto.

A banda começou a música, e então trabalhou em algumas outras. Alguns comentários foram feitos sobre a ordem das músicas, e eles fizeram apenas uma mudança. Eles decidiram encontrar-se no sábado para a sessão de fotos, em vez do ensaio de sempre.

Os outros quatro pôneis saíram da casa, deixando Dainty e Steel para trás. Steel deitou-se na cama enquanto Dainty foi fechar a porta.

— Então, amor, vai acontecer! — Dainty disse. — A gente tá chegando perto!

— Dá uma emoção, né? — Steel respondeu, com um sorriso doce. — Você tá cansado, querido?

— Não muito, na real — Dainty disse. — Por quê?

Steel acomodou-se de costas. — Eu tava pensando que você podia tocar alguma coisa pra mim agora. Você pode?

Surpreso pela pergunta, Dainty inclinou a cabeça um pouco. — Claro que posso. — Ele se sentou ao piano e esticou as patas. — O que você quer ouvir?

— Toca alguma coisa sua — Steel Strings disse. — Eu quero escutar alguma coisa que soe que nem você.

Dainty ergueu as sobrancelhas, e começou a percorrer mentalmente sua lista de composições para escolher alguma para tocar. Ele escolheu algo suave, o mais próximo de “romântico” que ele havia escrito, que mesmo assim não era tão romântico. — Então tá.

Assim, ele pôs os cascos no teclado, e alguns acordes oblíquos e vagos preencheram a sala. A voz de Dainty veio em seguida, e Steel repousou a cabeça sobre o travesseiro, deixando a música preenchê-lo. Ele fechou os olhos e ficou focado naqueles sons, e, por alguns momentos, ele sequer sentia o próprio corpo; ele estava flutuando dentro da música, como se Dainty estivesse acariciando sua alma.

Ele apenas sentiu tudo passar assim que a música acabou.

— Pode tocar outra?

— Sim, claro — Dainty respondeu, suavemente limpando a garganta.

Dainty tocou outra canção, e então outra. Ao final da segunda canção, ele começou a fazer um improviso ao piano, sentindo um surto de inspiração. Ele apenas deixou-se levar pelas melodias, e levou a música a um final longo e suave.

Enquanto o som das cordas desaparecia no ar, ele se virou e viu Steel Strings deitado, de olhos fechados, respirando devagar e fundo.

— Steel? — ele sussurrou. — Você está dormindo, amor?

— Não, querido — Steel respondeu sorrindo. — Eu estava escutando. Obrigado por isso, meu lindo.

— Foi um prazer — Dainty respondeu. — Eu posso… ficar com você agora?

Steel olhou para ele e sorriu, os olhos entreabertos. — Claro. Eu queria ver você tocar outro instrumento agora — ele disse, apontando para si mesmo.

Dainty sentiu um calafrio e sorriu. — Eu estava louco pra ouvir isso — ele disse, levantando-se.


*


A banda reuniu-se com Sharp Focus na casa de Dainty, no início da tarde de sábado. Focus examinou os esboços de Dainty novamente, e perguntou se ele poderia levá-los como referência. A banda conversou sobre algumas ideias, mas nada de muito específico.

— Bom, eu pensei nisso desde o ensaio, e eu tenho umas ideias — Focus disse. Dainty notou que o seu tom relaxado e suave dera lugar a uma maneira mais séria e profissional de falar. — Vocês são a Manada de Ponyville, certo? Vocês pertencem a Ponyville. Então, eu quero colocar vocês fisicamente na cidade. Eu quero que vocês estejam geograficamente localizados em Ponyville. Então, eu queria andar pela cidade e pegar um pouco da paisagem, pra que Ponyville seja um elemento da música.

— Pra mim, parece bom — Dainty disse.

— Além disso, Dainty, eu notei nos seus esboços que os cinco de vocês estão todos no mesmo plano, certo? — Focus disse.

Dainty franziu o cenho, e olhou para Steel Strings, por instinto. — Ãh, como assim?

— Ah, tipo, vocês estão no mesmo nível — Focus disse, com um gesto —, ninguém tá na frente de ninguém. Tá todo mundo parelho.

— Ah, é claro! — Dainty respondeu. — Tipo, a gente é uma banda. Tem cinco de nós, e ninguém é mais importante.

— Exato — Focus disse. — Eu quero manter isso. Outra coisa é que eu não quero que vocês façam poses. Eu não quero dar a impressão de que vocês estão se mostrando pra câmera. Eu notei, enquanto vocês tocavam, que cada um tem uma personalidade natural, uma certa postura, uma atitude. Eu quero que isso apareça nas fotos. Sejam naturais como quando vocês tocam. Ajam como se vocês estivessem se preparando pra um ensaio, ou alguma coisa. Sem pose, sem exibição, nada. Sejam uma banda, entendem?

— Ah, mas eu quero ficar estiloso no cartaz! — Honey disse.

— Honey Drop, você já é estiloso — River Mouth respondeu. — Não precisa fazer pose.

Ele não conteve um sorriso. — Bom, tá certo! Vou confiar em você!

— É, porque, além disso — Focus prosseguiu —, a música que vocês tocam é muito pessoal e muito sincera. Eu sei que as músicas não são suas, mas parece que elas vêm de dentro de vocês. Não é teatro. As fotos têm que ser assim, tem que ser vocês nelas, a essência, o espírito de vocês. Então, em resumo, a imagem que eu tenho na cabeça é assim: os cinco de vocês vivendo, existindo em Ponyville. Mas eu quero química entre vocês, interação, dinâmica. Vocês são uma banda, a música depende de todos vocês. Tem um equilíbrio. As fotos têm que ser assim.

— Isso tudo parece meio complicado de fazer — Honey disse, coçando a nuca.

— Bom, Honey, isso cabe a mim fazer — Focus disse. — Vocês têm o trabalho mais fácil. Eu só tô mostrando as ideias que eu tenho, pra gente ficar de acordo.

— É, eu gosto disso — Steel Strings disse. — Eu concordo com tudo.

— Estamos todos de acordo? — Dainty disse, olhando para os outros.

Eles acenaram com a cabeça e falaram palavras afirmativas. Assim, eles saíram de casa, Hard Focus com a câmera pendurada no pescoço, e os outros apenas com suas próprias vidas.


Da casa de Dainty, eles seguiram na direção da prefeitura, trotando pelas ruas sob a luz intensa, porém gentil do sol. Sharp Focus escutava a banda conversando casualmente enquanto andavam, o que dava a sensação de ser apenas um passeio. Em um momento, Focus pediu que eles parassem.

