Nos próximos dias, Dainty Tunes viu-se obcecado com a ideia do show. É claro que essa era a ideia desde o início, mas agora, a ideia parecia mais real, mais tangível, mais plausível. Eles ficava voltando para o seu setlist, ponderando sobre as canções que eles já tinham aprendido ou que estavam ainda aprendendo, e começava a adicionar canções que podiam preencher os espaços vazios, planejando suas alternativas e considerando a ordem das músicas.
Seus pensamentos ficavam mais ambiciosos e mais específicos, e ele volta e meia começava a ter fantasias com o show, imaginando como a banda ocuparia o palco do Teatro de Ponyville, o plateia cheia de pôneis empolgados diante dele, impressionados com o poder daquelas canções e com o som da banda. Ele tocava as músicas dos discos e ensaiava performances pela casa, descobrindo como usar o corpo e o espaço em volta dele.
Ele também esboçou cartazes para o tal show, fazendo desenhos de como as fotos da banda seriam. Ele propôs algumas imagens mais tradicionais, com os membros da banda lado a lado, imaginando em qual ordem eles deviam estar: Dainty no centro, Steel e Fiber de cada lado, e River e Honey nas pontas respectivamente; ou talvez ele colocaria outro no centro, quebrando essa ideia de que o vocalista é o membro “mais importante”, e talvez a exuberância de Honey Drop tornava-o perfeito para ocupar o centro… mas isso poderia induzir os pôneis a pensar que ele era o vocalista.
E então, havia as ideias mais ambiciosas e artísticas para as fotos: os cinco rostos virados em direções diferentes, como na capa do primeiro disco da Tropa da Cidade, ou a banda em um campo de flores coloridas, imitando O Descobrimento de Equéstria—mas talvez fosse pretensioso demais reproduzir exatamente uma imagem icônica da Tropa, como se a banda de Dainty fosse sua substituta. Ele imaginava os cinco pôneis espalhados por um grande espaço público, cada um em uma pose diferente, casualmente ocupando o local. Eles deviam posar com seus instrumentos? Isso seria legal, dando mais ênfase à música, e menos aos pôneis em si.
Ele não mencionou essas ideias no ensaio seguinte, pois achou que eles deviam focar nas músicas, mas ele se baseou em seus esboços para sugerir novas músicas.
— Dainty, quem sabe a gente tenta Fábrica? — Honey Drop disse, quando Dainty mencionou começar uma nova música.
— Fábrica? Que escolha interessante, Honey! — Dainty disse, indo apanhar seu disco. — É, a gente pode dar uma ouvida nela e ver o que vocês acham. Eu também gostaria de aprender Vento no Litoral, mas a gente pode deixar essa pra outra hora.
— Essa música é meio lenta, não é? — Hard Fiber disse.
— Ela é, sim — Dainty disse —, mas eu acho que a gente precisa de umas músicas mais lentas pra dar um contraste, entende? É melhor ter umas dinâmicas no nosso show, tipo, umas partes lentas e umas rápidas, umas partes leves e outras mais fortes.
— É verdade — Steel Strings disse. — A gente precisa de contraste.
— Eu acho que a gente pode começar a trabalhar num setlist, sabe? — River Mouth disse. — Ou pelo menos dar uma olhada nas músicas que a gente já tem.
— Ah, eu já tenho feito isso! — Dainty disse. — Se vocês quiserem, depois eu posso mostrar o que eu fiz. Eu só não pensei em fazer isso ainda, porque a gente precisa aprender mais músicas.
— Tá, vamos ver, então! — Honey Drop disse. — Eu tô louco pra ver como o nosso show vai ficar.
— Tá bom, então. Vamos dar uma olhada em Fábrica primeiro, e aí a gente vê o setlist.
Dainty pôs a música para tocar, e a banda ficou trabalhando nela por um tempo, achando os acordes, as transições e as várias partes diferentes. Dainty sugeriu que algumas partes podiam ser tocadas no piano, sem interferir em seus vocais, então eles tentaram isso.
Depois de passarem a música algumas vezes, Dainty pegou algumas folhas de papel de sua escrivaninha, onde os esboços de setlist haviam sido escritos, junto com frases e ideias soltas. Ele levou os papéis até a cama, e a banda juntou-se para olhar.
— Então, esse aqui é o que eu tenho considerado mais — Dainty disse. — Tem todas as músicas que a gente já toca, e alguns espaços pra músicas que a gente ainda tem que aprender.
O setlist seguia assim:
- Será (!)
- Quase Sem Querer (!)
- Quando o Sol Bater na Janela do Seu Quarto
- (Acrilic on Canvas?)
- (Eu Era um Lobisomem Juvenil?)
- Sete Cidades
- (Ainda É Cedo / Eu Sei?)
- (Giz?)
- (Pônei na Cova dos Leões?)
- Há Tempos
- (Vento no Litoral?)
- (O Teatro dos Vampiros / O Mundo Anda Tão Complicado?)
- Vinte e Nove (!!!)
- (Antes das Seis / Vamos Fazer um Filme?)
- (Teorema / Esperando por Mim?)
- Tempo Perdido (!!)
— Tem algumas músicas que eu anotei porque eu queria sugerir depois, mas a gente pode substituir elas por outras, se vocês preferirem — Dainty disse.
— A gente tem que incluir Fábrica aí! — Honey Drop disse.
— Sim, com certeza! — Dainty disse. — Eu tô pensando, ela podia até ser a abertura do show, mas a gente discute isso outra hora.
— Tem bastante música aí — Hard Fiber disse. — Você acha que a gente consegue tirar tudo isso?
Dainty terminou de escrever a nova música no topo da lista, com um ponto de interrogação. — Eu acho que sim, Fiber. Mas, bom, a gente tem que ver.
Steel Strings tinha casualmente pego outra folha de papel, onde Dainty havia esboçado algumas ideias de cartaz. Ele ficou observando-a, até Fiber notá-la.
— Isso aí é o quê, Dainty?
Dainty ficou um pouco envergonhado, de repente. — Ah, isso é… Eu só tava imaginando… como a gente ficaria nas fotos, tipo, pra divulgar o show e tal…
— A gente não devia discutir isso entre nós? — Honey disse. — Você não vai decidir isso sozinho, né, Dainty?
— Não, não, de jeito nenhum, Honey — ele disse rapidamente. — Não, isso aí é… são só ideias soltas que eu comecei a fazer esses dias. É claro que a gente tem que conversar. Eu não tô planejando nada pelas costas de vocês. Eu só… tipo, eu não consigo parar de pensar no show. Eu tô empolgado, sabe.
— A gente tem bastante trabalho pra fazer ainda, pelo visto — Fiber disse.
— É — River Mouth disse. — Não vai… ficar um show muito longo, não?
— Eu estimei uma hora e meia — Dainty disse. — Acho razoável, né?
— Acho justo — Steel Strings disse.
