O primeiro ensaio da Manada de Ponyville após o show fora marcado para quarta, mas Steel Strings e Dainty Tunes encontraram-se todos os dias desde sábado, e não era só por causa da música.
Até os colegas de trabalho de Dainty notaram que ele estava alegre, quase aéreo às vezes, mas também ficava impaciente sempre que o turno estava prestes a terminar.
— Quando isso acontece, só tem uma explicação — Jack Hammer disse um dia, quando ele estava almoçando com Iron Bolt e Dainty: — Alguém encontrou amor.
Dainty deu uma risada tímida, e isso bastou para confirmar as suspeitas de seus colegas. Ele não fez questão de negar.
Quando chegou a quarta, Dainty Tunes estava elétrico. A ideia de juntar-se de novo à sua banda parecia mais emocionante e gratificante do que nunca, e ele ficava fazendo planos mentais de como o ensaio ocorreria. Como sempre, Steel Strings chegou cedo, mas River Mouth foi a próxima a chegar. Honey Drop demorou mais tempo do que de costume, e Hard Fiber chegou menos de minuto depois dele.
Dainty teve a sensação de que Honey estava menos entusiasmado do que de costume, o que era estranho, considerando o sucesso do show. Ainda assim, ele pensou que todo mundo tinha direito de ter um dia ruim às vezes, então poderia ser apenas isso.
— Então, meu plano é o seguinte — Dainty disse. — Eu tentei anotar todas as coisas que eu lembro de ter notado durante o show, que eu acho que dá pra melhorar. Não é nada muito grande, tipo, não teve nenhum erro grave nem nada, mas eu acho que vale a gente trabalhar nessas coisas. E aí, eu queria que a gente aprendesse uma música nova, porque a gente tem que ampliar o repertório pra fazer um show ainda maior.
— Pra mim pode ser — River Mouth disse. — Eu também pensei em algumas coisas pra falar, então a gente quem sabe pode discutir elas?
— Claro, claro! — Dainty disse. — Eu já conversei com o Steel Strings, mas vocês também têm que dar a opinião de vocês e conversar. Tipo, talvez vocês vejam as coisas de um jeito diferente do que nós dois.
Eles começaram a conversar sobre cada música individualmente. A maioria dos problemas que eles notaram tinha a ver com as transições entre as partes diferentes de cada música, às vezes uma linha de baixo que funcionava melhor, uma virada de bateria ou algo assim, embora eles não quisessem que cada nota fosse tocada exatamente da mesma forma todas as vezes.
— A gente não pode perder a espontaneidade — River Mouth disse. — Se a gente sempre tocar igual, vai ficar chato.
— É, eu concordo — Hard Fiber disse.
— Vocês têm toda a razão — Dainty disse. — Eu acho que, assim, são algumas coisas que a gente devia definir, mas deixar o resto aberto pra improvisação.
Então, eles tocaram cada canção, discutindo-a no final. Não demorou muito tempo, e Dainty sentiu que havia tempo para ele apresentar uma música nova.
— Essa é uma das que eu mais gosto — ele disse, apanhando o disco. — Ela se chama Vinte e Nove, e, bom, eu tô pedindo que vocês aprendam ela meio que como um favor, porque eu amo essa música. Então, se a gente tocar ela ao vivo, vai ser lindo.
— Certo, vamos tentar — Hard Fiber disse.
Eles se sentaram, e Dainty tocou a música algumas vezes. Eles discutiram as diferentes partes, a harmonia e o ritmo. Hard Fiber notou que era a primeira música que eles ouviram que tinha uma mudança de tom.
— Sim, verdade, ela vai de sol maior para lá maior antes do fim — Dainty disse. — Mas a harmonia é praticamente a mesma.
— Bom, eu tô pronta — River Mouth disse.
Dainty notou que Honey Drop estava mais quieto do que de costume, e ele tinha um olhar inseguro. Ele coçou a nuca com uma das baquetas.
— Eu não sei, cara, esse ritmo é meio complicado — ele disse, olhando para a porta.
— Bom, tenta o melhor que puder, Honey — Dainty disse. — Não precisa ficar perfeito. Você melhora depois em casa.
— É, talvez? — ele respondeu. — Tá, eu vou tentar.
Eles se posicionaram, e Dainty pediu que Honey fizesse uma contagem. Ele o fez, e a canção começou, mas houve problemas logo de cara. Honey não conseguia tocar a batida corretamente, e, embora os outros membros conseguissem tocar sem problemas, a bateria sempre saía dos eixos.
— Tá, parou, parou — Dainty disse , suavemente.
River Mouth sentiu um alívio por não ouvir aquele “stooooop!” que ele andava dizendo.
— Desculpa, gente, mas isso é difícil — Honey disse.
— É, sim, ela é mais complicada do que o normal, mas eu acho que você consegue tirar ela, amigo — Dainty disse. — Quem sabe a gente escuta ela de novo e você tenta acompanhar?
Honey deu de ombros. — Pode ser.
— Tá, vamos lá.
Dainty tocou a música de novo, e observou Honey tentar acompanhar, tocando de leve as peças da bateria, mas ele estava com dificuldade. A parte final da música tinha um ritmo mais reto, o que estava bem para ele, mas o padrão mais complexo do início era demais para ele.
— Desculpa, Dainty, mas ela não sai — Honey disse.
— Tá bom, tá bom, olha só — Dainty respondeu, aproximando-se dele. — Não vamos mais insistir por hoje. Quem sabe você leva o disco para casa e mostra a música pra Pinkie Pie? Com certeza ela vai te ensinar a tocar, e a gente tenta essa música outro dia.
Honey Drop já sacudia a cabeça desde que o nome dela fora mencionado. — A Pinkie Pie não é mais a minha professora — ele disse. — Meus pais disseram que ela tava tomando demais o meu tempo, e eu tinha que escolher entre as aulas ou a banda. Os dois não dava… e, bom, eu escolhi vocês. Eu não podia largar a banda.
— Bom, isso… isso é uma pena, Honey — Dainty disse, sem saber o que mais dizer. — Você tava progredindo bastante com ela, mas… é, bom… é a decisão dos seus pais, então…
— Eles são uns trouxas, né? — Honey disse, os olhos cheios de ressentimento.
Dainty engoliu em seco. — Ah, puxa, Honey, eles são os seus pais, eu não posso dizer isso… — Ele suspirou. — Bom. Enfim, você pode levar o disco mesmo assim e tentar aprender a batida no seu próprio tempo. Isso é tipo dever de casa, que tal? Quando você tirar ela, vai ser ótimo, mas enquanto você não conseguir, a gente toca outras músicas. Tudo bem assim?
— É, tudo bem — Honey respondeu, dando de ombros.
— Certo. Estamos de acordo então — Dainty disse, voltando para o seu lugar, sem conseguir esconder a decepção de ter que abandonar a música por hora. — Bom, a gente pode aprender outra, então, né?
— Sim, claro — Steel Strings disse. — Eu tô pensando em Sete Cidades.
— Ah, é uma boa! — Dainty disse. — Isso. Não se preocupa, Honey, essa vai ser moleza pra você, tudo bem?
Ele se arrependeu de imediato, pois ele tentou dar um incentivo, mas ficou parecendo um deboche. Honey Drop não pareceu reagir mal, porém, então ele apenas apontou para o aparelho de som. — Vamos ouvir, então?
A banda combinou de encontrar-se de novo no sábado, e Steel Strings ficou com Dainty Tunes depois que os outros foram embora. Steel deu um sorriso suave e beijou-o, e os dois sentaram-se na cama.
— Então, Steel, meu amor — Dainty disse, olhando pela janela.— A gente, é, não vai ensaiar nessa sexta, então eu pensei… bom, faz um tempo que eu não saio com os meus colegas de serviço, então eu pensei que, nessa sexta, eu poderia… tipo, sair com eles…
Steel observou-o com o canto dos olhos. — Então a gente não se veria, é isso? Bom, não tem problema — ele disse. — Eu não iria te impedir de ver os teus amigos.
— Ah, que bom… — Dainty coçou a cabeça. — Bom, claro, a gente ainda pode se ver, se você quiser vir pro bar com a gente… mas, se você não se sentir à vontade de ficar com os meus amigos, eu não exigiria isso de você.
— Você é que sabe, querido — Steel respondeu. — Bom, vai depender dos seus colegas também, porque, vai que eles não ficariam à vontade comigo junto. Mas eu iria com você sem problema nenhum.
— Ah, obrigado, Steel — Dainty disse. — Então, eu te pego em casa depois do trabalho, pode ser?
— Claro, amor.
*
Depois do expediente acabar na sexta, em vez de ir direto para o Bamboo Pub com Iron Bolt e Jack Hammer, Dainty foi até a casa de Steel Strings para buscá-lo. Então, os quatro se encontrariam na frente do bar.
Steel recebeu-o com um sorriso gentil. Dainty aprendera a reconhecer o profundo afeto que se escondia em suas menores expressões, e ver o seu rosto dava-lhe a sensação de um abraço.
— Pronto pra sair, amado? — Dainty disse.
— Claro — Steel respondeu, cumprimentando-o com um beijo no rosto. — Vamos indo.
Eles foram para o bar, e encontraram os amigos de Dainty perto da entrada.
— E aí, obrigado por esperar a gente — Dainty disse.
— Sem problema, rapaz— Jack Hammer respondeu, olhando para Steel. — Então, você é o amigo do Dainty? Prazer em conhecer, amigo. Eu sou o Jack Hammer, e esse é o Iron Bolt.
— O prazer é meu. Eu sou o Steel Strings.
— Então vocês estão tocando numa banda, né? — Iron disse, enquanto eles entravam no bar. — Que bacana.
— É, tem sido ótimo — Steel disse. — A gente fez um mini show ali na praça na semana passada. Foi um barato.
— Fizeram, é? — Jack Hammer disse, enquanto o garçom levava-os para a mesa de sempre. — Você devia ter avisado a gente, Dainty. Não que eu seja muito fã do que vocês tocam, mas teria sido legal assistir você.
— Bom, eu… eu não sabia se vocês iam querer ir — Dainty disse, um pouco tímido. — Mas eu aviso da próxima vez.
— Avisa sim, cara — Iron respondeu. — Então, são quantos na banda de vocês?
Dainty e Steel falaram um pouco sobre os outros membros da banda, seus ensaios e o processo de tirar as músicas. Iron Bolt e Jack Hammer falaram um pouco de suas preferências musicais, assunto no qual eles raramente entravam, e a conversa então seguiu outros caminhos.
Steel Strings notou que o bar ficava cada vez mais cheio e barulhento enquanto a noite passava, embora isso não o incomodasse muito. Às vezes, Iron e Hammer entravam numa conversa apenas entre eles, e Steel e Dainty começavam uma conversa paralela por um breve momento. Dainty notou que Steel ficava dando aqueles sorrisos doces involuntariamente, embora ele fosse discreto ao demonstrar afeto no geral. Aquele não parecia o lugar ideal para isso.