— Vamos ficar aqui um pouco, eu quero tentar uma coisa — ele disse.

— É pra gente fazer alguma coisa? — Hard Fiber disse.

— Não, não, nem prestem atenção em mim — Focus disse, enquanto caminhava e olhava em volta, como se estudasse o cenário.

Os membros da banda trocaram olhares e continuaram conversando. Dainty às vezes olhava para Focus, e notava ele volta e meia olhando pelo visor da câmera, mas não sabia se ele estava tirando fotos ou não.

Depois de um tempo,. Focus pediu que eles fossem para outro lugar, e ficassem mais espalhados, mas que continuassem conversando e divertindo-se. Focus movia-se rapidamente, procurando ângulos e olhando pelo visor da câmera repetidamente.

— Tá, agora olhem pra cá — ele disse.

Os cinco viraram a cabeça para ele.

— Ele tá tirando as fotos ou não? — Honey Drop disse.

— Não faço ideia — River disse. — Mas é melhor deixar ele trabalhar, eu acho.

Sharp Focus fez aquilo tudo um pouco mais, e então disse para eles continuarem a caminhar. A cena repetiu-se quando eles estavam mais perto da prefeitura. Dainty ficava levemente desconfortável de ficar parado daquele jeito, mas o clima foi ficando mais leve com o tempo, e ficava cada vez mais fácil ignorar Focus.

Eles seguiram para a praça, e ficaram ali por um tempo. Sharp Focus tomou mais liberdades desta vez, sugerindo lugares específicos para cada membro ficar, mas ainda disse para eles interagirem e conversarem, como se eles estivessem dando uma volta. Em um momento, ele pediu que eles caminhassem na direção da câmera. — Caminhem como se vocês estivessem indo ensaiar, ou fazer um show — ele disse.

O grupo continuou caminhando por mais ruas, até acharem um ponto onde a torre do relógio estava à vista. A cena repetiu-se, e Dainty ficou surpreso quando Sharp Focus subiu em algumas caixas que estavam ali perto para pegar os ângulos. Novamente, Focus pediu que eles olhassem para a câmera por um momento.

— Eu queria tirar umas fotos na estação de trem — Focus disse, descendo para o chão. — O que vocês acham?

— Ah, pôxa, não acabou ainda? — Honey Drop resmungou.

— Honey Drop! — Dainty ralhou. — Não desrespeita o trabalho do Sharp Focus.

— É, eu não quis faltar com o respeito — Honey disse, um pouco envergonhado enquanto eles começavam a caminhar de novo. — É que, tipo, pra que tirar tantas fotos? A gente não vai só fazer um cartaz?

— Eu quero dar pra vocês o máximo de opções, pra vocês escolherem a que gostarem mais — Sharp Focus disse. — Além disso, talvez vocês precisem de mais fotos no futuro, e aí a gente não precisa fazer tudo isso de novo. Assim, vocês não vão fazer só esse show e terminar a banda, né?

— Não, claro que não! — Honey disse rapidamente.

— É, ele tem razão, Honey — Dainty disse. — Vamos aproveitar o dia e fazer o máximo que der.

Eles seguiram caminhando até chegarem à estação. Focus trabalhou cuidadosamente com cada lugar escolhido, explorando-o profundamente e buscando ângulos e posições para a banda.  Depois disso, eles subiram uma colina próxima, que dava uma vista para Ponyville inteira. Dainty notou que Focus já havia trocado o filme da câmera algumas vezes, mas não sabia calcular quantas fotos haviam sido tiradas.

Aos poucos, eles foram voltando para a cidade, escolhendo mais alguns pontos para fotos no caminho, até terminarem de volta na casa de Dainty.

— Bom, eu consegui fazer tudo que eu tinha pensado — Focus disse. — Tem alguma coisa que queriam tentar?

A banda trocou olhares. — Não, eu não — Dainty disse.

— É, eu achei que a gente fez bem mais do que eu imaginava — Steel disse. — Acho que já é o bastante por hoje.

— Eu concordo — River disse. — Foi bem legal.

— Então, você quer entrar? — Dainty disse, virando-se para Focus. — Eu te dou o pagamento, e você pode tomar um chá com a gente.

— Sim, o pagamento eu quero, mas eu dispenso o chá, Dainty — Focus disse. — Eu quero ir e lá começar a revelar as fotos. Eu acho que eu entrego elas na… terça ou na quarta, creio eu.

— Que rápido — Dainty disse. — Mas tudo bem, fique à vontade, Focus.

— É, eu gosto de trabalhar rápido. Quanto mais rápido eu for, mais cedo eu termino — ele respondeu, com sua risada de sempre. — Se vocês não se importarem, claro.

— Não, claro que não! — Dainty disse, enquanto eles entravam.

Ele deu o pagamento a Focus, e este guardou-o no seu alforje.

— Bom, obrigado pelo convite, gente, mas eu vou indo pro laboratório agora — Focus disse. — Eu aviso o Fiber quando as fotos estiverem prontas. Então, a gente se vê na próxima?

— Isso, a gente se vê, Focus! — Fiber disse. — Valeu!

— Sim, obrigado, foi ótimo trabalhar com você — Steel Strings disse.

Eles se despediram, e Sharp Focus foi embora.

A banda ficou na casa de Dainty por algum tempo, e marcou outro ensaio para a quinta. Dainty sentia que eles não precisavam de uma rotina tão intensa de ensaios até o show, pois eles apenas precisavam melhorar as músicas. Steel e River concordaram.


*


Na noite de quinta, Hard Fiber e Sharp Focus chegaram juntos de novo, depois que a banda já estava toda reunida.

— Gente, as fotos estão prontas — Focus disse. Ele tinha umas folhas grandes de papel enroladas para fora de seu alforje, mas Dainty não fazia ideia do que elas eram.

— Ah, legal! — Honey Drop disse, pulando de sua banqueta. — Eu tô louco pra ver!

— Venham aqui, gente — Dainty disse, com um gesto para que todos ficassem ao redor da cama, enquanto o alforje de Focus estava envolto num brilho de mágica.

— Bom, então, eu não revelei todas as fotos. Eu escolhi as que ficaram melhores — Focus disse, puxando uma pilha generosa de fotos, que flutuaram na direção de Dainty. — Eu também fiz uns modelos de cartazes que eu quero mostrar depois.

— Ah, que ótimo — Dainty disse, colocando algumas fotos sobre a cama.