— Então, bom, tudo tem que ser discutido, e vocês podem trazer as sugestões de vocês também, a qualquer hora — Dainty disse. — Agora, que tal voltar pras músicas? A gente podia tentar Vento no Litoral agora?
O resto da banda concordou, e eles começaram a trabalhar.
Com o passar dos dias, Dainty Tunes ficava mais e mais entusiasmado e ansioso com suas ideias para o show. Ele se debruçava sobre o setlist, olhando as músicas que eles ainda não tinham aprendido, e ficava desejando que eles tivessem mais ensaios para trabalhar nelas. Eles deviam começar a trabalhar em Eu Era um Lobisomem Juvenil em seguida… ou talvez O Teatro dos Vampiros? Sim, essa tinha mais potencial. Ah! Mas Giz era tão linda! Essa devia ser a próxima. Mas por que não todas as três ao mesmo tempo? Por que não todas elas ao mesmo tempo?
Ele fazia esboços do mapa do palco, tentando equilibrar a presença de cada membro. Eles eram em cinco, e a bateria devia ficar no centro, e havia três guitarristas, então haveria um desequilíbrio. Ah! E ele queria tocar piano em algumas músicas, então ele devia estar lá também. Como organizar isso?
O tempo livre dele era gasto em loucas espirais de pensamentos obsessivos sobre a banda, alternadas com sua vontade intensa de ver Steel Strings de novo. Em um momento, ele percebeu que não estava dormindo direito, e ele poderia estar ficando com a saúde prejudicada. Ele pensou que dar umas caminhadas podia ajudar a distrair sua mente, mas, quando ele saía, tentando prestar atenção na paisagem e nos sons ao redor, ele sentia uma vontade imensa de correr para casa e olhar o setlist de novo e fazer mais planos.
Em um ensaio numa quinta, Dainty estava elétrico enquanto esperava pelos colegas. Steel Strings e River Mouth foram os primeiros a chegar, e ele já tinha começado a falar das músicas novas nas quais ele queria começar a trabalhar. Quando Honey Drop chegou, ele correu para trazer a bateria para dentro. Dainty perguntou como ele andava treinando, como estavam as aulas com Pinkie, que músicas ele queria aprender, se ele achava que podia estudar mais de uma música ao mesmo tempo. Honey Drop foi respondendo até ser interrompido por um berro e uma pancada vindos lá de dentro.
— Santa Luna! Você está bem? — ele ouviu Steel dizer.
Honey correu para dentro e viu Dainty caído no chão, segurando a caixa sobre a cabeça.
— Putz grila! — ele disse, correndo para ajudá-lo, enquanto River Mouth pegava a caixa que ele segurava. — Você se machucou?
— Eu tô bem, eu tô bem — Dainty disse, com uma cara de quem não está bem. — Desculpa, Honey, eu tropecei e quase deixei a caixa bater no chão. Como é que ela ficou, River?
— Acho que tá tudo em ordem — ela disse, examinando-a superficialmente. — Eu acho que ela não bateu no chão. Você tá bem mesmo?
— Não foi nada — ele insistiu. — Não é a primeira vez que eu tropeço, né?
— Dainty, você bateu o rosto? — Honey disse, notando um roxo perto do olho dele.
Ele riu, encabulado. — Que bobeira, né? Gente, parem de se preocupar comigo, a gente tem que se preparar.
— Querido — Steel disse, aproximando-se dele e colocando um casco sobre seu ombro —, relaxa. Você se machucou. Você bateu o rosto. Não tá doendo?
Dainty não aguentava aqueles doces olhos encarando-o. Aquela preocupação parecia quase oprimi-lo. — Um pouquinho — ele disse, envergonhado. — Gente, eu vou sobreviver. Isso não é nada.
— Dainty, meu amor, para de ser tão rígido com você mesmo — Steel disse, quase ralhando. — Vem comigo, descansa um pouco. Deixa a banda pra depois.
— Não! — ele respondeu, de sobressalto. — Eu não posso deixar a banda pra depois, só porque eu caí no chão que nem um pateta!
— Cara, para com isso! — Honey Drop gritou.
Dainty e Steel pararam de repente.
— A gente tá preocupado com você! Nós somos seus amigos! — Honey prosseguiu. — Escuta o seu namorado, cara. Não tem por que correr. A gente tem que esperar pelo Fiber, mesmo.
Dainty virou-se para ele, e parou para prestar atenção a essas palavras. “Seus amigos”. “Seu namorado”. Era isso que aqueles pôneis eram, não? Eles eram mais do que colegas de banda. Era estranho que ele sempre se esquecia disso.
— Eu…
Ele finalmente prestou atenção ao seu ferimento, e percebeu a dor que ele sentia. Ele fez uma careta e apertou as pálpebras.
— Ai. É, você tem razão… Vocês todos têm razão — ele disse. — Eu tô exagerando, né?
— Sim.
A palavra veio dos três, em um uníssono perfeito e acidental. Dainty olhou ao redor, um pouco decepcionado.
Honey Drop, que estava saindo, parou e deu de ombros. — Mas é verdade!
— É, sim — Dainty disse, assim que Steel levou-o para a cama e foi para a cozinha. — Eu… Eu sei lá, eu tô tão empolgado, que eu… bom, eu não consigo me conter, sabe. Eu nunca me senti assim.
— Só lembra que a gente tem muito o que fazer ainda — River Mouth disse. — Tenta ficar focado no que dá pra fazer no momento. Às vezes, quando eu tenho uma coisa grande pra fazer, eu tento quebrar ela em pedacinhos, e focar em cada coisa que eu posso fazer de cada vez — ela disse. — E, se não tem nada que eu possa fazer em um momento, eu arranjo outra coisa.
— Sim, isso faz sentido — Dainty disse, enquanto Steel Strings trazia alguns cubos de gelo enrolados em um pano. — Eu… Ai, cuidado, amor. Ai. Isso. Obrigado. Sim, é por aí mesmo, River — ele continuou —, mas eu não consigo me controlar. Eu só… eu quero que as coisas aconteçam.
— Vai acontecer, amigo, não esquenta — ela disse, notando que Hard Fiber estava chegando.
— Oi, gente — ele disse. — Eu espero não estar atrasado.
Os outros cumprimentaram-no, e disseram que ele não estava.
— O quê que aconteceu aí, Dainty? — ele disse, largando seu amplificador.
— Eu caí de cara no chão e me machuquei — Dainty respondeu.
— Ai, putz — Fiber respondeu, encolhendo-se. — Que porcaria.
— Foi mesmo. Mas eu vou ficar bem.
Steel Strings ficou cuidando dele por um tempo, enquanto os outros montavam o equipamento e faziam seu aquecimento, até ele achar que já estava bem.
— Eu acho que tá bom, querido — ele disse, beijando-lhe o rosto. — Pega leve, tá bem?
Dainty encarou-lhe, brincalhão. — E a nossa postura profissional, Steel Strings?