Em um momento, Dainty teve a impressão de que um jovem garanhão, que recém saíra do banheiro, parou perto da mesa deles e encarou-os por um momento, mas Dainty tentou disfarçar.
— Ei, Lime Peel — Dainty ouviu em uma voz alta e distinta, vindo de uma mesa próxima —, aquele ali não é aquele mané que tava tocando Tropa da Cidade aquele dia?
Dainty notou que o rosto de Steel congelou. Iron Bolt e Jack Hammer franziram a testa e trocaram olhares.
— É, é mesmo! — outra voz disse. — Na verdade, tem dois deles ali!
Steel olhou para Dainty, como se obtivesse a confirmação: aqueles eram os mesmos pôneis que gritavam provocações durante o seu show.
— Imagina a cara de pau de vir aqui depois daquilo?
Steel Strings bufou e olhou para a mesa. — Eu não acredito — ele resmungou.
— Relaxa, Steel, não fica assim — Dainty disse, pousando um casco sobre o dele.
— Eu achei que esse bar era só pra quem tem bom gosto — o outro pônei disse. — Eles têm que pôr um segurança na entrada.
Steel Strings não podia deixar de olhar de relance para a mesa de onde vinham os insultos: fora os dois provocadores, havia uma égua sentada junto. Ela estava de costas para ele, então não era possível ver a reação dela.
Dainty notava que os dois ficavam falando para os outros pôneis sobre eles, e ele notava reações diversas pelo bar; alguns olhavam para ele e Steel com desdém, enquanto outros já pareciam fartos com as provocações, e ele até ouviu um — calem a boca! — vindo do outro lado do bar.
— Esses caras não têm nada melhor pra fazer? — Jack Hammer disse, sacudindo a cabeça.
— Pois é, imagina vir prum bar só pra ficar enchendo o saco dos outros — Iron Bolt respondeu.
— Eles ficaram nos provocando quase o show inteiro — Dainty disse, com um sorriso debochado.— Eu acho que eles não têm muita diversão na vida deles.
Os quatro pôneis continuaram ouvindo provocações, e Dainty estava ficando angustiado com Steel Strings, que estava tenso e rígido, como se pudesse explodir a qualquer instante. Ele quis dizer algo para fazê-lo relaxar, mas tinha medo de fazê-lo perder a cabeça de vez.
— Imagina montar uma banda só pra tocar aquele lixo? — o primeiro provocador disse em voz alta. — Que bando de palhaços.
— Tá bom, já chega! — disse uma voz alta e possante de longe.
Dainty olhou com o canto dos olhos, e viu o dono do bar saindo de trás do balcão, com passos firmes.
— Parem já com isso. Vocês estão perturbando meus clientes, e eu não quero confusão aqui,vocês me ouviram?
— Tá bom, tá bom — o segundo provocador respondeu, em um tom ressentido.
Steel Strings relaxou um pouco, mas ele não conseguia olhar para Dainty.
— Que droga, parceiro — Jack Hammer disse —, mas eles vão parar agora.
— É, amor, acabou — Dainty disse, tocando seu casco de novo.
Os outros três tentaram retomar a conversa, mas Steel não conseguia relaxar. Ele ficava olhando em volta, e notava olhares que iam do desdém à hostilidade. Os provocadores, embora não falassem mais, ainda encaravam-no, e Steel não conseguia ignorar. O lugar inteiro tinha se tornado inóspito para ele.
Dainty levou um susto quando viu Steel bruscamente empurrar sua cadeira para trás para levantar-se.
— Eu não consigo mais ficar aqui, gente, desculpe — ele resmungou.
— Espera, amor! — Dainty disse, tentando alcançá-lo, mas Steel já estava longe.
— Fique com seus amigos, Dainty, eu vou para casa — ele respondeu, e foi na direção do balcão.
Dainty observou-o, com olhar desolado, e olhou para seus colegas.
— Que droga, hein, rapaz — Iron Bolt disse. — Sacanagem.
— Desculpa, gente, mas eu tenho que ir atrás dele — Dainty disse, já afastando a cadeira.
— Claro, nem se preocupa — Jack Hammer disse.
Dainty estava prestes a levantar-se, mas hesitou. — Desculpa eu deixar vocês na mão… Eu só…
Iron Bolt deu-lhe um olhar confidente. — Vai com ele, amigo. Ele precisa de você.
Dainty fez uma pausa, e acenou com a cabeça. — Tá bom, obrigado, gente.
Ele se levantou e correu até Steel, que estava pegando algumas moedas de seu bolso para pagar por uma das bebidas. Dainty pediu que a esposa do dono dividisse a conta mais igualmente, e os dois pagaram.
— Me desculpem pelo que eles fizeram.
— Não foi culpa sua — Steel Strings respondeu, triste. — Não se preocupe.
Ele se virou para sair, e Dainty ofereceu a ela um olhar triste antes de segui-lo para fora.
— Você devia ter ficado lá, com os seus amigos, Dainty — Steel disse, observando o céu da noite. — Eu não queria estragar a sua noite.
— Você não estragou nada, meu amor — Dainty respondeu. — Foram aqueles babacas que estragaram. Eu… eu prefiro ficar com você. Bom, eu preferia ficar com você e com meus amigos, mas eu… eu não tenho como te forçar a ficar lá dentro.
— Eu não aguentava o jeito que eles ficavam olhando e julgando a gente — Steel disse, com amargor. — Aqueles… Por que eles têm que ser assim? Pra que tratar a gente daquele jeito, só porque a gente gosta de uma banda?... Por Celéstia…
— Sim, é ridículo, amor, mas o que a gente pode fazer? — Dainty disse. — Olha, não vamos mais esquentar a cabeça com isso… Quem sabe a gente dá uma volta? Vamos aproveitar a noite?
Steel deu de ombros. — Pode ser.
Eles passearam pelas ruas escuras e silenciosas, até acharem alguns bancos. Dainty subiu e sentou-se em um deles, e Steel deitou-se, com a cabeça no colo de Dainty.
Steel suspirou, enquanto Dainty acariciava sua crina.
— Desculpa, querido… Eu queria estar num clima melhor, mas eu… Aqueles pôneis estragaram tudo.
— Steel, não se preocupa com isso, meu amor.
— É, mas, agora, você vai ter que aguentar o meu mau humor…
— Mas e daí? — Dainty respondeu. — Eu não quero ficar com você só quando você tá bem. Eu quero estar aqui quando você estiver mal também. Eu não sou amigo só pras horas boas… ou namorado só pras horas boas, melhor dizendo…
Steel virou-se para olhar para ele, surpreso. — Namorado, é?
— Bom, sim — Dainty disse, acanhado. — A gente não formalizou nada, né, mas…
— Você quer? — Steel disse, suavemente.
Dainty olhou para ele, com um sorriso sereno. — Eu te amo, Steel Strings.
Steel respirou fundo, tremulamente. — Eu também te amo, Dainty.
Dainty acariciou o rosto dele, e eles olharam fundo nos olhos um do outro por um longo tempo, enquanto os suaves sons da noite rodeavam-nos.
— Eu, é… você se importa se… se eu passar essa noite com você? — Steel disse.
Dainty virou o rosto um pouco, ainda olhando para ele, com um sorriso travesso. — E você precisa perguntar, por acaso?
Steel Strings olhou para o lado, fingindo timidez.
— Vamos lá, amor — Dainty disse, cutucando-o de leve.
Eles se levantaram do banco e seguiram para a casa de Dainty.
*
Steel Strings e Dainty Tunes passaram a primeira parte do sábado juntos, e esperaram seus colegas chegarem para começar o ensaio. Mais uma vez, Honey Drop chegou mais tarde do que de costume, e eles discutiram os planos para a tarde enquanto a bateria era montada.
— Eu pensei em começar com a música que a gente começou na quinta, o que vocês acham? — Dainty disse.
— Isso, vamos terminar ela — Hard Fiber disse. — Então de repente a gente começa outra. Eu não sei se precisa tocar todas as músicas que a gente já sabe. Elas estão boas.
— É, acho que a gente pode tocar mais músicas novas agora — River Mouth disse.
— Se vocês acham que sim, eu topo — Dainty disse.
River fez uma pausa. — Eu só… tem uma coisa que eu preciso dizer. — Os outros pararam para olhar para ela, e ela desviou o olhar, desajeitada. — Bom, a começar por essa semana, eu vou… fazer um trabalho de campo em um lago, meio longe daqui. Então, nos próximos meses, eu não vou estar disponível o tempo todo.
Dainty sentiu um buraco no estômago. — Ah… bom, como é que vai funcionar isso?
— Bem, eu tenho que sair daqui nos domingos, e eu volto nas quartas de noite pra trabalhar no laboratório aqui — ela disse. — Eu devo estar disponível de quinta a sábado, mas não nos outros dias.
— Ah, bom, pra nós já serve — Hard Fiber disse.
— Isso — Honey disse, parecendo aliviado. — A gente só tem que lembrar disso quando for marcar os ensaios.
— Acho que vai ficar bem — Dainty disse. — E, assim, isso é trabalho. É a sua prioridade máxima.
— É, e é uma coisa que eu quero muito fazer — ela respondeu. — Nós vamos trabalhar na preservação de um lago, que começou a mostrar um desequilíbrio ecológico muito estranho. A gente tem que descobrir o que tá acontecendo, estudar os riscos e analisar como a gente pode mitigar eles.
— Nossa, isso parece um trabalhão — Dainty Tunes disse. — Boa sorte com a pesquisa, River! E vai nos avisando como for.
— Claro, eu aviso sim. Obrigada, Dainty.
— Bom, vamos começar? — ele disse, indo até o microfone. — Sete Cidades. Eu tô pronto.
Honey Drop terminou de preparar a bateria, e fez uma contagem. Enquanto a banda tocava, Hard Fiber ainda cometia alguns erros, mostrando que ele não lembrava bem das transições. Eles decidiram escutar a música de novo, e passá-la mais vezes até ela ficar mais firme, e eles ficarem satisfeitos.
— Então, vamos começar numa nova? — Fiber disse.
— Bom, a gente tem Vinte e Nove, que o Honey Drop disse que ia estudar em casa — Dainty disse. — Como é que ela tá saindo, Honey?
Honey esticou as patas e sacudiu a cabeça. — Ela não tá saindo, Dainty. Eu não sei tocar ela.
Dainty murchou um pouco, encarando-o com a cabeça caída para o lado. — Qual é, Honey, não diz isso! Pode não ser fácil, mas eu sei que você consegue.
— Não, sério, eu tentei — ele disse, enfático. — Eu tô dizendo, ela não sai. E agora que os meus pais disseram pra Pinkie parar com as aulas, não vai ter chance de eu aprender.
Dainty suspirou. — Olha, talvez você tem que se esforçar mais, Honey Drop — ele disse. — Eu posso dizer que nem tudo que eu aprendi foi fácil. Teve coisas que me exigiram bastante, e algumas coisas pareciam impossíveis, mas eu acabei dando um jeito.