As primeiras fotos foram tiradas durante o ensaio. Havia apenas duas fotos da banda inteira, e dois closes de cada um dos membros. As fotos eram claras e coloridas, e mostravam os músicos em momentos de espontaneidade e intensidade.

— Nossa, elas ficaram ótimas! — River Mouth disse. — Que profissionalismo!

— Bom, nem tanto, né, gente? — Focus disse, rindo-se. — Mas eu fiz o melhor que eu pude.

— Elas ficaram bonitas — Steel Strings disse. — Tá muito bom.

— Eu falei pra vocês que ele mandava bem — Fiber disse.

Dainty virou mais algumas fotos, que eram da sessão de sábado. Os cinco músicos ficaram impressionados com sua aparência, e faziam comentários e elogios sobre elas.

— Que demais! — Dainty disse, os olhos cheios de alegria. — A gente parece uma banda de verdade, gente!

— Dainty — Honey Drop ralhou —, a gente é uma banda de verdade!

— Sim, sim, eu sei, mas a gente dá a pinta de uma banda que já entrou no negócio, sabe? — Dainty disse. — Isso aqui podia ser capa de disco!

— Eu te entendi, Dainty — River disse. — Elas ficaram incríveis mesmo.

Sharp Focus assistia em silêncio, deixando que a banda fizesse seus comentários e escolhas. Eles examinaram todas as fotos, tentando separar as candidatas ao cartaz. Quando eles terminaram com a pilha de fotos, eles tinham mais de uma dúzia de candidatas.

— Ai, por Celéstia, como é que a gente vai escolher só uma? — Honey disse. — Elas ficaram tão boas!

— É verdade, tá difícil! — Steel Strings disse. — Dá vontade de fazer um cartaz pra cada foto.

— Dá uma dor ter que escolher só uma, né? — Dainty disse, olhando para Focus. — Elas ficaram lindas.

— Bom, não esqueçam que vocês podem usar as outras fotos no futuro, quando quiserem — ele respondeu. — Elas são suas.

— Será que a gente pode cada um pegar uma foto e levar de presente? — Honey disse. — Eu queria colocar uma num porta-retrato e colocar no meu quarto.

— Claro que pode! — Dainty disse. — A gente pagou por elas.

— Então, qual delas vai ser o nosso cartaz? — River disse.

— Eu gostei dessa daqui — Honey respondeu, apontando para uma das fotos, que mostrava a torre do relógio ao fundo.

— Sim, né, só porque você tá com essa pose descolada, aí? — Hard Fiber brincou, notando que Honey estava nas patas de trás, apoiado em uma parede, as patas da frente cruzadas.

— Mas eu tô que é puro charme aqui, não é? — Honey disse, sorrindo.

— Eu gostei mais das fotos na praça — River Mouth disse. — A energia tá bacana.

— Eu adorei essas duas — Steel disse, apontando para duas fotos, uma na praça, e uma na rua, com a prefeitura ao fundo. — Aquela ali na colina é bonita também.

— Puxa, eu gostei de todas — Dainty disse, mordendo o lábio. — Mas, sim, essa aqui tem cara de cartaz.

Assim, eles acabaram convergindo em uma foto na praça, na qual o grupo estava caminhando na direção da câmera. Dainty notou que cada um tinha uma postura um pouco diferente; Honey Drop dava um olhar enviesado para a câmera, com um leve sorriso, as asas entreabertas; River Mouth olhava para o céu, a cabeça inclinada; Hard Fiber sorria, olhando para Steel Strings, como se dissesse algo a ele; Steel olhava para frente, como se tivesse o olhar fixo em seu destino; e Dainty olhava para o lado, como se estivesse distraído por algo ou alguém, e ele provavelmente estava mesmo.

— É, é essa daí — Steel disse. — Tem que ser. Isso é a gente.

— Eu concordo — Hard Fiber disse. — É a minha escolha final.

— Então é isso? — Sharp Focus disse. — Beleza! Então, eu queria mostrar as minhas ideias pro cartaz, pra ver o que vocês acham.

Ele tirou dois rolos de papel e abriu-os sobre a cama. Os dois tinham um espaço vazio no meio, e Focus colocou a foto escolhida no esboço da esquerda, para dar-lhes uma ideia. O cartaz à esquerda tinha um formato mais tradicional, com letras fortes, enquanto a opção à direita era mais livre, com as frases espalhadas pela página em formatos criativos. Eles também notaram que havia cinco pequenos espaços vazios em cada cartaz, com silhuetas desenhadas.

— Uma ideia que eu tive era usar os closes de vocês, e espalhar eles pela página, assim — Focus disse.

— Que boa ideia — Dainty disse.

— É, vai ficar bacana! — Honey Drop disse. — Eu gostei do cartaz da direita.

O grupo estava bastante dividido nessa opção, pois Dainty e Fiber preferiam a opção mais tradicional, enquanto os outros três preferiam a outra.

— Bom, parece que a gente tá na minoria, Fiber — Dainty disse, colocando a foto escolhida sobre o outro cartaz. — A gente devia escolher o da direita.

— Sim, sem problemas — Fiber disse. — Os dois ficaram ótimos.

— Então é isso? — Focus disse. — Essa é a escolha final?

— É sim! — Dainty disse. — É isso aí.

— Certo, então! — Focus respondeu, pegando os dois esboços para guardá-los. — Eu vou combinar com a gráfica, e a gente deve entregar eles na semana que vem.

— Perfeito, Focus, muito obrigado — Dainty disse. — Acho que você precisa das fotos também, né?

— Ah, não, não. Eu só preciso dos negativos. Vocês ficam com elas — Focus disse. — E se vocês precisarem de mais impressões, falem comigo que eu faço. Claro, vai ter um precinho.

— É bom saber disso — Steel disse.

— Além disso, eu queria pedir outra coisa. Se vocês permitirem, eu queria incluir algumas dessas fotos no meu portfolio. Isso vai me ajudar a conseguir mais trabalhos no futuro. Vocês permitem?

Os cinco membros concordaram rapidamente.

— Claro, se isso vai te ajudar, pode fazer! — Dainty disse.

— É, eu lembro de vocês falarem dos artistas se ajudarem, então eu ajudei vocês com a divulgação, e agora vocês me ajudam também! — Ele riu.

— Sem dúvida, amigo — Dainty disse.

Assim, Focus disse que tinha que ir para continuar trabalhando, e a banda seguiu com o ensaio propriamente dito. Depois que eles terminaram, Honey Drop, River Mouth e Hard Fiber levaram algumas das fotos consigo, incluindo algumas das fotos individuais.