Steel deu um sorriso atrevido. — Bom, se é assim que você quer, Sr. Profissional, então levanta daí e vai trabalhar.
Dainty riu e balançou a cabeça. — É, eu mereci essa.
A banda estava bem aquecida naquele ensaio, e conseguiu trabalhar em duas músicas novas. O machucado de Dainty Tunes inchou um pouco, mesmo com o cuidado de Steel, e incomodava um pouco quando ele cantava, mas ele fez o que pode. Como de costume, eles tocaram algumas canções mais antigas, só para deixá-las em forma.
Dainty sentiu que sua impaciência e ansiedade desapareciam enquanto eles estavam tocando. Ele pensou bastante no que River Mouth dissera sobre focar apenas no que podia ser feito no momento, mas ele sentia que logo voltaria ao estado anterior assim que o ensaio acabasse.
Ao final, eles estavam todos satisfeitos, e tocaram até um pouco mais tarde do que eles costumavam. River Mouth já estava bocejando quando eles decidiram encerrar.
— Como você tá, Dainty? — Fiber disse. — Tá se sentindo bem?
— Sim, sim, eu tô — ele disse, com um tom confiante. — O inchaço tá incomodando, mas eu tô bem.
— Bom saber, Dainty — River disse. — Eu tava preocupada que você estivesse fazendo muito esforço depois do que aconteceu.
— Não se preocupa, eu tô bem — ele respondeu, embora notasse que ele sentia um pouco de dor de cabeça. — Então, como estamos de datas? Vocês estão livres no sábado?
Steel, Fiber e River disseram que sim.
— Sabe, gente — Honey Drop disse —, eu, é… eu meio que sinto saudade daquele dia em que a gente saiu, sabe, pra bater papo e se divertir… Será que dava pra fazer de novo?
Dainty casualmente olhou para os outros. — Ora, claro que dá. É uma boa ideia, me parece!
— Eu tô a fim! — Hard Fiber disse. — Pode ser nesse sábado mesmo?
— Pois é, eu tava pensando nisso — Honey disse. — Tipo, eu sei que o Dainty quer trabalhar nas músicas, então a gente podia deixar pra outro dia.
— Pra mim tá bem fazer nesse sábado — Dainty respondeu. — Pode me fazer bem dar uma folguinha na música.
Assim, eles marcaram outro piquenique, e cada um deles traria algo para dividir com os outros. RIver, Honey e Fiber foram para casa, e Dainty fechou a porta.
— Então, você tá bem, meu doce? — Steel disse. — Você parece meio devagar.
— É, eu tô pegando leve — ele respondeu. — Eu… eu tô com uma dorzinha de cabeça, mas não é nada demais.
— Dor de cabeça? Ah, vem cá, meu anjo — Steel disse, levando-o para a cama. — Deita aqui e descansa. Quer um chazinho?
— Hm, quero, sim! — Dainty respondeu, já indo para a cozinha.
— Ei, aonde você vai? — Steel ralhou. — Você fica aqui, descansando, e deixa que eu me encarrego.
— Mas eu tô bem, amor! — Dainty disse, com um sorriso desajeitado. — Eu tô bem mesmo.
— Dainty, Dainty, escuta — Steel disse, empurrando-o de leve para a cama. — Você tem a desculpa perfeita pra ser mimado por alguém, e não quer aproveitar?
Ele riu, encabulado. — Eu só… não tô acostumado com isso.
— Então deita aí e deixa eu te mostrar como se faz — Steel Strings disse —, porque, quando eu precisar ser mimado, você sabe como fazer. Tá bom?
Dainty deu-lhe um olhar enviesado e deitou-se na cama. — Eu devia saber que você tinha segundas intenções.
— Sempre, meu bem, sempre — Steel riu, e foi para a cozinha. — Você toma seu chá com açúcar?
Ele cogitou, pensando que costumava tomar seu chá sem açúcar. — Hmmm… sim, dois cubinhos, amor — Dainty disse.
*
Steel Strings e Dainty Tunes saíram da casa juntos naquela manhã. Steel voltou para sua oficina, e Dainty seguiu para o prédio no qual sua equipe estava fazendo reparos. Iron Bolt e Jack Hammer notaram o inchaço no rosto de Dainty. Ele sorriu embaraçado e pensou que poderia parecer mais digno dizer que ele levara um soco em uma briga, do que admitir que ele caíra de cara no chão em sua casa, mas ele não tinha coragem de mentir assim.
Mais do que qualquer coisa, ele se sentia bem naquela manhã. Não havia dor de cabeça, e o inchaço era apenas uma chateação, e não doía. Seus dois amigos convidaram-no para ir ao bar à noite, e ele concordou. Já havia algum tempo que ele não ia lá, pois as provocações daqueles dois pôneis deixaram ele realmente incomodado. Talvez desta vez fosse diferente.
No intervalo de almoço, ele foi buscar algumas coisas para o piquenique. Antes de voltar ao trabalho, ele parou na Esquina do Torrão de Açúcar, e não conteve um sorriso ao ver Pinkie Pie atrás do balcão, atendendo a alguns clientes. Dainty aguardou atrás dos outros pôneis, esperando sua vez, e, em poucos momentos, Pinkie cumprimentou-o.
— Olá, Dainty Tunes! — ela disse, com seu sorriso de sempre. — Como é que vai a banda?
— Oi, Pinkie! — ele respondeu, com um pequeno surto irresistível de alegria. — A gente vai muito bem. Inclusive nós faremos um piquenique amanhã, e eu quero comprar alguns doces pra levar.
— Oooh, um piquenique? Aposto que vai ser uma mega diversão! — ela respondeu. — Então, o que você vai escolher?
— Eu estou pensando em alguns bolinhos… uns dez, talvez? Acho razoável.
— Dez bolinhos para levar! Qual sabor?
Ele cogitou por um momento, e cerrou um pouco os olhos. — Me surpreende.
Os olhos dela se arregalaram enquanto ela rapidamente escolhia dentre os vários bolinhos à mostra, e a mente dele começou a correr com os pensamentos típicos. Ele pensou em perguntar algo a ela, e olhou para trás para ver se tinha mais alguém esperando, mas, por sorte, não havia ninguém.
— Pinkie, você…
Ela lhe deu uma olhada rápida por cima do balcão. — Sim?
— Ãh, você tem às vezes a sensação de que… você está tão empolgada com uma coisa, que você não consegue parar de pensar nela, ao ponto de ficar… impaciente, e não conseguir se concentrar em mais nada?
— Claro, o tempo todo! — Pinkie disse, enquanto ela selecionava os bolinhos e colocava-os em uma bandeja. — Eu fico super empolgada quando tem algo legal prestes a acontecer, e eu fico toda agitada! E eu não consigo esperar pela coisa que vai acontecer, e eu fico me perguntando, já tá na hora? Não… Já tá na hora? Não… Já tá na hora? Não… Já tá na hora? Não… — Ela alternava um olhar de alegre antecipação com outro de murcha decepção enquanto repetia isso. — E eu fico assim por um tempo!