— Cara, você é músico — Honey Drop respondeu, cruzando as patas. — Você nasceu pra isso. Eu não. Eu sou só um cara que nasceu pra provar mel e receber picada de abelha o dia inteiro, e eu tô dizendo, se eu não tô conseguindo, é porque eu não vou conseguir aprender essa música de bosta.
Dainty arregalou os olhos, e o queixo dele caiu. — Música de bosta? Essa é uma das minhas músicas favoritas, Honey Drop! — ele disse, indignado. — Ela tem um significado importante, então não diz isso! Não seja insensível.
— Mas você tá sendo insensível pro que eu tô dizendo também — Honey respondeu, dando de ombros.
— Isso não te dá o direito de dizer essas coisas! — Dainty disse, fechando a cara.
Antes dele prosseguir, Steel Strings aproximou-se dele e pôs um casco sobre o ombro dele, fitando-o com uma seriedade gentil. — Dainty, por favor. Fica calmo.
Dainty olhou para Steel, e a expressão dele ficou mais suave, quase involuntariamente. Os olhos deles ficaram fixos um no outro, e Dainty suspirou. — Tá bom, eu… Eu tô exagerando, amor. Desculpa.
— Tá tudo bem, meu doce — Steel disse. — Respira fundo e vamos seguir, tudo bem?
Dainty não havia notado, mas Honey estava encarando-os, a boca entreaberta. — Mas o quê que… Espera aí, vocês estão tendo… um caso?
Os dois viraram-se para olhar para ele ao mesmo tempo. — O que você disse? — Dainty disse.
— Ah, que ótimo! — Honey retrucou, olhando para Fiber e River. — Agora eles só vão escutar o que o outro diz, e não vão mais ouvir o que a gente diz. Era só o que faltava.
Steel apenas encarava-o, chocado. Dainty fechou a cara. — O que você disse? — ele repetiu.
— E pior! — Honey prosseguiu, quase ignorando-o. — Quando vocês brigarem, vai respingar em toda a banda, porque aí vocês não vão querer ficar juntos, mas vocês vão ter que ficar, e vai ser ruim pra todo mundo, porque a gente vai ter que aguentar essa droga.
Dainty avançou até ele, estufando o peito. — Honey Drop, você passou dos limites!
— Dainty, fique calmo — Steel disse atrás dele, a voz apagada.
— O que você quer que eu diga, Steel? — Dainty respondeu, um pouco mais suave, mas ainda furioso. — Você não tem direito de se intrometer na nossa vida pessoal, Honey! Isso não é da sua conta! E como você se atreve a falar na gente brigar, assim, como se você soubesse que vai acontecer? O que é que você sabe sobre a gente?
— Olha, eu só não queria que isso atrapalhasse na banda, por que… — Honey suspirou, tentando manter a compostura. — Bom, a River já não vai poder ficar com a gente durante toda a semana, e agora… agora os meus pais ficam incomodando, dizendo que… que eles podem me fazer sair da banda, se começar a atrapalhar o meu trabalho… Eles disseram até que… — Ele apertou as pálpebras, e sua voz ficou trêmula. — Eles disseram que podem vender a minha bateria, se for preciso. E agora… Eu não quero perder a banda, Dainty! Vocês são… vocês são tudo pra mim…
Dainty sentiu o coração amolecer. River e Fiber olhavam para ele com compaixão, mas ficaram em silêncio.
— Honey, ninguém quer perder a banda — Dainty disse, aproximando-se dele. — Isso aqui é importante pra todo mundo. Pode ter certeza, a gente vai fazer de tudo pra manter ela, e o meu lance com o Steel não é… Eu te garanto, a gente não vai deixar atrapalhar.
Honey Drop respirou fundo, a cabeça baixa.
— E os seus pais... bom, eles se preocupam com o seu futuro, Honey — ele prosseguiu. — O trabalho é importante. Todo mundo aqui ama música, mas a gente tem que garantir o nosso sustento. Seus pais estão preocupados com isso. Você tem que dar a eles a segurança de que você consegue conciliar seu trabalho com a sua paixão. Você tentou conversar com eles?
Honey fez uma cara de deboche. — Claro que sim. É que nem falar com as paredes. Eles não me ouvem.
— Bem, eles são mais mais velhos, Honey, eles pensam diferente. Sabe… quando pôneis envelhecem, as prioridades mudam. Todo mundo gosta de fazer coisas diferentes e divertidas quando é jovem, mas, quando eles ficam mais velhos, eles se acomodam. Eles se preocupam com a família, com o futuro, e sua estabilidade. Você é jovem, você é diferente deles. Talvez, se você quiser que eles te ouçam, você tem que ouvir eles também.
— Ah, é? E ouvir eles dizerem que a música não vai me levar pra lugar nenhum? — Honey disse, fazendo força para não chorar.
Dainty suspirou. — Falar com alguém diferente nem sempre é fácil. Mas eles são seus pais, Honey, eles querem o melhor para você. Eles precisam saber que você também quero que é melhor para você e para eles. Quem sabe, tenta falar com eles de novo, mas fala com amor. Abre o coração. Tenta, tudo bem?
Honey deu de ombros. — Que seja, Eu tento, sim.
— Bom, pensa nisso com carinho, certo? — Ele fez uma pausa. — Quanto à música… Olha, eu tô falando sério, eu acho que você consegue tirar ela. É que… Sabe… Quer saber o que eu faço quando eu tenho que entender um ritmo assim?
Honey Drop virou a cabeça para olhar para ele. — O quê?
— Olha, eu sei que eu tenho que sentir o ritmo no corpo — Dainty disse —, então eu penso em maneiras de cantar o ritmo e mexer o corpo junto com ele. E, quando eu digo cantar, eu quero dizer, tipo… fazer barulho, mesmo. Tipo, nessa música, quando eu escuto ela, eu ouço ela assim: Ta-qui-ti ta-qui-ti, ta-qui-ti ta-qui-ti, Ta! Qui. Ta-qui-ti ta-qui-ti, ta-qui-ti ta-qui-ti, Ta! Qui. Pegou? Quem sabe você tenta?
Honey franziu a testa por um momento, mas, aos poucos, as vocalizações de Dainty começavam a fazer sentido. Dainty sacudia os ombros conforme a batida, então Honey aos poucos começou a se mexer, e finalmente repetiu as vocalizações. Eles ficaram repetindo esse mantra rítmico por um tempo, enquanto Dainty pontuava alguns pulsos com um casco levantado. Honey experimentou uns movimentos de bateria no ar com as baquetas, o rosto concentrado, até que ele parou de cantar. Dainty parou em seguida.
— E aí, pegou?
— Acho que sim — Honey disse. — Eu acho que… Eu vou tentar isso em casa. Eu vou tentar, Dainty, mas eu não… Eu não posso garantir que vai dar certo.
— Tudo bem, não se preocupe — Dainty disse, voltando ao seu lugar. — Não esquece, isso é uma coisa pra você fazer no seu tempo. Eu não tô exigindo nada, certo? Quando você conseguir, se você conseguir, a gente tenta de novo. Certo?
— Tá, certo — Honey disse, um pouco mais entusiasmado.
— Beleza, então que tal tentar outra música agora?
Dainty e Steel despediram-se de seus colegas, que combinaram de se reunirem de novo na quinta, assim que River Mouth estivesse de volta em Ponyville. Dainty fechou a porta e olhou para Steel, com um olhar preocupado.
— Você acha que eu fui justo com Honey Drop? — ele disse. — Ou eu fui duro demais?
Steel levemente deu de ombros. — Eu não acho. Acho que foi na medida.
— Eu fico triste por ele — Dainty respondeu, sentando-se na cama ao lado de Steel. — Eu não quis ser grosseiro. Eu acho que ele deve estar bem estressado.
— Sim, mas isso não dá o direito dele dizer aquelas coisas — Steel disse. — Você se saiu bem, Dainty, não esquenta.
Dainty olhou para suas patas de trás, balançando-as. — É, mas eu fiquei pensando também… E se o Honey Drop estiver certo? E se o nosso relacionamento interferir na banda? Vai ser ruim, não vai?
Steel fez uma pausa, e fechou o rosto. — Tá falando sério, Dainty? — Ele se levantou da cama e deu alguns passos. — Você vai deixar isso atrapalhar o seu sentimento por mim?
Dainty arregalou os olhos e gaguejou por um instante. — Não, não, não é isso— Não é que eu queira deixar isso atrapalhar, eu… eu só penso que… bom, a gente não tem controle sobre as coisas — ele disse, aproximando-se de Steel. — Eu me preocupo com as coisas que acontecem contra a nossa vontade. E Honey tem razão, se respingar na banda, vai ser ruim pra todo mundo.
Steel bufou de leve. — Eu não quero ficar pensando que algo de ruim vai acontecer com a gente, Dainty. A gente se ama, não? Isso não é bom? Isso não devia ser bom pra banda?
— Claro que sim, amor, é claro que sim — Dainty disse, trazendo o rosto para perto de Steel. — Eu… eu tô feliz demais de estar junto com você. Sério, se depender de mim, nada de mal vai acontecer com a gente, nunca… só que não depende de mim, sabe… Tem o mundo lá fora… Eu vou lutar por você. Eu vou ficar com você, meu amor, pode ter certeza. Mas a gente tem que… proteger os outros de qualquer coisa que aconteça. É só isso.
Steel fitou-o e acenou com a cabeça. — Sim, entendo… É que dói pensar que alguma coisa pode dar errado…
— Eu sei, meu bem. Olha… eu acho… O que a gente pode fazer é, quando a gente estiver trabalhando com a banda — Dainty disse —, ensaiando, tocando, o que for, tudo que tiver a ver com a banda, a gente vai ter uma postura profissional. O que você acha? Trabalho é trabalho. Acima de tudo, temos que ser colegas, e manter isso sempre em ordem.
— Acima de tudo? — Steel disse, baixando uma sobrancelha. — Dainty, eu não consigo colocar nada acima do nosso amor.
— Tá bom, olha, eu me expressei mal — Dainty disse. — Eu quero dizer… além de qualquer outra coisa, nós somos colegas. Que tal? Claro que nosso amor é mais importante, Steel, meu amado, é claro que é. Mas a banda é algo à parte. A banda não tem nada a ver com isso. Então, o que você acha? A gente pode se manter profissional?
Steel olhou para o chão. — Eu acho que… bom, eu posso tentar — ele disse, olhando para Dainty de novo. — Eu faço isso por você, querido. Por você.
— Certo — Dainty disse, tocando o rosto dele com o seu rosto. — Obrigado, amor… Sabia que você é maravilhoso?
Steel riu-s. — Eu acho que sei, sim.
Dainty apenas riu.
Steel passou a noite na casa de Dainty e saiu cedo da tarde, pois ele tinha trabalho para fazer em sua oficina.
— Trabalhar num domingo, amor? — Dainty disse, fingindo indignação. — Isso é inadmissível!
Steel deu uma risada desajeitada. — É, bom, eu tô adiando um serviços já faz uns dias, e eu tenho que me agilizar… mas né, eu costumava ter mais tempo pra trabalhar antes da gente… né…
— Ah, agora a culpa é minha, né? — Dainty acusou. — Mas é claro!