— Meus pais vão adorar! — Honey disse. — Tô louco pra mostrar pra eles!

— É, meus pais vão gostar também — Fiber disse. — Que demais. Eu tô louco pra ver os cartazes.

— Eu também, gente — Dainty respondeu sorrindo. — A gente vai sacudir essa cidade, gente! Podem acreditar!

Eles bateram os cascos, e os três pôneis foram embora. Dainty sentou-se na cama, ao lado de Steel, olhando algumas das fotos de novo.

— Você fica tão lindo, sabe? — Dainty disse, apontando para Steel em uma das fotos.

— Ah, querido — Steel respondeu, rindo-se. — Você sempre me adula.

— É, eu sei que é meio piegas, mas é verdade — Dainty disse. — Tipo, sério mesmo. Você fica tão lindo nessas fotos que eu… eu meio que te invejo!

Steel sorriu para ele. — Bom, eu sempre admirei o seu bom gosto.

Os dois riram.


*


O sábado da semana seguinte seria um dia especial. Fiber receberia os cartazes impressos de Sharp Focus, e eles sairiam para espalhá-los por Ponyville. Eles receberam aprovação da Mayor Mare para alguns locais específicos, com o acordo de que eles removeriam os cartazes e limpariam as paredes depois do show. Isso começava oficialmente a divulgação de seu show, e Dainty mal conseguiu dormir na noite de sexta.

Steel chegou cedo, como ele sempre fazia, e River Mouth chegou logo em seguida. Hard Fiber trouxe os cartazes em um carrinho, e colocou-os sobre a cama, para que eles pudessem examiná-los. Eles eram brilhosos, com um fundo vermelho suave, porém chamativo, letras grandes, e a foto da banda bem no meio, forte e imponente. Retratos menores dos membros da banda foram espalhados pelo cartaz. Dainty estava em êxtase.

— Nossa, e o Sharp Focus disse que não era profissional? — Steel Strings disse. — Isso é excelente, Fiber. Obrigado por recomendar ele!

— É, eu acho que ele se dedicou bastante — Fiber disse. — Acho que isso é importante pra ele.

— Ele devia se orgulhar — Dainty disse. — Sério, tomara que ele consiga mais trabalhos daqui pra frente. Ele merece.

— Ah, e aí, gente? — Honey disse da porta. — Os cartazes já chegaram?

— Sim! — Dainty respondeu de pronto, com um gesto. — Vem cá ver!

Honey correu até a cama, e colocou os cascos no rosto. — Caramba, que maravilha! Sério, olha só! Ficou demais! E a gente vai colocar eles em toda a cidade, né?

— Vai sim, rapaz! — Dainty disse, sorrindo. — É a nossa vez de brilhar.

— Bom, vamos lá, então! — Honey disse, sem conseguir ficar parado. — Vamos botar nosso bloco na rua!

— Calma, calma — River Mouth disse —, a gente tem o dia inteiro.


Os cinco saíram em bando, rumo aos locais designados. Os cartazes estavam no carrinho, junto com uma lata de cola e alguns pincéis. Honey Drop pedia para ajudar a colar o primeiro, e, assim que o trabalho ficou pronto, ele se afastou e admirou, orgulhoso, o seu trabalho

— É, ficou bom demais! — Honey disse.

— Ficou mesmo — Fiber disse. — Vem, que tem mais.

Os outros quatro seguiram, enquanto Honey ficou contemplando o cartaz um pouco mais. Ele notou que alguns pôneis ao redor notavam ele, e correu para juntar-se ao grupo quando viu que eles já estavam longe.

Em outra quadra, o grupo já tinha colocado outro cartaz, e já estavam colando outro no lado oposto, um pouco adiante. De novo, Honey admirou o cartaz, e notou duas jovens éguas vindo pela rua, conversando. Honey percebeu que elas viram o cartaz, e ficou observando-as enquanto elas pararam para ler os detalhes.

— Legal, né? — Honey disse. As moças viraram-se para ele, curiosas. — Vai ser daqui a algumas semanas, no Teatro de Ponyville.

— Eu nunca ouvi falar deles — disse a égua azul-esverdeada com uma crina rosada. — Eles são novos?

A outra égua, que tinha uma pelagem verde escura e crina castanha clara, olhou para o cartaz e de volta para Honey. — Você é da banda, né?

— Sou sim! — Ele disse, orgulhoso. — Eu sou o baterista. Eu tô tocando com aqueles caras ali. — Ele apontou para a banda, que já terminara de colar o outro cartaz. — E eu vou te dizer, vai ser um show incrível. Vocês deviam assistir!

Honey ficou ali, conversando com as duas moças, enquanto o resto do grupo já estava pronto para seguir adiante. Fiber olhou para Honey e chamou-o pelo nome. — Vem, vamos indo!

— Só um minutinho, Fiber! — Honey gritou de volta, e continuou conversando.

— Vamos indo — Steel disse —, daqui a pouco ele nos alcança.

Os quatro seguiram caminhando. Eles estavam prestes a virar uma esquina, e Honey não tinha chegado ainda. Fiber olhou para trás, irritado. — Mas que moleque safado!

— Deixa ele, Fiber! — Dainty disse, sorrindo. — Ele tá aproveitando.

— Ah, e deixa o trabalho todo pra gente? — ele resmungou. — Eu vou buscar ele.

Hard Fiber avançou na direção de Honey, que já estava despedindo-se das duas éguas e virando-se.

— Honey Drop! — ele ralhou. — Você vai vir ajudar ou não?

— Eu tava conversando com as nossas fãs! — Honey defendeu-se. — Faz parte da estratégia de divulgação!

— Sim, estratégia de divulgação é o caramba — Fiber disse, enquanto eles voltavam para o grupo. — Você tava era paquerando aquelas moças e deixando o serviço todo pra gente.

— Bom, tá, eu também tava fazendo isso — Honey disse, encabulado —, mas eu disse pra elas virem pro show. Elas ficaram interessadas!

— Na gente ou em você?

— Ãh, os dois, eu espero — Honey disse.

— É? Vamos ver, então.


O grupo prosseguiu colocando mais cartazes perto da prefeitura. Eles notavam que alguns pôneis começavam a olhar para eles, mas eles não queriam diminuir o ritmo. Ainda havia cartazes para colocar. No caminho do próximo local, Dainty notou três pôneis arrancando um dos cartazes que já estavam colados.

— Ah, santa Celéstia, fala sério — ele disse, balançando a cabeça.