— É, eu tô meio assim agora — ele disse, enquanto ela terminava de guardar os bolinhos. — Então, o que você faz quando fica assim?
Ela levou um casco ao queixo. — Hm… na verdade, depende! Mas eu procuro algo pra fazer que seja bem diferente daquilo que vai acontecer, pra me distrair. Ah! E visitar os amigos também é ótimo! Se eu escuto as coisas que outro pônei tem a dizer, isso me ajuda a parar de pensar nas minhas próprias coisas. E eu sou uma ótima ouvinte, sabe?
— Com certeza você é, Pinkie — Dainty respondeu. — É… visitar amigos… É estranho, porque eu não… costumo fazer isso. Eles vão na minha casa pra ensaiar, mas a gente raramente… se vê, sabe. Que bobagem minha! Eu devia ver eles mais vezes.
— Aposto que eles vão gostar, Dainty Tunes! — ela disse. — Então, isso é tudo?
Ele olhou as outras delícias à mostra na loja, e pôs um casco no queixo. Seus amigos mereciam mais.
*
Dainty esperou Steel Strings chegar em sua casa. A banda havia marcado de se encontrar no Lago Saddle, então, logo que Steel chegou, os dois foram para lá. Eles encontraram Honey Drop, sentado à margem do lago, com uma cesta ao lado. Dainty chamou seu nome, e ele virou-se e acenou para os dois amigos.
Os três abriram uma toalha sobre a grama, mas decidiram esperar pelos outros antes de pegar a comida. River Mouth chegou minutos depois, e eles logo começaram a conversar sobre a vida em geral. Dainty percebeu que, talvez de forma inconsciente, ele estava evitando falar de qualquer coisa relacionada à banda. Afinal, aquela não era uma reunião “profissional”, então eles podiam apenas aproveitar a companhia um do outro. Mesmo assim, se o assunto da música surgisse, não seria uma intrusão; só não havia nada de “trabalho” para fazer ali.
Os quatro ficaram sentados, conversando por um bom tempo, e começaram a pensar onde andaria Hard Fiber. River Mouth tentou ficar tranquila, lembrando que ele costumava chegar por último nos ensaios, então ele devia estar a caminho.
Após um tempo, River e Honey concordaram em pegar algo para comer, embora o grupo não estivesse completo. Dainty estava um pouco preocupado, e, apesar dele não saber há quanto tempo eles já estavam ali, já parecia ter passado bastante tempo. Steel via a preocupação no olhar de Dainty, que seguidamente olhava em volta, na esperança de ver Fiber chegando.
Chegou ao ponto de os quatro ficarem preocupados, e, então, River enxergou-o ao longe, caminhando devagar com uma cesta pendurada na boca. Ela lhe fez um gesto, e ele aproximou-se. Os quatro cumprimentaram-no enquanto ele largava a cesta no chão.
— Oi, gente — ele disse, sentando-se. — Desculpa a demora.
— Tá tudo bem? — River Mouth disse, notando que o tom dele estava meio murcho.
— Ah, sim, claro, eu só… tive umas coisas pra fazer em casa antes de sair — ele respondeu, sem conseguir olhar para eles.
— Eu sei como isso é — Steel disse, sorrindo. — Sempre que eu queria sair, quando era mais novo, a minha mãe usava isso pra me obrigar a fazer as minhas tarefas, tipo, “ah, você quer sair? Só depois que arrumar o quarto!” e tal.
River Mouth riu-se. — É, os meus pais eram assim também. Será que tem um manual que ensina os pais a fazerem essas coisas?
— Se tiver, ele deve ser secreto — Steel disse. — Eu nunca vi!
— Eu acho que você precisa ter um potrinho pra que eles te mostrem — River respondeu. — Tipo, agora você pode entrar no grupo secreto de pais e saber tudo que a gente escondia de você
Steel e Dainty riram.. Honey Drop, porém, notou que Fiber estava ainda mais aborrecido do que antes.
— Fiber, aconteceu alguma coisa? — ele disse.
— Ah, não… não é nada, não, eu… Eu não quero chatear vocês com nada disso — Fiber disse. — Tá tudo bem.
— Você pode conversar se quiser, você sabe disso — River Mouth disse. — A gente é teu amigo.
Fiber olhou para os rostos deles, e notou que eles estavam preocupados, e talvez suas tentativas de se esquivar do assunto não estavam ajudando.
— Bom, é que… o meu irmão — ele disse. — Ele… ele às vezes tem essas crises, sabe, e ele fica… incontrolável. Eu não sei por que, ele… fica assim, às vezes, e eu… eu tive que ficar pra tentar acalmar ele. Eu não gosto de sair e deixar ele assim, sabe, e o meu… o meu pai diz às vezes que eu tento fugir da responsabilidade, mas eu não tô, eu juro! Eu só… eu quero ter a minha vida, sabe. — Ele esfregou o rosto e suspirou. — Por que ele não é normal? — ele desabafou, apertando os olhos. — Desculpa, é horrível dizer isso, tipo, esperar que alguém seja “normal”, mas… me dói quando ele fica desse jeito. Eu amo o meu irmão, eu juro que eu amo ele. Eu só… eu detesto ver ele assim. Se ele… fosse que nem os outros pôneis, seria melhor pra todo mundo… mas… bom, eu não posso fazer nada, né?
Honey Drop pôs um casco no ombro dele. — Que triste isso, cara. Não deve ser nada fácil.
— É, a gente tá aqui pra te apoiar, Fiber — River Mouth disse. — É uma pena essa situação.
— Valeu. Eu não quero que vocês sintam pena de mim, sabe, mas… — Ele suspirou de novo. — Às vezes é difícil não ter ninguém pra conversar sobre isso, sabe? Se eu falasse essas coisas pra minha família, eles ficariam magoados… mesmo que não fosse a minha intenção.
— Você pode falar com a gente sempre que quiser, Hard Fiber — Steel disse. — Faz bem conversar.
— É verdade. Eu já me sinto um pouco melhor, na verdade — Fiber respondeu, com um rastro de um sorriso. — Valeu, gente. Vocês são ótimos… Agora, eu tô com um pouco de fome, sabe?
Os outros sorriram e começaram a pegar a comida das cestas.
O resto da tarde foi tranquilo e agradável para os cinco, e eles ficaram ali até começar a escurecer. Honey Drop ficou um pouco preocupado quando ele percebeu que já era tarde, pois seus pais poderiam reclamar, então ele rapidamente pegou suas coisas, despediu-se de seus amigos e correu para casa. River Mouth e Hard Fiber tomaram isso como sua deixa para ir para casa também, pois eles tinham coisas para fazer. Assim, Dainty e Steel pegaram suas coisas e voltaram para a casa de Dainty.