Steel achava engraçado como Dainty não conseguia manter a pose por mais de meio segundo; ele acabava deixando escapar um sorriso. Steel sorriu. — Percebe? Você sempre faz essas coisas fofas, e eu não consigo ir embora… mas, sério mesmo, eu tenho que ir, mas… a gente se vê amanhã?
— Claro que sim, amor — Dainty disse, beijando-lhe o rosto. — Boa sorte com o seu trabalho.
— Obrigado, querido. Tenha um lindo dia, tá bom?
— Você também, amado.
Steel saiu da casa, e Dainty suspirou ao fechar a porta.
Em poucos instantes, sua mente voltou para a banda, e para o problema de Honey Drop. Ele não tinha ideia se o conflito com seus pais podia ser resolvido, mas ele não parava de pensar nisso. Ele percebeu, para sua surpresa, que fragmentos de sua própria memória começavam a aparecer em sua mente: lembranças de conflitos com seus pais, embora eles não parecessem relacionados à música. Dainty franziu a testa, pois, tecnicamente, ele não tinha passado algum, e ele pensou que talvez ele estivesse inventando isso de alguma maneira.
Em vez de pensar nisso, ele pensou de novo em Honey Drop, e uma ideia começou a surgir. Ele pegou um lápis e uma folha de papel, sentou-se à escrivaninha onde ele costumava trabalhar com música, e começou a escrever:
“Caros Sr. e Srª…”
Ele apertou a parte plana do lápis contra o queixo, percebendo que ele não sabia os nomes deles. Esse era um mau início, mas haveria de ter uma saída para isso:
“Olá. Embora nós ainda não fomos apresentados formalmente, eu gostaria de lhes falar como um amigo.
Meu nome é Dainty Tunes. Eu sou pedreiro, e moro em Ponyville há vários meses. Eu também sou músico, e decidi formar uma banda, como um fruto da minha paixão. Todos os membros da minha banda trabalham em tempo integral, e nós temos maneiras de conciliar nossas profissões com nossas atividades musicais. Às vezes dá trabalho, e às vezes é cansativo, mas sempre vale a pena.
Música não é algo que fazemos apenas para matar nossas horas vagas, ou como resultado de vaidade ou ego. Música é a maneira como expressamos quem somos, nossos sentimentos, nossas emoções e nossa visão sobre a vida e o mundo lá fora. A música vem de dentro de nós, e não há como calá-la. Ela nos obriga a pegar nossos instrumentos e aprender a tocar, a escutar canções e aprender a conhecê-la como os nossos cascos. A música é quase tão necessária quanto água e ar, e, sem ela, ficaríamos sufocados.
Honey drop é—e eu digo isso sem adulação—um ótimo músico. Não porque ele tenha toda a habilidade e técnica de um virtuose, mas pelo jeito como ele vê e ouve a música. Ele a sente no coração, e a energia que o faz aprender a tocar bateria corre em suas veias. Não se trata de algo que ele simplesmente decidiu querer fazer, mas algo que ele precisa fazer. Como o resto de nós, ele ficaria sufocado sem isso.
Ele me disse de sua aptidão para trabalhar com abelhas e com mel, e como o seu trabalho é importante para o negócio. Eu não tenho dúvida que ele é uma peça fundamental da sua fazenda, e seria uma perda imensa se o trabalho dele ficasse comprometido. O mesmo é verdade com o meu trabalho na construção civil, e com todos os nossos colegas em seus respectivos trabalhos. Nós temos total respeito pela profissão de Honey Drop e o negócio de sua família, e eu estou convencido de sua importância, não só para sua família, mas para toda a comunidade de Ponyville.
A razão pela qual eu lhes escrevo é porque eu também estou convencido que Honey Drop pode conciliar sua profissão e sua música, não só de maneira que elas não atrapalhem uma a outra, mas também de maneira a aprimorarem uma a outra. O entusiasmo e gratificação que obtemos com a música faz nossa vida mais feliz e mais rica, e isso se traduz em uma vida profissional mais saudável. Da mesma forma, nossas profissões garantem a estabilidade que precisamos para fazer nossa música com conforto e segurança, livre de preocupações externas. Eu tenho certeza que pode ser assim com Honey Drop também.
Eu preciso de sua confiança quando eu digo que, se eu tivesse motivos para achar que nossa atividade musical estivesse atrapalhando o trabalho de Honey, eu seria o primeiro a falar com ele. Eu não quero que a banda seja um obstáculo para ninguém. Na verdade, eu vi Honey Drop tornar-se um garanhão mais feliz e mais confiante na medida em que sua musicalidade melhorava. Ele ama a banda profundamente—como eu mesmo a amo—e qualquer um pode ver o quanto ele se beneficia com ela. Se vocês falarem com ele, tenho certeza de que vocês verão também, e vocês chegarão à conclusão de que a música é uma força benéfica em sua vida, e todos tirarão proveito disso.
Eu sinceramente desejo o melhor para sua família e seu negócio, e eu garanto que o trabalho de Honey Drop na banda será motivo apenas de orgulho e alegria.
Com carinho,
Dainty Tunes”
Ele releu a carta algumas vezes, fazendo pequenas mudanças e correções, e deixou-a guardada. Ele passaria a limpo o rascunho feito a lápis outro dia, com a mente renovada.
*
O ensaio na quinta não foi muito bom. Não houve grandes incidentes, mas Honey Drop tocou sem entusiasmo, e River Mouth parecia mais distraída e distante do que de costume, embora ela ainda tocasse bem. Hard Fiber havia se esquecido de algumas coisas das músicas novas que eles estavam ensaiando, o que exigiu mais passadas nas músicas e algumas ajudas de Steel Strings. Dainty nem fez questão de perguntar se Honey Drop aprendera a tocar Vinte e Nove, pois a sua atitude sugeria que ele não fizera progresso algum, se ele sequer havia tentado.
Pelo menos Steel Strings seguiu rigorosamente o pedido de manter uma postura profissional durante os ensaios, e suas interações com Dainty foram exatamente como costumavam ser no início.
Ainda assim, mesmo com o ritmo lento, Dainty sugeriu que eles começassem a aprender uma música nova, mas o processo foi mais difícil dessa vez. A canção não era difícil, mas Hard Fiber não conseguia acertar suas partes, o som de Honey Drop não era muito empolgante, e River Mouth tocava de maneira mecânica. Dainty se esforçou para colocar energia no ensaio, mas sentia que não adiantava.
Ele pensou que poderia ser uma coisa temporária, apenas um dia específico em que as coisas não estavam tão bem. Essas coisas aconteciam, e ele tentou não se preocupar.
Quando eles estavam preparando-se para sair, eles discutiram o dia de seu próximo ensaio.
— Já que a River Mouth vai embora de novo no domingo, a gente só tem amanhã e sábado. O que vocês acham? — Dainty disse.
— Eu vou estar ocupado amanhã — Hard Fiber disse —, mas eu acho que estou livre no sábado de tarde.
— Ãh, na verdade, eu tenho coisas pra fazer com os meus pais no sábado — Honey disse. — Vai levar o dia todo… desculpa, gente.
River Mouth olhou para eles, mas percebeu que não havia chance para negociação
— Então a gente vai ter que deixar pra semana que vem? — Fiber disse.
— Eu acho que sim — Dainty respondeu. — Quer dizer, não é nenhum problema… Lembrem que a gente não tem prazo nem nada. Só vamos tentar não esquecer das nossas partes durante a semana até a gente se encontrar de novo. Que tal quinta?
Os outros ponderaram por um momento, e concordaram.
— Deve ser tranquilo — Fiber disse.
— É, eu acho que eu tô liberado — Honey disse.
— Certo, quinta feira que vem, então — Dainty disse, indo até sua escrivaninha, enquanto os outros começaram a desmontar seu equipamento.
Dainty aproximou-se de Honey, e apresentou-lhe um envelope fechado.
— Honey Drop, me faz um favor? — ele disse. — Entrega isso pros seus pais, tudo bem? Não abra, só dê a eles e deixe que eles leiam. Eu… não sei se vai ajudar muito, mas é o que eu posso fazer.
Honey olhou para o envelope e pegou-o. — Bom, tudo bem, Dainty, Obrigado.
O resto da banda ficou conversando enquanto preparava-se para sair. River Mouth falou um pouco de sua pesquisa de campo, e como ela era mais difícil do que ela imaginara, pois o lago era de difícil acesso, e o prédio onde ela estava tinha poucos recursos.
— Parece complicado mesmo, River — Hard Fiber disse.
— E é mesmo — ela respondeu, um pouco preocupada —, mas o trabalho é importante, e vai me dar muita experiência na minha área. Eu tenho que ser firme.
— A gente tá contigo, River — Dainty disse. — Boa sorte.
— Obrigada, rapazes. Isso conta muito — River disse.
Honey terminou de guardar a bateria no seu carrinho, e os três foram embora. Dainty suspirou ao vê-los indo, sentindo-se um pouco incerto, pensando como as coisas seriam na semana que vem.
Ele fechou a porta e virou-se, e notou que Steel o observava com um sorriso ansioso e impaciente, e pulou na direção dele para beijar seu rosto e seus lábios repetidamente. Dainty quase caiu no chão.
— Postura profissional! — Steel Strings zombou entre beijos. — Você sabe como isso é difícil quando eu estou com você?
Dainty riu-se. — Você vai ter que se esforçar mais, pelo visto!
— Sim, porque pra você isso é fácil, né? — Steel disse, segurando o rosto de Dainty com os cascos. — Hein, Sr. Profissional?
Dainty deu um sorriso malicioso. — Só durante o expediente.
Steel sorriu e beijou sua boca uma última vez, antes de virar-se e ir até a cama.
— Quer um chá, amor? — Dainty disse, indo até a cozinha.
— Hm, eu preferia outra coisa — Steel disse, sentando-se na cama —, ou outro pônei…
Dainty deu-lhe um sorriso esperto. — Bom, eu quero um chá primeiro… Você podia me acompanhar.
Steel virou os olhos e deu um suspiro debochado.— Tá bom, tá bom, eu te acompanho.
Então, Dainty foi até a cozinha para aquecer a água, enquanto Steel deitou-se na cama, esticando as patas.
— Sabe — Dainty disse —, eu tenho pensado nas músicas que a gente tá tocando, e eu pensei em talvez—
— Ah, você vai falar na banda agora? — Steel disse, sentando-se.
Dainty olhou para ele, surpreso. — Bom… sim, você sabe que eu gosto de conversar as coisas com você.
Steel sacudiu a cabeça. — A gente passou a tarde toda ensaiando. Não acha que é melhor dar um tempinho?
— Bom… pode ser — Dainty disse, dando de ombros. — Eu só não esperava que você ia ser contra a ideia de falar comigo sobre música.
— Você não acha que a gente tem… maneiras melhores de passar o tempo juntos?