Os quatro pôneis observaram a cena, boquiabertos.

— Eu não acredito — Steel Strings disse.

— Ei! Vocês aí!

Honey Drop avançava contra eles, estufando o peito. Os três pôneis viraram os rostos para olhar.

— Ah, olha só! São os manés da banda!

— E vocês são os manés que nem banda têm! — Honey Drop retrucou.

Dainty ficou aturdido demais para acreditar no que via, mas logo correu atrás de Honey. Ao aproximar-se, ele reconheceu os dois provocadores do show e do bar, e viu que o terceiro pônei era o unicórnio branco que se oferecera para tocar na banda meses antes.

— Caiam fora daqui e não mexam nos nossos cartazes! — Honey Drop prosseguiu, ficando firme diante dos outros três.

— A gente não vai deixar vocês quietos — o unicórnio disse. — A gente não quer esses lixos de cartazes desse lixo que vocês chamam de banda sujando a cidade.

— É mesmo? — Honey continuou, com o resto da banda parada atrás dele. — Pois vocês vão ter que se contentar com isso.

— Ah, sim? Pois a gente podia ir arrancar todos os outros cartazes — um dos provocadores disse. — Vocês vão fazer o quê?

— Bom, eu acho que a prefeita vai querer saber disso — Dainty disse, com um olhar debochado. — Ela nos deu permissão pra colocar eles aí. E, agora que todo mundo ouviu vocês dizerem isso, se a gente vir mais um cartaz rasgado que seja, a gente vai saber quem foi. E, é claro, vocês teriam que pagar pelo estrago, porque esses cartazes não foram baratos. E além disso vocês teriam que limpar toda a sujeira. Vocês querem mesmo arriscar?

Os três pôneis trocaram olhares.

— Vamos deixar esses trouxas aí — o unicórnio disse. — Eles não merecem o nosso tempo.

Eles deram as costas e saíram, e Honey Drop ficou assistindo-os, com deboche.

— Hah, a gente botou eles pra correr! — ele vibrou, vitorioso, até ver Dainty, trêmulo e ofegante atrás dele.

— Tá tudo bem, querido, deu tudo certo — Steel disse, com um casco em seu ombro.

— Honey Drop, não faz isso de novo, ouviu? — Dainty disse em uma voz murcha e rouca. — Você não sabe o que eles poderiam fazer.

— Ah, qual é, Dainty! A gente se saiu bem! — Honey disse. — Depois do que você disse, eles não vão querer se meter com a gente.

— Por sinal, isso tudo é verdade? — Hard Fiber disse, em voz baixa, certificando-se de que os três pôneis já estavam longe. — Você acha que a prefeita iria intervir?

— Eu não sei — Dainty disse. — Eu tava blefando. Mas eu aposto que eles são imbecis demais pra saber disso, então é melhor deixar assim.

— Falou e disse, amigo — Honey disse, apanhando o cartaz caído. — Será que dá pra colar esse aqui de volta? Ele tá meio rasgado.

Dainty olhou para ele, a testa franzida. — Vamos, sim, só pra mandar um recado pr’aqueles filhos da puta. Vamos lá, gente.


Depois de todo o trabalho, a banda foi comer algo para comemorar. O clima estava bom, e os cinco estavam alegres e cheios de energia. Eles até faziam algumas piadas com os três vândalos. Eles não queriam deixar-se abater pelo incidente.

Em um momento, enquanto eles estavam esperando seus pedidos chegarem, eles notaram um potro adolescente parado perto da mesa, olhando para eles, um olhar de expectativa, como se ele esperasse uma oportunidade para falar.

— Ei? Com licença? — ele disse.

Os cinco músicos viraram-se para ele. Ele tinha uma pelagem amarela clara e uma crina curta e azul, e encarava-os com um sorriso encabulado.

— Sim? — Steel Strings disse.

— Vocês são… aquela banda que tocou lá na praça uns meses atrás? — ele disse.

— Sim, é a gente mesmo! — Honey Drop disse, com orgulho.

— Ah! Legal — o potro disse. — Eu vi uns cartazes de vocês hoje. Vocês vão fazer outro show, né?

— Sim, daqui a duas semanas — Steel disse.

— Que legal! Eu quero muito assistir — o potro respondeu. — Sabe, eu gostei tanto do que vocês tocaram… Vocês acham que, se eu pegar um instrumento, eu posso aprender a tocar música também? Que nem vocês?

— Claro que sim! — Dainty disse. — Foi assim que a gente começou também. A gente pegou um instrumento e começou a aprender. Quem sabe, procura um professor e vai em frente!

— Ah! Que legal — ele respondeu, coçando a nuca. — Sabe, eu… eu achei que eu já estava velho demais pra começar. Eu ouvi que os músicos bons sempre começam quando eles são potrinhos pequenos, então talvez eu já tivesse passado do tempo…

— Cara, isso tá muito errado! — Honey protestou. — Eu comecei a tocar bateria um mês antes de entrar na banda! E você é ainda mais novo que eu, não? Você não é velho demais, não, amigo.

— Verdade, eu acho que ninguém é velho demais pra aprender — Steel disse. — Se a gente se dedicar, a gente consegue.

— Uau, que demais! Obrigado, gente! Eu tô louco pra ver vocês tocarem de novo! — o potro disse, percebendo que o garçom chegava com os pedidos deles. — Eu… vou deixar vocês comerem agora, tá? Tchau!

A banda despediu-se dele, e ele voltou para sua mesa para juntar-se com quem parecia ser seus pais.

Honey ergueu as sobrancelhas. — A gente tem que tratar bem os fãs, né?


A banda ficou junto por mais um tempo após terminar, e então dispersou-se. Steel para a casa de Dainty, onde eles tomaram chá. Steel gostava de ver a alegria de Dainty, e este não parava de falar em suas ideias e planos. Ele estava sentado no banco do piano, enquanto Steel estava na cama, e apenas conversavam sobre suas ideias, quase como quando eles eram apenas amigos, e suas conversas pareciam poder durar para sempre.


— Então, você vai vestir o que, Dainty? — Steel disse em um certo ponto.

Dainty franziu o cenho. — Vestir?

— Isso. Você não pensou em nada?

— Pra falar a verdade, eu… eu nunca pensei — Dainty disse. — Eu só… ah, sério, eu preciso vestir alguma coisa? Será que alguém vai prestar atenção nisso? Eu sou músico, não modelo.