*
O ensaio daquela semana estava marcado para a quinta, e Dainty teria que achar algo para ocupar suas outras noites, como sempre. Porém, eles haviam conversado sobre a possibilidade de se encontrarem mais vezes ao longo da semana. Dainty disse que os outros podiam visitá-lo sempre que quisessem. Hard Fiber às vezes tinha impeditivos por cuidar de seu irmão, mas ele às vezes estava disponível para conversar. River Mouth tinha sua pesquisa de campo, então ela estava com pouco tempo livre, mas disse que ia dar um jeito. Honey Drop disse que os outros estavam convidados a visitar sua casa e conhecer a fazenda, e Dainty interessou-se bastante.
Na terça, depois do expediente, ele pensou em fazer uma visita a Honey Drop. Ele pôde conhecer os pais dele, depois de apenas ouvir falar deles. O Sr. e Srª Honey tinham a seriedade e maturidade peculiar dos pôneis que trabalham duro a vida inteira, mas eles foram muito solícitos e amigáveis com Dainty, e ele sentiu que os dois estavam felizes em conhecer o tal músico de quem Honey Drop tanto falava. Dainty conversou com ele por um bom tempo, ficou sabendo de sua história, e também dividiu um pouco da sua. Ele conheceu a fazenda, aprendeu um pouco sobre os métodos de apicultura, e foi até o quarto onde Honey Drop mantinha a bateria montada, para que eles conversassem sobre música e outras coisas diversas. Foi uma visita agradável, e ele se sentiu renovado quando voltou para casa à noite.
Então, a noite de quinta chegou, e a banda reuniu-se na casa dele para prosseguir trabalhando. Enquanto eles preparavam seu equipamento, Dainty propôs algo novo desta vez: eles dariam uma ensaiada nas músicas novas, e então eles tocariam um setlist inteiro, como se fosse um show de verdade.
— Mas a gente tem um setlist? — Hard Fiber disse.
— Bom, eu tenho os meus esboços — Dainty disse. — Mas eu acho que, se a gente tentar tocar todas as músicas que a gente sabe, a gente vai ter a sensação de como seria um show de verdade. E a gente pode conversar sobre a ordem das músicas depois. O que vocês acham?
— Eu acho uma boa, Dainty — River Mouth disse. — A gente já vem tocando por tanto tempo, seria bom ter uma noção de como seria o nosso show.
— Tá bom, então. Vamos aprontar as músicas novas, e aí eu pego os meus esboços — Dainty disse.
Eles trabalharam por um tempo nas novas músicas que eles estavam treinando, até ficarem satisfeitos. Então, Dainty apanhou o esboço de setlist mais completo que ele tinha e colocou-o no chão, perto do suporte do microfone, para avisar à banda qual era a ordem das canções.
Então, eles abriram com Será, e, depois de falar sobre alguns detalhes de como melhorar a execução, eles foram para Quase Sem Querer, e foram tocando música após música, aos poucos sentindo que aquele era um show para uma plateia inexistente. Foi empolgante fazer isso, e, embora eles cometessem alguns erros nas execuções, a atmosfera foi boa, e eles tinham a sensação de uma banda de verdade.
Ao final, eles discutiram algumas coisas que podiam melhorar, e deram sugestões sobre a ordem das músicas. Às vezes havia uma considerável discordância—Honey Drop insistia que não podia ter duas músicas lentas em sequência, enquanto Steel Strings achava bom ter um momento mais suave no show, para que o público recuperasse o fôlego— e eles colocaram tais assuntos em votação. Ocorreu que River Mouth, Steel Strings e Dainty Tunes geralmente concordavam em suas opções, deixando os outros dois em desvantagem, e Honey Drop começou a achar isso injusto, pois eles não eram ouvidos.
— Eu tô tentando ser justo com todo mundo — Dainty disse. — Você pode tentar nos convencer da sua opinião sempre que achar que pode, Honey Drop.
— Eu tô tentando! Mas parece que vocês me ignoram quando eu digo alguma coisa — Honey respondeu.
— Eu não sei, Honey, eu acho que eu nunca te ignorei — Dainty disse. — Você sugeriu que a gente tocasse Fábrica, e a gente incluiu ela no setlist, lembra? Só que nem sempre a gente concorda com tudo.
— É que o Fiber e eu estamos sempre em desvantagem — Honey disse. — Tipo, é garantido que você e o Steel vão sempre votar juntos, mesmo, então…
— O quê? Não, não é verdade, Honey! — Dainty protestou, sem levantar o tom. — Não é garantido, não. Assim, a gente seguido discorda quando a gente conversa, então não diz que a gente tá se juntando contra você. Não é justo.
— Tá, que seja — Honey disse. — Eu não quero provocar briga nem nada. Eu só quero… sabe, participar um pouco mais, é só isso.
— Tá bom, então, o que você acha que a gente tem que repensar? — Dainty disse.
— Bom, é que eu não acho que a gente devia tocar O Teatro dos Vampiros e Vento no Litoral em sequência. Elas são muito lentas e tristes! Vai puxar o clima pra baixo.
— Eu ainda acho melhor se for assim — Steel Strings disse. — Se as músicas lentas ficarem muito espalhadas, elas vão quebrar demais o ritmo.
— É, mas… — Honey Drop não conseguiu pensar em nada para dizer, e apenas suspirou.
— Bom, e se, por exemplo, a gente trocar O Teatro dos Vampiros por Giz, e colocar ela em outro lugar do setlist? — Dainty disse. — A gente podia colocar O Mundo Anda Tão Complicado no final desse bloco. Ela é mais agitada, e é uma música mais suave. Então, a gente muda O Teatro dos Vampiros de lugar, e coloca ela junto com músicas que não sejam tão lentas. Que tal?
— Pode dar certo — Steel Strings disse.
— Anota isso, Dainty, e a gente tenta na próxima vez — River Mouth disse.
— Pode ser, Honey Drop? — Dainty disse.
Ele acenou com a cabeça, devagar. — Acho que sim. Vamos tentar.
Então, eles continuaram fazendo mudanças e acertos, e Dainty guardou o esboço. Eles ainda tinham tempo sobrando, e decidiram tocar músicas que eles achavam que precisavam de melhorias.
Naquele sábado, eles se reuniram para trabalhar em novas músicas. Eles perceberam que havia poucas músicas no setlist que eles ainda não haviam aprendido, e viram que eles teriam seu show completo em algumas semanas.
— Vocês não acham que já dá pra tentar marcar o nosso show? — River Mouth disse. — Tipo, a gente não vai conseguir uma data pra agora, então a gente vai ter tempo de ensaiar tudo que precisa.
— Eu concordo com você, River — Hard Fiber disse. — Se a gente não se agilizar, a gente não vai chegar a lugar nenhum. A gente vai ficar só ensaiando pra sempre.