Dainty encarou-o por um momento, perdido em pensamentos. — É… bom, tem várias coisas que a gente pode fazer, sim, mas… a gente pode conversar também, não? Tipo, a gente ficava horas conversando sobre coisas diferentes, entrando em assuntos de música, arte, e a vida em geral… e, bom, eu sempre gostei do jeito que você fala, que você elabora o que pensa, e o jeito que você me escuta, sempre tão atencioso… Eu… sinto falta disso, sabe, Steel.
Steel deu-lhe um olhar gelado. — Ah. Ótimo. Então você tá chateado porque a gente conversa pouco?
— Mas, Steel Strings, isso sempre foi uma coisa que eu adoro em você — Dainty respondeu. — A gente não precisa abrir o casco disso só porque a gente se apaixonou. A gente pode fazer as… as outras coisas também,sim, mas eu adoro conversar com você, de verdade.
Steel deixou os ombros caírem um pouco, e sorriu. — Tá bom. Beleza. Sobre o que você quer que eu fale, então? Sobre o que você quer ouvir?
Dainty não conseguia entender o porquê dessa atitude dele, e não sabia como reagir. — Bom, a gente podia falar do que eu queria falar no começo, que é sobre as músicas que a gente vem tocando—
— Ah, claro, a banda. — Steel virou os olhos. — Eu devia ter imaginado.
— Steel, meu amor, qual é o problema? — Dainty disse, indo até a cama, embora a água estivesse quase fervendo a esta altura. — O que você tem contra a banda agora, de uma hora pra outra?
— Dainty, você me pediu pra ser “profissional” quando a gente está trabalhando com a banda — Steel disse —, e eu não tô a fim de nada disso agora. Eu quero aproveitar a sua companhia antes de ir pra casa — ele disse, suavizando um pouco o tom. — Eu quero ficar com você. O que tem de errado nisso?
Dainty respirou fundo e sacudiu a cabeça. — Não tem nada de errado. Nada. Eu… eu não queria deixar você mal. Se você não quer falar sobre a banda, não vamos falar, então. — Ele olhou para trás. — Vamos só tomar nosso chá e aí a gente… fica junto. Pode ser?
— Tá, pode ser — Steel disse, em um tom mais leve.
Dainty acenou com a cabeça e voltou para a cozinha para tirar a água fervente do fogão. Ele sentiu-se culpado por deixar Steel daquele jeito, embora algo nele dissesse que não havia motivo algum para culpa. Dainty não fizera nada de errado, afinal; mas aquela culpa perdurava dentro dele, e ele esperava ficar de bem com Steel novamente naquela noite.
Eles tomaram o chá, conversaram sobre pequenas coisas, e então aproveitaram o resto da noite juntos antes que Steel Strings fosse para casa.
Havia muitas coisas zunindo na cabeça de Dainty quando ele foi dormir, e ele sentiu que não conseguiria sossegar tão fácil.
*
Dainty estava ansioso naquela quinta. Ele esperava que o ensaio fosse aliviar os sentimentos ruins que ele tivera na semana anterior, e que eles conseguiriam trabalhar em mais músicas novas. A ideia sobre a qual ele tentara conversar com Steel Strings da última vez amadureceu ao longo da semana: ele fez uma lista de todas as músicas que eles já tinham em seu repertório, e como elas podiam encaixar em um show de verdade, com algumas canções encaixadas em momentos específicos do setlist, algumas canções que poderiam mudar de lugar com o tempo, e vários espaços vazios que precisavam ser preenchidos com novas canções. Ele não queria mostrar seu trabalho para a banda ainda, para não colocar pressão demais, mas ele já fantasiava um show completo, e ficava brincando com essas ideias quando ia para cama.
Steel Strings e River Mouth chegaram primeiro, e ele notou que River parecia bastante cansada. Ela falou de seus problemas com o trabalho de campo, e as coisas não pareciam estar ficando nem um pouco mais fáceis.
— É, e, quando eu chego aqui, eu ainda tenho que fazer o trabalho de laboratório, enquanto tá cansando bastante — ela disse. — Mas, bom, eu vou dar um jeito, eu sei.
— Vai sim, River — Dainty disse. — Você consegue.
Honey Drop chegou em seguida, e ele ainda estava aborrecido. Enquanto Dainty ajudava a trazer seu equipamento para dentro, ele parou Honey do lado de fora por um momento.
— Então, seus pais leram a carta? — Dainty disse, já sentindo sua energia se esvair ao ver a expressão murcha de Honey.
Honey Drop deu de ombros. — Eles disseram que são eles que decidem, e que, se eles quiserem, eles podem me fazer sair da banda. Eu não li o que você escreveu, Dainty, mas eu não sei se ajudou muito. — Ele fez uma pausa. — Mas obrigado mesmo assim.
Ele se virou para o carrinho para pegar mais peças, e Dainty ficou ali, pensando. Se a sua iniciativa não ajudou, ele esperava que ela não fosse atrapalhar, pelo menos.
A banda decidiu começar tocando canções que eles não tocavam há tempo, apenas para mantê-las em forma. Dainty notou que elas pareciam mais fracas do que de costume, a despeito do que ele tentasse fazer para entusiasmar seus colegas. Por um momento, ele sentiu que eles não estavam gostando de fazer aquilo.
Então, eles foram para as músicas novas. Dainty queria colocá-las nos eixos, para que eles pudessem aprender uma música nova. Porém, quando eles tentavam tocar as músicas, as coisas não davam certo. Dainty notou que ele estava fazendo esforço para não agir de forma babaca, e o mantra não seja cuzão estavam em sua cabeça quase o tempo todo.
— Gente, eu não quero ser chato, mas isso aqui não tá legal — Dainty disse. — Vocês têm que se esforçar mais.
— Eu sei, Dainty, eu… — River mouth parou de falar para tentar conter um bocejo, mas ela não pode evitar. — Eu tô tentando, mas eu tô cansada. Eu vou… fazer o possível.
— Eu também tô te achando meio desleixado, Honey — Dainty disse. — Você tem praticado?
— Dainty, como você espera que eu vá querer tocar quando os meus pais ficam me chateando? — Honey disse. — Eu tenho vergonha de tocar em casa, porque os meus pais sempre enchem o saco e me dizem pra trabalhar mais.
— Sim, mas isso não é desculpa pra você tocar desse jeito, cara — Hard Fiber disse. — Parece que você não tá nem aí.
— Ah, como se você pudesse me criticar — Honey zombou. — Você sempre se esquece das suas partes. Parece que você nem pratica.
— Bom, eu tento, ora — Fiber respondeu. — Mas também não é fácil pra mim.
— É, não deve ser fácil pra quem é preguiçoso.
Fiber ficou de queixo caído. — Preguiçoso? Escuta aqui, ô, Sr. “Eu Odeio Meus Pais”, mas eu também tenho problema em casa, tá legal? Eu tenho que cuidar do meu irmão pequeno. Ele… — Hard Fiber fez uma pausa, tentando manter a calma. — Ele é um pônei especial. Ele precisa de cuidado. Na maioria das vezes, sou eu que tenho que ficar com ele, e, quando eu tô cuidando dele, eu não posso dar as costas e tocar guitarra, por mais que eu queira. Então, também é difícil pra mim ficar focado na música, mas quer saber? Eu me viro. Eu não fico me lamuriando com pena de mim mesmo, que nem certos pôneis aqui.
Honey baixou a cabeça, e encarou o chão. — Eu… eu não sabia, Fiber… Desculpa.
— Fiber, olha, não é questão de se lamuriar — Dainty disse, tentando ser gentil. — Mas, se a gente soubesse da sua situação, a gente não ficaria com expectativas que você não pode cumprir. Você pode confiar na gente.
— Olha, eu não queria falar da minha família aqui, tá bom? — Fiber disse, ainda frustrado. — Não é culpa de vocês que o meu irmão é assim, então vocês não têm que saber nada disso… Eu… Eu não consigo continuar assim, eu vou pra casa. Desculpa.
Hard Fiber começou a desligar seu equipamento, e os outros trocaram olhares.
— Fiber, não, não precisa ir embora! — Dainty disse.
— Eu não tô no clima, tá bom? — Fiber respondeu. — Eu só vou pra casa.
— Fiber, me desculpa! — Honey Drop disse, com um nó na garganta. — Eu não quis te ofender! Por favor, não vai!
— Você não tá… saindo da banda, né? — River Mouth disse.
— Eu só disse que eu vou pra casa — Fiber respondeu. — Eu… A gente continua outro dia, eu sei lá, eu não quero pensar nisso agora. Eu só preciso ir embora.
Os outros quatro ficaram de cabeça baixa. Honey Drop respirava pesado, com medo de olhar para os outros.
— Então, você vai estar livre no sábado? — Dainty arriscou.
— Não sei. Talvez.
Fiber levou seu equipamento para o carrinho do lado de fora, e Dainty e Steel foram junto com ele, esperando que ele dissesse algo menos negativo, mas ele ficou quieto até a hora de partir.
— Até a próxima — ele disse, e foi embora.
— Até mais, Fiber — Dainty disse.
Steel e ele viraram-se para entrar em casa, e encontraram Honey Drop chorando. River tentava consolá-lo.
Ele olhou para Dainty. — Eu acabei com a banda, né?
Dainty arregalou os olhos.— Não, Honey, calma, calma! — ele disse, correndo até ele. — Você não estragou nada. Foi… foi triste o que aconteceu, mas a banda não acabou. A gente conversa com o Fiber depois e vai ficar tudo bem. Não se preocupa, vai ficar tudo bem.
— Você acha mesmo, Dainty? — Honey disse.
— Sim, claro que sim — Dainty respondeu. — Não vamos perder a esperança.Vai ficar tudo bem.
— Caras, eu… eu acho que, já que o Fiber foi embora, seria melhor eu ir pra casa também — River Mouth disse. — Eu tô cansada e preciso descansar. Vocês se importam?
Dainty estava incerto. Ele achavam que seria possível prosseguir sem Fiber, mas não era bom forçá-la a ficar ali naquelas condições. — Não, eu não me importo. Se você tá cansada, é bom descansar.
— Tá bom, então — ela disse, fazendo uma pausa. — Então… como é que vai ficar o próximo ensaio?
Dainty coçou a cabeça. — É, a gente… vai ter que dar um jeito.
— A gente precisa falar com o Fiber, e ver quando é que ele vai estar livre — Steel disse. — Aí a gente precisa avisar vocês.
— Eu tô pensando, que tal se vocês vierem pra cá no sábado? — Dainty disse. — Se a gente conseguir fazer o Fiber vir, a gente ensaia normalmente.Se não, a gente… toca sem ele. Vocês acham que dá pra fazer?
River Mouth parecia incerta.
— Eu posso fazer isso — Honey Drop disse.
— Eu não gostaria de ensaiar sem ele, mas, talvez seja melhor do que ficar esperando até sabe-se lá quando — River disse. — Tá, eu venho.
— Certo, vocês fazem isso, então, e Steel e eu vamos falar com Fiber para ver se ele vem também — Dainty disse.
Assim, River e Honey começaram a guardar suas coisas. Dainty tentou manter-se calmo, para evitar piorar as coisas, e foi com os dois até o lado de fora quando eles saíram.