— Mas não é pra ser modelo, querido — Steel disse. — Você vai estar lá, no palco, e os pôneis vão olhar para você. Seria bacana ter um cuidado com a sua imagem, mesmo que o objetivo seja a música. É uma questão de se sentir bem.

— É, bom, eu podia fazer isso… — Dainty coçou a crina. — Sabe, eu nunca… nunca prestei muita atenção nisso. Eu só… eu pensava que eu não precisava me preocupar com a imagem, porque ninguém… bom, porque ninguém queria olhar pra mim. Mas, sim, eles vão olhar pra mim, né?

— Com certeza vão — Steel disse. — E pode acreditar, eu também vou olhar pra você. Você sabe que eu adoro te ver cantar.

— Sim, mas você devia prestar atenção na música, né? — Dainty repreendeu. — Eu não te quero distraído e cometendo erros!

— Ei! — Steel protestou, cruzando as patas. — Eu sei tocar, né. Além disso, você não me distrai. Você me inspira.

Dainty sorriu. — Ah, meu amor…


*


As luzes deixavam Dainty tonto. Havia pôneis demais circulando pelos bastidores, e ele não conhecia quase nenhum deles. A banda estava ali com ele, e eles conversavam sobre algo que ele não entendia.

Ele estava preocupado com as canções. Ele tentava mentalizá-las, mas aquele lugar estava caótico demais. Ele ouvia o barulho da plateia. Ele queria ir para o palco, mas sentia-se apreensivo. Algo estava errado.

— Você sabe o que está fazendo?

Ele se virou. — Claro que sei, mãe — ele disse, franzindo a testa. — Eu me preparei pra isso.

— Esse lugar é muito grande, tem pôneis demais lá — sua mãe, Spotless Shine, disse. — Você não está preparado..

Ele olhava em volta, tentando encontrá-la no meio da multidão.

— Não fala isso — ele ouviu de seu pai, Final Touch. — Não desanima ele.

— Eu não estou desanimando. Eu só não quero que ele passe vergonha.

— Eu não vou passar vergonha! — Dainty gritou. — Eu tô preparado!

— Você diz isso, mas você não sabe — ela disse.

— Ele sabe o que tá falando, Spotless — o pai disse. — Ele é um gênio. Ele não falha. Ele não pode falhar nunca.

— Eu não sou gênio, pai — Dainty disse. — Eu sou esforçado. Eu trabalhei duro.

— Não seja modesto, filho — Final Touch respondeu. — Você é melhor do que os outros. O sucesso é a sua obrigação.

— Não diz isso! — Spotless Shine ralhou. — Você não vê que você deixa ele nervoso? Se o show for um fracasso, a culpa é sua, Final.

— Parem de discutir, por favor! — Dainty gritou, ainda sem conseguir vê-los. — Eu preciso do apoio de vocês! É só isso que eu quero.

— Você precisa é se concentrar, filho — sua mãe disse.

— Eu tô tentando — ele disse, subitamente olhando em volta, notando que estava sozinho nos bastidores. Ele percebeu que era hora do show. A banda toda estava ao seu redor, e as luzes fizeram seus olhos doer. Ele estava sentado diante da bateria, e o público não parava de gritar e fazer barulho.

Ele olhou para o chão. Pelo visto ele se esquecera do setlist.

Seus colegas de banda olharam para ele, esperando ele fazer a contagem, mas ele não sabia nem que música eles iam tocar. Quase em pânico, ele fez uma contagem e começou a tocar, torcendo que ele pudesse se achar. Quando a banda entrou, ele notou que eles tocavam uma canção que não estava no setlist. Ele a reconhecia, era Perdidos no Espaço, mas ele nunca tentara tocar essa música. Ele não sabia nem se sabia a letra.

Ele muito menos sabia tocar bateria, mas lá estava ele, tentando acompanhar a banda. Ele se esforçava, mas notava que a música fazia viradas e mudanças que ele não reconhecia.

Stoooooop!

Dainty sentiu um frio na espinha. O silêncio pesou em seus ouvidos, e as luzes cegavam-no.

— Tá errado! Tá tudo errado! — Deep Voice esbravejou diante dele. — Vocês acham que tão fazendo o quê?

— É, eu, desculpa! — Dainty disse. — Desculpa, a gente tentou—

— Eu não sei quem foi que disse que vocês sabem tocar essas músicas, porque vocês não sabem — Deep Voice prosseguiu, frustrado, perambulando pelo palco. — Vocês não têm intuição! A única coisa boa aqui é o chiado dos amplificadores.

— A gente devia ter ensaiado mais, Dainty, eu te disse — Steel Strings disse.

— Isso se vocês ensaiaram — Dainty Voice retrucou. — Vocês não entendem as músicas! Vocês não têm emoção, não têm intenção. Vocês não tem direito de tocar essas músicas.

— Deep Voice, por favor, me desculpa—

— E vocês estão cobrando pelo show — Deep Voice prosseguiu, ignorando-o. — Vocês não sabem tocar as músicas, mas querem ganhar dinheiro com elas!

— Não! — Dainty disse, defendendo-se. — Eles é que.. O teatro é que…

— Eu não sei o que tá havendo aqui — o gerente do teatro disse, em uma voz gutural —, mas esse tipo de música é inaceitável aqui. Inaceitável. Venham, tirem isso tudo daqui.

Dainty percebeu que os três provocadores estavam tirando os instrumentos do palco e jogando-os nos bastidores.

— Não, não façam isso! — Dainty berrou, tentando correr atrás deles, mas sem conseguir sair do lugar. Ele movia as patas, mas uma força parecia mantê-lo preso, como se puxasse-o para trás. — Para! Para!

— A gente disse que não queria esse lixo de banda por aqui! — o unicórnio branco disse, bem na sua cara, antes de virar-se para arrastar um dos pratos da bateria.

— Não! Volta aqui! — Dainty gritou. Quase desesperado por não conseguir sair do lugar, ele lançou uma pata para frente violentamente, tentando agarrar o unicórnio.


*


Dainty lançou uma pata para frente violentamente, e sentiu ela bater em algo.

Ai!

Ele acordou de súbito, e percebeu que ele havia dado um soco no ombro de Steel Strings. Eles estavam deitados em sua cama, e Steel agora tinha um casco no ombro, as pálpebras apertadas.

Dainty apavorou-se. — Steel! Eu… Me desculpa!

— Ai, o que… O quê que foi, querido? — Steel disse, tentando respirar.