Dainty não podia evitar sentir o mesmo receio que ele sentira quando eles marcaram seu primeiro show, mas ele tentava não se deixar dominar pelo medo. — É, vamos fazer isso. A gente pode ir até o teatro essa semana e conversar com eles. A gente fez nossa audição lá, então eles devem se lembrar da gente.
— Eu posso ir com você, se você quiser, Dainty — Steel disse.
— Seria ótimo, meu am— Steel — Dainty respondeu. — Quem sabe segunda? Eu acho que consigo ir lá no intervalo do almoço.
— Acho que terça fica melhor pra mim — Steel disse.
— Eu posso ir também, se vocês não se importam — Hard Fiber disse.
— Não, claro que não! — Dainty respondeu. — Então vamos nós lá! Na terça.
Eles terminaram seus acertos, e prosseguiram com o ensaio. Eles começaram a trabalhar em uma música nova, e de novo tocaram o setlist, incorporando as mudanças sugeridas no ensaio anterior. Dainty achava bom que esse provavelmente seria um método de trabalho para eles, e ajudaria a melhorar o seu som e sua performance. Como de sempre, eles discutiram melhorias, sugeriram mais mudanças para o setlist, e, após algumas horas de trabalho, estavam ficando fisicamente cansados. Aquele fora outro dia cansativo e produtivo, e Dainty sentiu seus colegas irem embora satisfeitos.
Na terça, conforme seu acerto, Dainty Tunes, Steel Strings e Hard Fiber encontraram-se na frente do teatro para tentar marcar seu show. Dainty estava bem nervoso, pois havia algo incômodo na ideia de tentar convencer alguém de que sua banda mereceria tocar ali. Eles tinham centenas de motivos em potencial para rejeitar a Manada de Ponyville, ao ponto em que eles poderiam listá-los tanto em ordem alfabética quanto na ordem do menos vergonhoso até o mais.
Porém, a conversa com o gerente do teatro foi tranquila e razoável. De fato, o gerente lembrava-se deles do dia da audição, e eles conversaram sobre o equipamento e a montagem do palco, e as datas disponíveis. Dainty estimou que eles ainda precisavam de no mínimo um mês de preparação, para terminar os ensaios e divulgar o show pela cidade. O detalhe que mais chamou a atenção do gerente é que eles não queriam cobrar pelo show.
— E vocês vão fazer tudo isso de graça? — ele disse, sem disfarçar sua surpresa.
— Sim, isso é… parte do acordo, sim — Dainty disse. — A gente só pode tocar essas músicas se a gente não lucrar.
— Bom, tudo bem — o gerente disse —, mas a gente tem que cobrir os custos da realização do show. Eu não posso fazer ele de graça.
— Nesse caso, vocês podem colocar um preço que acharem razoável, e ficarem com todo o dinheiro — Steel Strings disse. — Você concorda, Dainty?
— Claro, com certeza — ele respondeu. — Claro que sim. Quer dizer, a gente não quer dar prejuízo pro teatro. O que importa é que a gente não ganhe dinheiro.
Assim, eles saíram do teatro com uma lista de datas possíveis, todas nos sábados. Eles conversariam com os colegas no próximo ensaio, e voltariam com sua escolha final.
— Puxa, obrigado, gente — Dainty disse quando eles saíram do prédio. — Eu não teria conseguido fazer isso sozinho.
— Foi um prazer, querido — Steel Strings disse.
— É, sem problema, cara — Hard Fiber disse. — A propósito, se você quiser, vocês podem vir na minha casa essa noite, se quiserem conversar. Que tal?
— Essa noite eu tô ocupado, infelizmente — Steel disse. — Eu tenho um serviço pra terminar até amanhã.
— Bom, eu tô livre — Dainty disse. — Vai ser um prazer te visitar, Fiber! Eu apareço lá depois do serviço… por sinal, eu preciso voltar rápido pra lá.
— Claro, meu bem, não se atrasa — Steel disse, beijando seu rosto de leve.
— A gente se fala de noite, Dainty! — Fiber disse, antes de Dainty sair para voltar ao trabalho.
*
Dainty Tunes bateu na porta da casa de Hard Fiber, e, após alguns segundos, ele abriu a porta.
— E aí — ele disse. — Entra, Dainty.
— Obrigado, Fiber! Como é que você vai?
— Eu vou bem, amigo — Fiber disse, fechando a porta após Dainty entrar.
Dainty notou um aroma distante, porém distinto naquela casa. Ele não conseguia identificar o que era, mas era agradável. Em duas poltronas junto a uma parede, dois pôneis estavam sentados, trabalhando. Dainty já havia visto-os antes, e sabia que eram a mãe e o irmão de Hard Fiber. Ela estava trabalhando em uma peça de tricot, e volta e meia olhava para o irmão de Fiber, que rapidamente manipulava peças de barbante em seus cascos. Ele balançava o corpo para frente e para trás, e tinha uma expressão vazia no rosto, que não combinava com os movimentos apressados, quase caóticos de seus cascos, mas que pareciam deliberados e decididos demais para serem aleatórios.
— Então, essa é a minha mãe, Twill Weave — Fiber disse, apontando para ela. — Mãe, esse é o Dainty Tunes, o cantor da minha banda.
— Sim, eu já o conhecia — ela disse. — Boa noite, Sr. Tunes.
— Boa noite para a senhora também, Srª Weave — ele disse.
— E esse é o meu irmão mais novo, Macramê — Fiber prosseguiu. — Ele não vai conseguir te dar boa noite, mas pelo visto ele gosta de você.
Dainty sorriu, desajeitado. — É, que bom ouvir isso — ele disse.
— Você vê todos esses nós aqui? — Fiber disse, apontando para uma série de belos e complexos nós decorativos colocados sobre os móveis da sala. — Foi ele que fez todos eles. Ele tem um talento natural para nós. Não é, garoto?
Macramê não respondeu, mas Dainty sentia que Fiber conseguia pegar pequenos sinais que indicavam como ele se sentia. O jovem pônei às vezes dava pequenos grunhidos e gemidos, e parecia que isso era tudo que Dainty ouviria dele.
— É, ele tá bem à vontade com você aqui, Dainty — Fiber disse, levando-o para seu quarto. — Vem cá, eu queria te mostrar uma coisa.
Fiber tinha sua guitarra ligada no amplificador, o que sugeria que ele estivera ensaiando. Um violão estava encostado na parede oposta. Fiber sentou-se na cama e pegou a guitarra, e convidou Dainty a se sentar em uma cadeira no canto do quarto.
— Eu falei outro dia que eu não consigo muito tempo pra praticar — Fiber disse —, mas eu tento aproveitar todas as chances que eu tenho. E agora que a gente tá marcando o nosso show, eu vou tentar fazer isso ainda mais.
— É, sim, você tem que encontrar o seu próprio ritmo, Fiber — Dainty disse. — Tem que ser confortável pra todo mundo.