Dainty fechou a porta e deixou a cabeça cair. Ele se virou, e Steel viu o olhar desolado em seu rosto.
— Você acha que ele volta? — Dainty disse, quase sem erguer o rosto.
— Eu acho que sim — Steel respondeu. — Interessante que você estava tentando tranquilizar o Honey Drop, mas agora você é que está nervoso.
— É, bom, eu não… Eu não queria que ele ficasse assustado, mas… — Dainty suspirou. — Eu também tô preocupado. Tipo, não é só o Fiber, mas… tá todo mundo meio diferente. Eu… Eu não sei se a gente consegue segurar por muito tempo assim.
Steel viu que ele estava lacrimejando, e fez um gesto para ele vir até a cama. Dainty deitou-se ao lado dele e repousou a cabeça sobre o colo dele. Steel afagou sua crina, em silêncio.
— É tão irritante — Dainty disse. — Eu me orgulho às vezes de como eu sou apaixonado pela música, mas… paixão só não basta. De que adianta a paixão se o mundo fica jogando obstáculos na nossa cara?
Steel suspirou, sem conseguir pensar em uma resposta, embora ele queria continuar conversando com Dainty para consolá-lo. — Você sempre foi assim? Tipo, a música sempre foi importante para você?
— Desde que eu me lembre, sim — Dainty disse.
Ele só parou para pensar no que dizia depois de concluir a frase. Na prática, ele dissera uma bobagem: Dainty não tinha muito que lembrar, pois ele fora largado naquele mundo há pouco tempo, sem ter um passado. Porém, ele começou a enxergar coisas em sua cabeça, como um pequeno ponto de luz no meio do que antes era plena escuridão, e talvez ele pudesse tentar caminhar naquela direção para ver o que era.
— Eu… lembro que os meus pais gostavam muito de música — ele prosseguiu. — Eles não eram músicos, mas eles gostavam de ouvir música, e eles costumavam me levar para lugares onde tocava música. Eu lembro… Eu era um potrinho, não sei que idade eu tinha, mas… era um salão grande, bonito, com vários pôneis dançando, e tinha um palco, e uma banda estava tocando… e eu fiquei ao pé do palco, vendo eles tocarem.
— Eu fiquei… hipnotizado — ele disse, virando a cabeça um pouco para ver o rosto de Steel. — Eu não sei descrever, mas parecia que eu tava voando. Eu acho que, se eu fosse um pégaso, a sensação de voar seria mais ou menos o que eu senti naquela noite, vendo aquela banda tocar. Os sons, as melodias, a aparência dos instrumentos… Eu ficava tentando descobrir o som de cada instrumento, e… bom, eu não sei quanto tempo eu fiquei lá, mas eu podia ter ficado pra sempre. E dali eu sempre soube que, onde quer que tivesse música, eu queria estar lá.
— Que lindo — Steel disse em um tom suave e doce. — E… quando foi que você começou a tocar?
— Eu acho que, uns anos depois disso, um parente meu, um tio, eu acho, nos deu um piano.
Steel tentou conter um riso involuntário. — Quê? Ele te deu um piano?
— Bom, sim — Dainty disse, percebendo o absurdo que isso parecia, mas a memória era vívida. Ele não sabia o que estava acontecendo, mas ele continuava caminhando na direção daquele ponto luminoso, e agora ele estava banhado em luz. A memória estava lá, dentro dele, e, quanto mais ele caminhava, mais coisas ele via. Será que aquela memória sempre estivera lá?
— Eu lembro que esse tio disse que a família dele tinha esse piano por um tempão, mas ninguém mais usava — Dainty prosseguiu. — Então ele tava precisando de conserto e afinação. Eu lembro que ele estava bem detonado no início. Então, meu pai conseguiu consertar ele. Ele arranjou alguém pra afinar, e, tipo, o piano nunca ficou novinho, mas ele funcionava bem. E então, eu… eu comecei a brincar com ele, sabe, só… apertando as teclas, pra ver o que acontecia, e eu… comecei a aprender a tocar melodias. Eu ouvia uma música, e descobria como tocar ela. Às vezes era difícil, mas eu insistia até conseguir.
— Que legal — Steel disse.
— Meus pais conseguiram uns professores pra me dar aulas em casa — Dainty continuou. — Eu acho que eles não conseguiam pagar um professor integral, porque eu lembro que as aulas nunca duravam muito tempo… mas foi o suficiente pra eu aprender a ler partitura, aprender escalas, acordes, ritmos e tudo… e um dia, eu comecei a inventar uma música no piano, só… improvisando, eu comecei a tocar uma melodia… e ela virou uma música.
Dainty sorriu de repente. — Na verdade, eu costumava inventar músicas o tempo todo, quando eu era pequeno — ele disse. — Devia ser um saco ficar perto de mim, porque eu nunca ficava quieto. Mas eram músicas que eu inventava e esquecia, sabe? Eu ficava repetindo uma frase, e ela virava uma melodia, e aí eu esquecia. Mas dessa vez… eu estava escrevendo uma música, no piano, e eu inventei uma letra. Eu… eu ainda me lembro dela, na verdade.
Steel sorriu. — Como é que ela é?
Dainty fez uma pausa e olhou para o lado, com uma careta. — É uma canção besta que eu fiz quando eu era um potro. Eu tenho vergonha.
— Não, não precisa ter — Steel repreendeu. — É a sua primeira composição! Qual é, eu fiquei curioso agora!
— Tá bom, tá bom — Dainty disse, virando os olhos. — É assim:
Olá, sol! Como vai?
Eu quero ver você brilhar
Olá, sol! Como vai?
Eu quero pra você cantar
Dainty esperava que Steel desse risada de tal bobagem, mas ele apenas escutou, quase espantado. Steel não pode deixar de notar que a melodia era mais elaborada do que ele esperava, com a primeira sílaba da palavra “quero” alongada em uma síncope curiosa.
— Você escreveu isso quando era um potrinho, e sente vergonha? — Steel disse. — Você devia era sentir orgulho!
— Bom… talvez? — Dainty respondeu. — Sei lá. Eu não quero me gabar, sabe. Mas… é, foi divertido escrever essa música, e eu mostrei ela pros meus pais, e…
De repente ele parou de falar, e caiu em pranto.
— … e foi assim que eu ganhei a minha marca especial — ele disse.
Steel deu um sorriso involuntário, e acariciou a crina de Dainty enquanto ele chorava e soluçava.
Dainty percebeu que Steel jamais entenderia por que ele estava tão emocionado, mas o afeto que ele recebia era verdadeiro de qualquer maneira, e era isso que importava.
Dainty tinha amor e um passado. Com isso, o futuro assustava um pouco menos.
*
Steel Strings passou a noite de sexta com Dainty, e, na manhã de sábado, eles foram para a casa de Hard Fiber. Steel guiou Dainty por Ponyville até chegar a uma casa modesta, porém charmosa, decorada de forma intrigante com cordas e tecidos de todos os tipos. Dainty nunca havia visto nada parecido, e era tão diferente que dava um belíssimo destaque para a casa.
Steel bateu à porta, e, em alguns momentos, uma égua de olhos verdes apareceu. Ela tinha uma crina castanha curta, e a pelagem era de cor turquesa.
— Sim?
— Ah, bom dia, Srª Weave — Steel disse. — O Hard Fiber está em casa? Podemos falar com ele?
— Está sim — ela disse, já saindo da porta. — Eu vou chamá-lo.
Dainty e Steel trocaram olhares, e os segundos passaram-se. Fiber finalmente apareceu na porta, sem sair para fora.
— Oi, gente — ele disse. Seu tom era um pouco mais frio do que de costume. — Como é que tá?
— Oi, Fiber — Steel disse. — Então, a gente conversou com os nossos colegas da última vez que a gente se encontrou, e a gente decidiu se reunir na casa do Dainty hoje pra ensaiar. A River e o Honey devem chegar de tarde, e a gente… bom, a gente queria saber se você pode aparecer.
Hard Fiber olhou para o lado, como se precisasse de um momento para pensar. — Posso, sim, claro.
Dainty conteve um suspiro aliviado.
— Ah, ótimo! — Steel disse. — Vai ser no horário de sempre, pra gente continuar de… de onde a gente parou.
— Não tem problema, gente — Fiber respondeu. — Podem me esperar lá.
— Certo! A gente espera sim, amigo. Até mais.
Dainty viu de relance um jovem potro, sentado em um sofá na sala. Ele tinha a pelagem azul escura e uma crina alaranjada, e ele ficava balançando-se para frente e para trás, olhando fixo para frente.
— Até mais — Hard Fiber disse. — Obrigado por virem.
Dainty e Steel viraram-se para sair enquanto Fiber fechava a porta. Eles deram alguns passos antes de falar.
— Você acha que ele ainda tá a fim? — Dainty disse.
— Acho que sim — Steel respondeu, olhando para o lado. — A gente vai ter que ver na hora do ensaio.
Dainty ficou em silêncio.
*
Os dois almoçaram na casa de Dainty e ficaram por lá, esperando os outros chegarem. Dainty conseguiu mostrar suas ideias para um possível setlist de show, e Steel deu algumas opiniões, mas nada substancial. Eles concordaram que precisavam de mais músicas para ter um show completo, mas isso era questão de tempo, se os ensaios continuassem normalmente.
Demorou um tempo para Honey Drop chegar, e ele veio trazendo seu carrinho com sua bateria pela rua. Dainty teve a sensação de que ele estava um pouco mais entusiasmado do que nos últimos dias.
— Fala, Dainty! — ele disse de longe, enquanto Dainty esperava na porta. — Demorei muito?
— Não, demorou nada — Dainty respondeu. — A gente ainda tá esperando a River e o Fiber.
— Então o Hard Fiber vai vir? — Honey disse, com um brilho a mais nos olhos.
— Sim. Steel e eu conversamos com ele de manhã, e ele disse que vem.
— Ah, que bom — Honey respondeu, estacionando seu carrinho, e começou a descarregar seu equipamento. — Obrigado por fazerem isso.
— Bom, a gente tem que lutar pela banda, né? — Dainty respondeu, enquanto eles entravam em casa.
— É — Honey respondeu. — Eu...sabe, eu conversei com meus pais na sexta. A gente… é, a gente conversou sobre a banda, porque… ãh, eles notaram que eu… tava meio triste, e eu… eu meio que fiz uma cena, porque eu tava com muito medo de ter estragado a banda — ele disse, esfregando a nuca, enquanto Steel escutava-o, sentado na cama. — Eu tava… apavorado, sabe, e os meus pais disseram que… bom, se a banda é assim, tão importante pra mim, então eu tenho que lutar por ela, e me esforçar… E eu disse pra eles que eu amo a banda tanto quanto eu amo a fazenda, tanto quanto eles amam a fazenda, porque é verdade mesmo, sabe? Eu adoro o que os meus pais fizeram com aquele lugar, eu me orgulho disso, e… é a mesma coisa com a banda. Ela é uma coisa que eu ajudei a fazer com vocês. E eles… disseram que eu devo me orgulhar disso, e… eles até me deixaram ter aula com a Pinkie Pie de novo.