— Eu tava… Eu tive um sonho — Dainty disse, um pouco triste. — Eu tava… Eu tava sonhando, e eu joguei uma pata pra frente pra tentar agarrar alguém, mas aí eu… eu fiz isso de verdade, e te dei um soco… Perdão, meu amor, eu juro que foi sem querer.

— Tá tudo bem, amado, tá tudo bem — Steel disse. — Eu tô bem.

— Sério, me desculpa — Dainty disse, dando um beijo no ombro ferido. — Desculpa.

— Não se preocupa. — Eles ficaram em silêncio e acomodaram-se na cama de novo. — Então, foi um sonho ruim, meu benzinho?

Dainty suspirou. — Bom, era… era mais um sonho esquisito do que ruim — ele dissse — … mas é, foi… foi ruim, eu acho. Eu fiquei… nervoso, e com medo.

— Bom, pela força do soco, você estava bem preocupado mesmo — Steel disse.

— Ai, puxa, Steel, eu… Eu não acredito que eu fiz isso — Dainty disse, empurrando a cabeça contra o travesseiro.

— Não, não, eu não disse isso pra te incomodar — Steel disse, acariciando seu rosto. — Eu tô com pena de você ter tido um sonho tão ruim.

— Ah, bom, obrigado, amor.

— Você tava sonhando com o show?

Dainty suspirou, triste, e acenou com a cabeça. — Sim.

— Você tá nervoso?

— Bom, sabe, eu não acho que eu tô — ele disse. — Eu tava empolgado. Mas eu… eu acho que isso acontece comigo. Às vezes, quando eu tô feliz com alguma coisa, eu tenho um sonho ruim, como se a minha mente estivesse me sabotando.

— Puxa, que coisa chata — Steel disse.

— É, eu também acho — Dainty disse com um sorriso triste. — Mas eu não posso fazer nada, né…

— Bom, você pode ficar aqui juntinho comigo — Steel respondeu, afagando a crina de Dainty. — Eu posso te deixar melhor. Vem cá.

Dainty fez isso, e respirou fundo, satisfeito.

— Eu te amo, Dainty.

Ele sorriu. — Eu também te amo, Steel.


*


Durante o domingo e a segunda, Dainty não conseguiu parar de pensar naquela pergunta que Steel fizera. De um lado, ele sentia um certo embaraço de pensar na sua própria imagem, como se vestir uma roupa pudesse mudar quem ele era, ou como se o jeito que os pôneis viam-no pudesse afetar o jeito que eles o tratavam como um indivíduo. Por outro lado, havia algo de interessante na ideia de ficar bonito no palco; não por uma questão de vaidade, mas porque a banda ficaria mais interessante visualmente. Poderia ser um jeito de aprimorar o show.

O problema era que Dainty não tinha nada de interessante para vestir em sua casa. O mais próximo de um figurino que ele costumava usar era seu uniforme de trabalho, e dá pra se dizer que não era bem isso que ele tinha em mente.

De cabeça, ele sabia de um pônei que provavelmente poderia ajudar com esse problema; mas isso seria ir longe demais, não? Estava totalmente fora de sua realidade.

Mas sua mente estava fixada em um pensamento: a banda merecia.


Dainty empurrou a porta, o coração palpitando de receio, vergonha, e, ao mesmo tempo, entusiasmo.

A sineta tocou. Dainty pôs a cabeça para dentro.

— Oh, boa tarde! Bem vindo à Boutique Carrossel! Como posso ajudar? — Rarity disse, virando-se para a porta. Ela estava ajeitando alguns vestidos que estavam expostos em manequins.

— Olá — ele disse, dando um passo para dentro. — Ãh, sim, eu acho que você pode me ajudar, sim. Você…

Ele sentiu um aperto no estômago. Era tolice fingir que ele era um pônei qualquer, dando uma olhada casual na loja, quando ambos sabiam que não era bem assim. — É, você se lembra de mim, não? — ele disse, tentando sorrir. — Eu acho que a nossa apresentação não foi lá muito agradável, mas… eu, ãh…

— Sim, eu me lembro de você, Sr. Dainty Tunes — ela disse, com uma certa solenidade gentil. — E sim, nosso primeiro encontro foi um tanto excêntrico, mas, em vista de tudo, eu estou disposta a começar do zero, se você assim quiser. O que você diz?

— Bom, certo! Seria ótimo — Dainty respondeu, com um sorriso mais espontâneo. — É, sabe, eu tô… tentando me adaptar, depois de tudo aquilo, e… sabe, eu estou aqui como cliente, e porque você é o único pônei que eu pensei que podia me ajudar.

— É um prazer ouvir isso — ela disse —, mas então, fale, qual é o seu problema?

— Então, é, eu sou… Eu não sei se você sabe, mas eu tenho uma banda — ele disse. — Eu sou o vocalista de uma banda.

— Ah, pois sim! Eu ouvi falar — Rarity respondeu. — Pinkie Pie me contou. Me parece que ela dá aulas para o seu baterista, está correto?

— Exato! O Honey Drop tem tido aulas com ela já faz um tempo — Dainty disse. — Então, assim, nós vamos fazer um show no Teatro de Ponyville em duas semanas, e, bem, eu andei pensando que eu podia, sabe, usar um figurino pro show… mas eu não tenho nada pra usar.

— Um figurino para um show musical? — ela disse, os olhos já brilhando. Ele quase enxergava a mente dela nadando em possibilidades. — Ora, é claro que eu posso ajudá-lo, Sr. Tunes! Siga-me, por favor. Talvez você fique interessado em alguns modelos que eu tenho aqui mesmo, na loja!

Ela falava enquanto aproximava-se de outra sala, e seu chifre começou a brilhar. Um manequim flutuou até a sala principal, usando um figurino claro, colorido e com grande riqueza de detalhes. O tecido vermelho parecia brilhar, e estava incrustado de pequenas pedras preciosas. Uma exuberante capa roxa cobria o lombo do manequim.

— Esta aqui é uma réplica de um figurino que eu mesma desenhei para um cantor muito famoso para um concerto em Manehattan — ela disse, cheia de orgulho pela conquista. — Eu não pude estar lá para vê-lo ao vivo, infelizmente, mas eu ouvi dizer que foi um sucesso absoluto. Ele é famoso em outras cidades, seu nome artístico é Captain Fantastic. Você talvez tenha ouvido falar dele.

— Bom, sabe, eu não conheço ele, não — Dainty disse, olhando para o lado. — É um pouco engraçado, mas eu não tô muito atualizado com a música popular das cidades grandes.