— Eu acho que sim — Fiber disse. — Então, eu tenho experimentado umas linhas pra Tempo Perdido, sabe, e eu… Bom, os acordes são dó maior, lá menor, si menor e mi menor, né? É isso que o Steel toca no violão.
— Sim, é isso mesmo — Dainty disse.
— Pois é, eu às vezes tento encontrar algumas coisas pra tocar nessa música, tipo aqueles arpejos e linhas e tudo. Então escuta isso. — Ele começou a tocar algumas frases, que Dainty imediatamente reconheceu como Tempo Perdido, embora Fiber estivesse improvisando. — É isso que eu sempre faço, sabe. Mas olha isso agora.
Ele tocou quase o mesmo que antes, mas mudou as notas em um dos acordes. Dainty acenou com a cabeça, compreendendo imediatamente o que ele estava fazendo.
— Tipo, isso é diferente do que eu faço, mas parece que funciona — Fiber disse. — Eu acho que, em vez de tocar um ré, eu tô tocando um mi bemol, eu acho. É isso? Eu não sei, eu não sei bem o que eu tô fazendo, mas parece que fica bem.
— É, fica sim — Dainty disse. — Você tá tocando um si maior em vez de si menor, então isso é um ré sustenido, não mi bemol. Você tá tocando o dominante maior em uma progressão em tom menor, é isso é super normal. É por isso que fica bem pra você.
— Ah, então é isso que eu fiz? — Fiber disse. — Que interessante. Eu não sabia que dava pra tocar esse acorde dentro desse tom. Eu achava que esse acorde devia ser menor.
— Pode tanto ser maior quanto menor — Dainty disse. — Bom, na verdade, qualquer acorde pode ser o que você quiser, sabe? Você não precisa tocar só os acordes do campo harmônico. O que acontece é que alguns acordes são mais comuns do que os outros, então alguns fazem mais sentido quando a gente ouve. E o dominante maior é bem comum. Tipo, esse ré sustenido que você toca sobre pro mi. A gente chama essa nota de sensível. É por isso que às vezes a gente substitui o acorde menor pelo maior.
— Hã, interessante — Fiber disse. — Que legal. Mas, assim, será que isso funcionaria se eu tocasse assim na música? Quer dizer, eu tô tocando isso sozinho, mas eu não sei como vai ficar com a banda.
Dainty tentou escolher as palavras com cuidado. — Bom, eu acho que ficaria meio estranho, porque você estaria tocando um acorde enquanto o Steel tocaria outro. E a melodia que eu canto segue os acordes do Steel, então teria bastante conflito, tipo, duas coisas diferentes ao mesmo tempo. Eu acho que, como a música usa si menor, é isso que a gente tem que tocar. Mas sim, a gente poderia substituir por si maior se a gente quisesse, e ficaria bem.
— Entendi. É, isso é interessante. É engraçado que às vezes a gente descobre umas coisas legais sem querer.
— Sim, eu faço isso às vezes — Dainty respondeu. — Eu deixo os meus cascos tocarem sozinhos, e quando alguma coisa fica legal, eu tento usar ela. É divertido descobrir as coisas ao acaso.
— Eu acho que eu devia fazer isso mais vezes — Hard Fiber disse. — Quer dizer, pra aprender as músicas da banda, é melhor seguir o que tá no script, né?
— Bom, você pode tentar experimentar coisas novas — Dainty disse. — Mas sim, o que você toca tem que combinar com o que os outros tocam. Mas sempre tem alguma coisa diferente pra tentar.
— Pode ser. Eu gosto de tocar essa música, sabe — Fiber disse. — Sempre tem uma coisinha nova pra descobrir, e aí eu gosto de tentar quando a gente toca junto.
— Quer tentar tocar ela agora? — Dainty disse, apontando para o violão. — Tem problema se a gente tocar aqui? A gente não toca muito alto.
— Claro, claro, vai em frente — Fiber disse. — Vamos tentar!
Dainty apanhou o violão e testou a afinação, e pediu que FIber tocasse um o mi grave. Eles ficaram afinando seus instrumentos, e então Dainty pediu que Fiber começasse a música. Dainty entrou junto, e eles logo entraram no ritmo da canção. Dainty cantou, notando que Fiber estava concentrado em sua guitarra, e percebeu que ele estava tentando experimentar algumas coisas que ele estava praticando.
Então, Dainty notou que Fiber olhou para a porta, e, por um momento, perdeu o foco. Demorou um momento até Dainty virar-se para ver o que havia chamado a atenção dele. Ao olhar, ele viu Macramê na porta, parado, observando-os. Ele continuou tocando e cantando normalmente, notando que Fiber parecia bastante surpreso, e parecia agora tocar com mais motivação do que antes.
Quando eles terminaram a música, Dainty notou Macramê fazendo pequenos, suaves grunhidos.
— Você gostou, parceiro? — Fiber disse sorrindo. — A música é boa, né?
— Que tal tocar outra? O que você acha? — Dainty disse.
— Claro, claro! O que você sugere?
— Ãh, vamos tocar O Mundo Anda Tão Complicado. Eu adoro essa.
— Tá bom! Faz a contagem aí, Dainty — Fiber disse, preparando-se.
Eles começaram a música, e Dainty sentiu que ela estava bastante enérgica, mesmo sem o resto da banda. Em um momento, a mãe de Fiber veio até a porta e ficou ali também, junto de Macramê, até a canção terminar.
— Você gostou da música, Macramê? — Twill Weave disse, olhando para Fiber. — É bonita, não é? Agora vem, tá na hora de comer. Você escuta eles tocarem depois, tá bem?
O jovem pônei pareceu protestar um pouco, mas sua mãe levou-o dali.
Hard Fiber respirou fundo, trêmulo.
— Acho que a gente ganhou um fã novo — Dainty sorriu.
Fiber olhou para ele. — Eu nunca vi meu irmão tão alegre, Dainty — ele disse. — Ele estava… tão calmo.
Dainty deu um sorriso involuntário, notando a emoção de Fiber.
— Você não costuma tocar para ele?
— Bom, eu fico treinando as minhas partes — Fiber disse —, mas… eu não costumo, tipo, tocar as músicas. Quer dizer, nem cantar eu sei.
Dainty apontou para a porta com a cabeça. — Agora você tem um bom motivo pra aprender, não?
Fiber sorriu, tímido. — Acho que sim.
*
No ensaio de quinta, assim que todos haviam chegado, Dainty e Steel mencionaram sua conversa com o gerente do teatro, e as datas que eles tinham à disposição.
— A gente achou melhor escolher uma sexta ou sábado, porque a gente teria um público maior — Dainty disse. — Eles também tinham domingos, mas, como a River Mouth tem o trabalho dela, a gente nem cogitou isso.
— Ah, sim, por falar nisso — ela disse, coçando a cabeça. — Eu agora tô livre todos os dias. O… projeto no lago foi cancelado.
Os outros quatro olharam para ela, sem saber como reagir. — Tipo, vocês terminaram ele? — Hard Fiber disse.