— É mesmo? — Dainty respondeu, com um sorriso súbito. — Honey Drop, que maravilha! Que legal ouvir isso.
— É, eu sei — Honey disse —, mas… sabe, eu tava preocupado com o Fiber. Eu tava com medo de… de chegar aqui, e vocês me dizerem que ele tinha saído da banda, e… seria por culpa minha, né? Eu juro, juro de verdade, que eu não quis machucar ele, mas eu… mas eu machuquei mesmo assim, e o que eu fiz foi muito ruim, e eu me senti mal e quase não consegui dormir. Eu fiquei tão mal com isso! É horrível quando alguém machuca a gente, e eu machuquei ele, e… eu queria pedir desculpa pra ele, porque ele é um cara muito legal e eu adoro o jeito dele tocar, e se, tipo, se ele tem dificuldade de ensaiar e esquece as partes dele, bom, eu também tenho dificuldade com a bateria, sabe. Eu tô patinando com aquela música Trinta e Seis por dias, e eu ficaria muito bravo se alguém me chamasse de preguiçoso por causa disso.
— É Vinte e Nove, Honey — Dainty disse com um sorriso gentil.
— Ah, é! É mesmo. Sim, Vinte e Nove, desculpa — Honey disse. — Mas, é, bom, foi injusto dizer que o Fiber era preguiçoso,e eu acho ele demais e eu adoro tocar com ele, e eu… eu queria que ele pudesse ouvir isso, porque é isso que eu sinto, e eu juro que não vou mais machucar ele.
Dainty sorriu e olhou para a porta. — Na verdade, eu acho que ele ouviu isso, sim, Honey.
Os olhos de Honey arregalaram-se. — Ai, merda… Sério?
— E aí, Honey— Fiber disse ao entrar na casa.
Honey virou-se para ele, envergonhado. — Ah, cara, é, olha só—
— Relaxa, amigão — Fiber respondeu sorrindo. — Tá tudo certo. Eu ouvi você dizer que queria pedir desculpa, e a gente tá de boa, tudo bem? Não esquenta mais.
— Ah, certo, eu… Obrigado, Fiber — Honey disse. — Eu tô feliz que você voltou.
Fiber deu um sorriso gentil. — Eu nunca fui embora, cara,. Agora vamos trabalhar.
Eles continuaram a montar seu equipamento, e River Mouth apareceu em seguida. Eles começaram a conversar sobre seus planos para o ensaio, e o desejo de aprender novas músicas.
O ensaio seguiu sem mais incidentes. Dainty notou que o clima estava melhor, e até River Mouth estava mais energizada e disposta. Eles tocaram várias músicas, incluindo algumas que eles não tocavam há um bom tempo, e começaram a trabalhar em uma nova música. Foi uma tarde bastante produtiva, e, ao chegar ao fim, os cinco pôneis estavam cansados, mas felizes.
— Essa foi boa, gente — Fiber disse. — Legal.
— E o próximo, quando vai ser? — Honey disse, já desmontando a bateria.
— Bom, infelizmente, eu só vou poder na sexta que vem — Fiber disse. — Talvez eu tenha o sábado livre também, mas eu não tenho certeza.
— Eu posso na sexta — River Mouth disse. — Eu acho melhor do que quinta, até.
— Por mim pode ser também — Honey disse.
Dainty virou-se para Steel Strings. — Você vai poder, meu am— é, Steel? — Dainty apertou os lábios, constrangido.
— Claro — ele disse.
— Bom, tá confirmado, então — Dainty disse.
Eles ficaram conversando até que os três foram embora, e Dainty fechou a porta. Steel deitou-se na cama, em uma pose provocante, e observou Dainty ir até o piano. — Que bom que as coisas ficaram melhores — ele disse, pressionando algumas teclas aleatoriamente, criando acordes dissonantes.
— Sim, foi bom de ver — Steel respondeu, esperando Dainty ir até ele.
Em vez disso, Dainty começou a tocar algumas melodias. — Eu quase nem tenho tocado o piano recentemente… Eu nem sei mais se eu sei tocar.
— Você tem coisas melhores para fazer agora, não tem, querido?
Dainty olhou para ele, e Steel bateu de leve com o casco no espaço vazio na cama.
— Bom, eu posso tocar, se eu quiser — Dainty arriscou.
Steel fechou a cara e deitou-se de costas. — Ah, claro. E vai me ignorar. Ótimo.
— Eu posso tocar algo pra você, meu amor. Eu não vou te ignorar.
— Qual é, Dainty — Steel disse —, você vai passar o pouco tempo que a gente tem juntos com o piano e não comigo?
Dainty virou-se para ele, um pouco preocupado com o rumo no qual a conversa ia. — Steel, eu tenho passado quase todo meu tempo livre com você — ele disse, indo até a cama. — E isso é maravilhoso, eu não tô me queixando, mas eu… bom, eu também quero continuar fazendo as coisas que eu fazia antes da gente ficar junto.
Steel olhou para ele, sem reação. — Sim, porque isso é legal, né? Eu fico aqui sozinho, enquanto você vai fazer outra coisa que não tem nada a ver comigo. Eu já nem sei mais se você me quer por perto…
Dainty esticou-se até ficar com o rosto acima de Steel, tentando encará-lo de frente. — Steel, eu te amo. Eu te amo mais do que tudo. Você não sabe disso? Você não acredita em mim?
Ele esperou por uma resposta, mas o olhar de Steel fugiu. O silêncio fez Dainty sentir um vazio no estômago.
— Por que você não responde? — ele disse, a voz trêmula.
De repente, Steel olhou nos olhos dele. — Eu… Eu percebi uma coisa, e… Dainty, eu estou te sufocando, não?
Dainty olhou para o lado por um momento. — Bom… às vezes, talvez — ele disse, debilmente.
— É, eu imaginei… Eu… eu tô te fazendo mal, Dainty — Steel disse, erguendo-se um pouco. — Eu não posso continuar assim… Eu acho… é melhor se a gente se ver menos vezes, pra gente… se preservar, sabe.
— Espera… Espera, não! Não, a gente não precisa disso! — Dainty respondeu de sobressalto. — A gente pode continuar se vendo, Steel!
— Acredita em mim, Dainty, eu não tô fazendo isso pra te machucar — Steel disse, sua voz gentil tão irresistível. — Isso é melhor pra nós dois, é sério. E a gente não vai parar de se ver, não é isso que eu quis dizer. A gente… vai se reunir pros ensaios, e a gente pode ficar junto depois. E… se a gente tiver só um ensaio na semana, a gente pode se ver um outro dia.
Dainty fez uma pausa. — Então… duas vezes por semana, é isso?
— É — Steel disse. — Eu acho que é melhor assim. Confia em mim, Dainty, eu tô fazendo isso porque eu te amo. Não fica triste, tá?
Dainty olhou para longe. Ele queria dizer que era impossível não ficar triste, mas parecia inútil dizer isso.— Tá… Eu confio em você, Steel.
— Obrigado, querido — Steel respondeu, saindo da cama para guardar o violão no estojo.
Dainty ficou observando, confuso por um momento. — Você não vai sair agora, né?
— Vou. Eu preciso, Dainty.
— Mas você disse que a gente pode ficar junto depois dos ensaios! — Dainty protestou.
— Eu sei, mas, a gente pode começar na semana que vem? — ele disse, virando-se para Dainty. — Eu… eu preciso ir pra casa agora. Eu tenho que… dar um jeito numas coisas… É só hoje, tá bom?
Dainty deixou a cabeça cair. — Tá bom…
— Obrigado, querido — Steel respondeu, terminando de guardar o violão.— Eu… te vejo na sexta, pode ser?
— Pode — Dainty respondeu com uma voz murcha. — Se cuida, tá bom?
— Você também, Dainty.
— Eu te amo.
Steel virou-se para ele antes de sair pela porta. — Eu também te amo.
E então, ele saiu e fechou a porta. Dainty não conteve as lágrimas, e arrastou-se para a cama, que parecia mais vazia do que nunca.
*
Durante a semana inteira, Dainty não conseguia tirar Steel Strings da cabeça. Às vezes o serviço e os exercícios musicais em casa ofereciam alguma distração, mas, assim que eles terminavam, ele se lembrava de seu amado. Ele tinha calafrios de pensar que isso podia ser o começo do fim para eles, e ele fazia força para buscar algum fio de esperança de que nada de ruim iria acontecer, e que isso era mesmo para o bem dos dois. O esforço mental deixava-o cansado, e, quando ele caía na cama, ele sentia um vazio por dentro, a sensação palpável de que faltava algo.
Que loucura, ele pensava, que um dia ele se sentiu totalmente em paz indo para a cama sozinho, dia após dia, mas, agora, isso apavorava-o. Era como se parte dele estivesse faltando, mas era uma parte que ele nunca tivera em sua vida. Que crueldade era essa, de fazer alguém sofrer por não ter algo que ele fora feliz não tendo?
Ao mesmo tempo, ele não perdera Steel Strings, ou pelo menos ele acreditava que não. Na verdade, ele não sabia. Ele não fazia ideia de como seria encontrá-lo novamente, e o que Steel faria e diria. Talvez ele diria que estava tudo acabado entre eles, talvez ele diria que a ideia de se encontrarem menos vezes era idiota e eles colocariam um fim nessa bobagem, ou talvez ele quereria continuar exatamente como estava. Dainty percebia, em momentos como esse, que era a incerteza que causava sofrimento. Era cansativo não saber o que esperar, e por consequência esperar todas as coisas possíveis ao mesmo tempo.
O único consolo que ele tinha naquela noite de quinta é que, no dia seguinte, seria sexta, e eles teriam outro ensaio, e ele veria Steel Strings de novo. A menos, é claro, que Steel Strings decidisse não ir, por qualquer motivo que fosse. Isso sempre podia acontecer.
Dainty bufou: sua cabeça já estava inundada por incertezas, mas sempre havia espaço para mais uma.
Dainty não conseguia ficar quieto quando voltou para casa na sexta. Ele fez chá, colocou música para tocar, mas ele não sentia o gosto do chá e não prestava atenção na música. O tempo parecia arrastar-se, mas seu coração corria; dois inimigos em guerra, e sua mente estava presa no meio.
Finalmente, houve uma batida na porta.
— Entra! — ele quase gritou, a mente já presa à ideia de que devia ser Steel Strings.
Quando a porta se abriu, o pônei detrás dela não era amarelo, mas marrom.
— E aí, Dainty! — Honey Drop quase gritou. — Adivinha o que aconteceu?
Dainty tentou disfarçar a decepção, pois ele não queria que Honey pensasse que ele tinha feito algo errado.
— O que foi, Honey?
— Eu aprendi a tocar Vinte e Nove! — ele disse, quase pulando de alegria.
A ansiedade de Dainty por um instante deu lugar a um surto de entusiasmo. — Sério?