— Você pode confiar em mim, se este modelo fez sucesso em Manehattan, ele seria explosivo em Ponyville! — Rarity respondeu, já trazendo outro manequim. O figurino que ele usava era menos extravagante que o primeiro, mas o tecido branco cintilava, e era também cheio de adornos.

— Este é similar a um modelo que eu fiz para o cantor de uma banda — ela prosseguiu. — Eu confesso que o nome da banda não me vem à memória, mas o nome do garanhão é King Quicksilver. Eu jamais poderei me esquecer dele!

Dainty tentou ficar calmo enquanto falava. — Bom, eu me sentiria como um milionário usando isso. Mas é que…

A esta altura, ele não conseguia disfarçar o desconforto de estar ali, pois ele estava exatamente na situação que ele temia estar quando pensou em ir lá.

— Sem mentira, Rarity, eles são geniais — Dainty disse. — É só que… pra este show, pra esta banda, o que eu tinha em mente era… um pouco diferente, sabe, eu queria uma coisa… um pouco mais discreta. — Ele suspirou, e notou que ela queria falar algo, mas esperou que ele continuasse. — Eu detesto fazer isso, porque, tipo, você é uma artista extraordinária, mas eu acho que… o que eu tô pedindo é banal demais pra você.

Ela olhou para ele, chocada, uma pata encolhida contra o peito. — Banal? Oh, querido, você não faz ideia! Pode haver o mais extraordinário charme e elegância mesmo nos modelos mais simples, e isso pode ser um excelente desafio para os melhores estilistas.

Os olhos dele brilharam. — Mesmo? Isso é legal. Tipo, a música pode ser assim também, sabe? É legal fazer um monte de barulho, mas, às vezes, pode ser interessante esconder a beleza nos cantos, se é que você me entende.

— Ah, absolutamente, meu caro! — ela disse, já trazendo algumas outras roupas, embora estas não estivessem em manequins. — Agora, permita-me tentar uma coisa. Vejamos…

Dainty ficou ali enquanto ela examinava algumas peças de roupa, olhando para Dainty de vez em quando. Ela murmurava consigo mesma enquanto trabalhava, e ele sempre ficava tentado a perguntar o que ela estava fazendo, mas preferia deixar ela se concentrar.

— Aqui, querido, vista isso, sim? — ela disse, finalmente, alcançando-lhe uma camisa. Ele não prestou muita atenção nela, e apenas fez o que ela pediu. — E isso também… Não, nananão, esse aqui!

Assim, ela lhe deu mais algumas peças, que ele foi vestindo. Não havia um espelho ali onde ele estava, e ele nem pensou em olhar em volta, pois ele estava prestando atenção nas instruções dela.

— É isso! — ela disse. — Venha comigo, por favor. Dê uma olhada, e diga o que você pensa.

Dainty ficou diante de um espelho, e olhou para si mesmo. Ele estava em choque. A roupa combinava exatamente com a imagem mental que ele fizera alguns dias atrás, mas ficou muito melhor do que ele poderia imaginar. Ele usava uma camisa azul escura, com um colete marrom claro, e calças pretas. Ele não conseguia explicar, mas ficou perfeito nele.

— Ficou… ótimo! — ele disse, ainda incrédulo. — Ficou lindo, e… e confortável! Eu me sinto ótimo!

— Você gostou das cores? — ela disse. — Você quer mudar algo?

— Não, não, eu não quero mudar nada! Tá maravilhoso! — ele disse. — Tipo, eu quero levar isso pra casa agora mesmo!

— Bom, naturalmente, eu ainda tenho que fazer alguns ajustes — ela disse, examinando a roupa de perto, fazendo algumas dobras e prendendo com alfinetes. — Está um pouco largo, mas eu conserto em um ou dois dias.

— É, bom, tem isso — Dainty disse. — Mas não dá pra deixar muito justo, sabe? Eu… me mexo bastante no palco — ele disse, fazendo alguns movimentos e poses e viradas rápidas, imitando o jeito que ele se mexia quando cantava.

— Mas claro! — ela disse, com energia. — Um artista como você precisa usar o corpo para se expressar! Não se preocupe, eu prepararei o figurino especificamente para funcionar no palco. Eu já fiz isso antes, e você não será uma exceção.

— Bom, se é você que tá dizendo, eu acredito — ele respondeu.

— Então, imagino que é a sua escolha final, então? — ela disse. — Eu evitei fazer comentários para não influenciar sua escolha, mas você ficou primoroso. Você está pronto para brilhar, Dainty Tunes!

Ele ficou lisonjeado. A parte cínica de sua mente pensava que qualquer vendedora minimamente sagaz diria algo assim para seduzir seu cliente, mas, em se tratando de Rarity, ele não podia duvidar de sua sinceridade.

— Muito obrigado, Rarity — ele disse. — Sim, essa é a minha escolha final.

Ele ficou lá um pouco mais tempo para ela tirar algumas medidas, e levou as roupas para trabalhar nelas. Ela disse que ficaria pronto em dois dias.

Depois de despedir-se dela, ele saiu da loja com uma confiança renovada, como se um surto de energia tivesse entrado em seu corpo. Ele torcia que aquela despesa não prejudicasse muito suas finanças, mas, mesmo que ele precisasse talvez economizar em algumas coisas, valia a pena.


De volta em casa, ele estava sentado ao piano, trabalhando em coisas que não tinham a ver com a banda. Ele sentiu que precisava de um pouco de distração para ficar calmo, especialmente agora que ele tinha o entusiasmo de buscar seu figurino em questão de poucos dias. Sua cabeça zunia, e ele precisava relaxar.

Ele ouviu uma batida na porta. Ele ficou surpreso; fora os compromissos com a banda, fazia semanas que ninguém vinha procurá-lo assim.

Ao abrir a porta, ele viu Steel Strings, parado do lado de fora, com um sorriso sereno no rosto.

— Ah, oi, Steel! — Dainty disse, surpreso.

— Olá, Dainty — ele respondeu. — Posso entrar?

— Claro que sim, amor! — Dainty disse, saindo do caminho. — Então, ãh, o que te traz aqui?

Steel aproximou-se dele e olhou fundo em seus olhos. — Você, Dainty. Você me trouxe aqui.

Dainty sentiu o coração palpitar. Sua respiração ficou mais pesada, e ele abraçou Steel com força, acariciando sua crina.

— Vamos acabar com essa bobagem de “duas vezes por semana”, querido — Steel disse. — Vamos acabar com isso hoje.

— Ah, Steel!

— Eu senti tanto a sua falta, Dainty.

— Eu também, meu amor!

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