— Sim! Eu juro, cara, eu fiquei tocando ela o dia inteiro hoje — Honey Drop prosseguiu, correndo para trazer seu equipamento para dentro. — Eu tirei ela! Eu finalmente aprendi a tocar, e eu tô louco pra mostrar ela pra você!
— Honey Drop, isso é maravilhoso — Dainty disse, com menos alegria do que ele gostaria. — Então a Pinkie Pie te ensinou, foi isso?
— Não, e isso foi o mais louco! — ele respondeu, sem saber se deveria falar ou continuar trazendo a bateria para dentro. — Eu meio que aprendi ela sozinho! Lembra que você me ensinou a cantar o ritmo com a boca e sentir ele no corpo? Bom, eu fiquei fazendo isso, e, de repente, tudo fez sentido! Bom, depois disso, eu mostrei ela pra Pinkie, e ela me deu umas dicas pra melhorar, mas eu só precisei seguir o seu conselho! Não é demais?
— É sim, Honey, de verdade — Dainty disse, percebendo que deveria ajudar Honey com a bateria. — Só… vai devagar com a bateria. Eu não quero que você caia nem derrube nada.
— Sim, sim, eu sei — Honey respondeu. — Mas eu tô tão contente!
— Eu também tô, parceiro, mas vamos pegar leve.
Depois de um tempo, Honey tinha terminado de montar a bateria, e estava sentado diante dela, com as baquetas a postos. — Então, posso te mostrar agora?
— Claro, vai em frente.
Então, Honey limpou a garganta, como se fosse necessário, fez uma contagem com as baquetas, e começou a tocar a batida da música. Ele tocou alguns compassos, encarando Dainty com olhos enormes de expectativa.
Dainty assistiu-o por um momento, prestando atenção. — É, acho que é isso aí!
— É, né? — Honey respondeu. — É isso aqui mesmo!
Dainty então foi até o piano e começou a tocar os acordes. Poucos compassos depois, eles estavam tocando a música, e Dainty começou a cantar. Honey até fez algumas viradas no caminho, tentando reproduzir o que ele lembrava da canção, e manteve o ritmo estável até a mudança de tom. Então, Dainty contou em voz alta, quando a música entrava em um ritmo reto e rápido, e Honey fez a mudança perfeitamente.
Eles tocaram algumas repetições daquela parte, até Dainty fazer um gesto para eles terminarem.
— Aí, Dainty! A gente conseguiu! — Honey disse, erguendo as baquetas em celebração, e então olhando para a porta. — Ah, oi, Steel Strings! Você ouviu isso?
Dainty virou a cabeça para a porta na mesma hora. — Steel! — ele gritou, pulando do banco.
Steel Strings quase caiu quando Dainty agarrou-se nele e começou a beijar seus lábios e seu rosto repetidamente.
Honey Drop, envergonhado, virou a cabeça para o lado, mas ele ainda conseguia ouvir.
— Dainty, Dainty — Steel disse, sorrindo com deboche —, e a nossa postura profissional?
Dainty afastou-se um pouco. — Desculpa, eu tava… Eu tava com muita saudade.
— Não chegou nem a uma semana, querido — Steel respondeu com doçura.
— É, mas, tipo, pareceu séculos — Dainty disse.
Steel Strings apenas sorriu. — Eu sei. Eu sei, amado. Eu também tô feliz em te ver de novo.
Dainty virou-se para deixar Steel entrar, e não pode deixar de rir de como Honey parecia encabulado.
— Então, Steel, você ouviu isso? — Dainty disse, casualmente. — O Honey Drop aprendeu a tocar Vinte e Nove. Eu acho que a gente tá pronto pra tocar ela.
— Sim, eu tava ouvindo quando eu cheguei — Steel disse. — Tava ótimo, Honey.
— Ah, obrigado! — Honey disse, olhando para eles. — E ela é legal de tocar, também!
Eles ficaram conversando e preparando-se, e Hard Fiber chegou em seguida. River Mouth apareceu poucos minutos depois, e Dainty sugeriu que eles escutassem Vinte e Nove de novo, para que todos estivessem com ela fresca na memória. Precisou de bastante ensaio até eles tirarem todas as partes. Dainty insistiu em tocar o piano, para dar mais textura à música e deixá-la mais colorida.
— Eu queria era tocar violão, na verdade, mas o meu não tem captador — Dainty disse. — Eu precisaria de um microfone a mais.
— Bom, eu gosto quando você só canta — Fiber disse —, mas, se você quer mesmo tocar o piano, então toca.
Assim, eles tocaram a música algumas vezes. Estava longe de ficar perfeita, mas eles achavam que podiam melhorá-la com mais ensaios até ficar boa.
Dainty ficou satisfeito com o resultado do ensaio, e, em um certo ponto, ele já queria encerrá-lo de uma vez. Ele ficou com receio que talvez ele estivesse colocando pressão para a banda encerrar e ir embora, então ele fez um esforço para ficar tranquilo. Mesmo assim, houve um momento em que Hard Fiber e River Mouth estavam ambos cansados, mas Honey Drop ainda estava empolgado, e queria continuar.
— Você foi ótimo, rapaz — Dainty disse. — Mas já tá na hora de encerrar por hoje.
— É, eu sei — Honey disse, entristecido. — É que é tão legal tocar com vocês.
— Eu sei, é divertido mesmo — Fiber respondeu. — Imagina quando a gente fazer outro show?
— Eu acho que a gente devia dar um jeito nisso logo — River Mouth disse. — A gente já tem uma porção de músicas. A gente deve estar perto de um show completo.
— É, tem razão — Dainty disse. — A gente só precisa ensaiar mais as músicas, e… talvez seja hora de começar a marcar um show.
— Eu acho que dá pra fazer no teatro — River disse. — Acho que eles ficariam a fim.
— Isso seria o máximo! — Honey Drop disse. — Um show no teatro? A gente precisa tentar!
— A gente vai, sim, Honey — Dainty disse. — Eu acho que a gente consegue.
Eles começaram a guardar os instrumentos, e ambos River e Fiber saíram assim que estavam prontos, pois os dois precisavam descansar. Dainty e Steel ajudaram Honey Drop a guardar seu equipamento.
— Eu tô feliz que você tá feliz de novo, Honey Drop — Dainty disse. — Eu adoro a sua energia.
— Ah, obrigado, Dainty — Honey respondeu. — Tipo, é, eu tô feliz de novo, agora que os meus pais entendem que isso é importante pra mim… e, assim, eu sei que eu tenho que melhorar bastante, sabe… Eu queria ser um baterista melhor, porque vocês merecem…
— Honey, tem uma coisa que eu posso te dizer: você é um bom músico — Dainty disse. — Você é um músico de verdade, porque você tem a paixão, a dedicação, a necessidade de tocar. Você tem a essência. O que falta pra você é exatamente aquilo que a gente aprende com a prática, que é a técnica. Mas você pode ter toda a técnica em Equéstria, mas ninguém pode te ensinar a ter essa essência. Você tem isso no espírito, e é isso que te faz ser bom.
Honey Drop estava claramente emocionado. — Vocês são gentis demais — ele disse. — Eu não mereço tudo isso.
Steel Strings sorriu. — Sim, mas é que o Dainty não consegue se conter.
Dainty deu-lhe um cutucão forte, segurando uma risada. — Que malvado!
— Bom, mas é sério, eu prometo que vou praticar pra ficar melhor — Honey disse —, principalmente agora que a Pinkie tá me dando aula de novo.
— Ah, isso! — Dainty disse. — Aprende o máximo que der com ela!
Assim, eles se despediram, e Dainty olhou para Steel com um olhar faminto.
— Então, a gente tá esperando o quê? — ele disse, olhando para a porta.
Os dois pôneis estavam na cama, abraçados, enquanto a brisa suave e os sons da noite rodeavam a casa. Steel decidira passar a noite ali, e voltar para casa pela manhã.
— Eu senti tanta saudade, meu amor — Dainty disse. — Eu senti a sua falta.
— Meu querido, você vai ter que se acostumar com isso — Steel disse. — A gente ficou menos de uma semana sem se ver.
— É, eu sei, mas…
— Pensa como é maravilhoso a gente estar junto de novo depois desse tempo. No fim… a espera vale a pena, não?
— Sim, claro que vale, eu sei — Dainty disse. — Eu… quer dizer, eu… eu só gosto de ficar com você, e… — Ele suspirou, frustrado. — E tudo isso é culpa minha. Eu não devia nunca ter feito aquela reclamação ridícula. Só porque eu queria tocar piano enquanto você estava aqui. Foi pura mesquinharia—
— Dainty, meu doce — Steel disse, olhando profundamente para ele. — Você quer saber por que eu decidi fazer isso?
Ele olhou para Steel, percebendo que devia haver uma razão que ele não conhecia. — Sim… Claro.
Steel olhou para o teto, respirando fundo. — Eu fui… Eu fui noivo uma vez. Anos atrás. Eu conheci um garanhão, e ele era… um pônei maravilhoso, de bom coração, amoroso, muito querido. Nós nos apaixonamos, e meses depois ele me pediu em casamento. E eu aceitei. Eu estava nas nuvens, sabe, foi… foi lindo. — Ele deu um suspiro triste. — E então, eu comecei a ficar… mandão, exigente, ficava jogando tudo quanto é tipo de expectativa nele… Eu acho que não teve um dia que eu não reclamei de alguma coisa. Eu estava… sufocando ele, e, como ele era tão doce, eu achei que eu podia fazer de tudo, sabe. Só que… um dia, ele perdeu a paciência. Ele percebeu que, se eu estava agindo assim no nosso noivado, como é que seria depois?
— Ele… rompeu comigo, e a gente nunca se conversou depois disso. — Steel mordeu o lábio, e deu um suspiro trêmulo. — Eu… eu percebi que eu estava fazendo a mesma coisa com você, Dainty. Eu pensei que eu tinha aprendido a lição, que eu tinha mudado… mas eu não mudei. E eu não quero que isso aconteça com a gente. Eu preciso… respeitar o seu espaço, respeitar a sua vida… Eu tenho que fazer isso, sabe. É dever meu. É por isso que eu pedi isso. Eu não quero te machucar, Dainty, você é… Você é o pônei que eu amo, e, se eu não te tratar bem, então… Eu não quero te perder, Dainty. Entende que eu não tô fazendo isso pra te ferir, eu não tô fazendo isso pra te deixar mal, eu… eu preciso fazer isso.
— Que história triste, Steel — Dainty respondeu, tentando ser gentil. — Que pena você ter vivido tudo isso. — Ele virou-se para Steel, e segurou cascos dele entre os seus. — Se você acha que isso vai ser melhor pra nós, eu entendo. Eu confio em você. Eu… eu não posso exigir que você fique comigo se isso te deixar desconfortável, então… se isso for o melhor para você, então é o melhor para mim também.
Steel soluçou e sorriu. — Dainty Tunes, eu te amo tanto…
Ele beijou o rosto de Steel, e acomodou-se junto a ele. — Eu também te amo. A gente vai ficar bem. Vai ficar tudo bem.
Eles ficaram assim até o sono cair sobre os dois.
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