— Não, não, foi cancelado, mesmo — River disse. — Parece que ele ficou sem verba, eu acho, então… a gente não consegue continuar.
— Ah… que droga, River — Honey Drop disse.
— É, é mesmo, Honey — ela respondeu. — E o pior é que… bom, melhor a gente nem falar nisso. Vamos focar na banda, que é bem melhor. — Ela sorriu sem sinceridade.
— Bom, então tá, vamos — Dainty disse, tentando retomar o passo.
Eles olharam as datas, e escolheram uma rapidamente. Eles decidiram manter uma segunda data como plano B, no caso da outra não estar mais disponível. Eles conversaram sobre como divulgar o show, e Dainty pegou alguns de seus esboços de fotos. Eles se juntaram ao redor da cama para ver suas ideias e conversar.
— Mas a gente vai, tipo, pagar um fotógrafo? — Honey Drop disse. — A gente não vai conseguir isso de graça, né?
— Sim, a gente tem que pagar — Dainty disse. — A gente tem que procurar alguém pra fazer isso por um preço razoável.
— Eu tenho um amigo que faz fotografia — Hard Fiber disse. — Ele… bom, tipo, ele não é profissional, mas eu vi algumas das fotos dele, e ele é bom. Eu acho que ele cobraria um pouco menos pra fazer isso.
— Me parece bom, Fiber! — Dainty disse. — Vamos tentar conversar com ele. Eu acho que a gente podia espalhar uns cartazes pela cidade. Se a gente falar com a prefeita, a gente faz isso da maneira certinha.
— É uma boa ideia, Dainty — River disse. — A gente tem que criar interesse.
— Então tá, Fiber, fala com o seu amigo e vê se ele marca uma reunião com a gente — Dainty disse. — Se ele concordar, a gente marca um dia e resolve isso.
— Certo, eu vou falar com ele — Fiber disse. — Então alguém tem que ir no teatro pra marcar o show, né?
— Eu posso fazer isso amanhã — Dainty disse. — Eu posso fazer isso sozinho, então, se ninguém mais puder ir, não tem problema.
— Certo, eu não sei se amanhã eu conseguiria, então, se você tem como fazer, vai ser ótimo — Steel disse.
— Beleza. Vamos tocar? — Dainty disse, indo para o seu lugar. — Vamos tentar terminar as músicas novas, e talvez a gente começa as últimas músicas. Faltam poucas.
— Isso! — Honey disse, correndo para a bateria. — Vamos lá!
Eles prepararam os instrumentos, e começaram a tocar as novas músicas do repertório. River Mouth estava claramente desmotivada, e isso afetava seu desempenho, embora não chegasse a atrapalhar os outros. Dainty colocou uma música nova para eles aprenderem, e eles ficaram trabalhando nela por um tempo. Após isso, eles viram que não teriam tempo para tocar todo o setlist, então eles focaram apenas nas músicas que precisavam melhorar.
Dainty não continha a alegria de saber que faltava apenas uma música para aprender, Esperando por Mim, e ele pensou que em no máximo dois ensaios ela estaria pronta. Então, eles apenas precisariam colocar as músicas nos eixos. A banda, já cansada, começou a guardar os instrumentos para ir embora, e a maioria estava conversando sobre seus próximos planos. Apenas River Mouth estava em silêncio.
— River — Dainty disse, aproximando-se dela discretamente. — Você quer… ficar com a gente aqui, depois? Tipo, pra conversar?
Ela cogitou por um momento. — Quero sim. Obrigada, Dainty.
Fiber e Honey continuaram preparando-se para sair. Fiber perguntou se River estava indo também, e ela casualmente disse que não ia embora, e ficaria um pouco mais. Eles se despediram dos outros dois, e Dainty fechou a porta. Steel, sentado na cama, observou os dois.
— Então, River — Dainty disse, um pouco inseguro. — Quer contar o que aconteceu?
River Mouth suspirou fundo, olhando para o chão, imersa em pensamentos. — Eles… cancelaram o projeto, gente. Eles simplesmente decidiram… parar com tudo. Eles disseram que não tem mais dinheiro, mas, sinceramente, eu não sei. Eles não explicaram nada pra gente. Eles mandaram a gente embora e disseram que acabou.
— E vocês não terminaram o trabalho? — Steel disse.
— Não, não tava nem perto! — ela reclamou. — Ainda tinha muita coisa pra fazer!... E o pior é que… bom, as consequências disso podem ser péssimas.
— É mesmo? Por quê? — Dainty disse.
River suspirou. — O lugar… Dainty, o lugar é um lago enorme, lindo. A vegetação é super rica, e atrai todo tipo de pássaro e bicho… Dá pra ver os peixes nadando dentro dele. Mas… já há alguns meses, um… um fungo estranho começou a crescer lá, e começou a desequilibrar todo o ecossistema. A gente estava investigando o porquê, e como a gente poderia reverter isso.
— Fungo? — Steel disse. — Eu achei que você estudava coisa da água.
— Nós somos uma equipe multidisciplinar, Steel — ela disse. — Eu sou responsável por estudar o efeito do fungo nas plantas aquáticas, nas algas e nos peixes. Mas tinha mais pôneis trabalhando nisso. E o lance é, se a gente parar agora, o lugar inteiro pode ser destruído. O fungo é muito forte e agressivo, e, se a gente não fizer nada, a gente não tem garantia nenhuma de que ele vai parar naturalmente.
— Nossa, isso é ruim mesmo — Dainty disse.
— Dainty, o lugar… é lindo — River disse. — Aquilo lá é maravilhoso, e… dá medo pensar que toda aquela beleza pode sumir, e eu não fiz nada pra impedir.
— Mas, River, não é verdade que você não fez nada — Dainty protestou. — Você estava trabalhando. Você fez o que pode.
— Mas não foi o bastante! — ela respondeu, magoada. — Não… foi suficiente.
Dainty coçou a cabeça, sem saber o que dizer.
— Bom, mas tem alguma coisa que você pode fazer, River? — Steel disse.
— Eu falei com a professora coordenadora do projeto — River disse —, e ela falou que ela vai tentar conseguir mais verba e recomeçar o projeto… mas, sinceramente, eu não sei se ela tá sendo sincera, ou se ela só tá dando desculpa.
— Então você fez o melhor que pode — Dainty disse.
Ela sacudiu a cabeça. — Dainty, isso não me basta! Eu não posso ficar com a bunda no sofá, pensando, “ah, eu fiz o que eu pude!” Será que eu fiz mesmo? No momento, eu não tô fazendo bosta nenhuma. Nada. Se o melhor que eu posso fazer é nada, então que raio de égua patética e fraca é essa que eu sou? Me diz, Dainty, de que adianta dizer “eu fiz o que eu pude”, quando o lugar inteiro tá sendo destruído por aquele maldito fungo? Será que ele se importa com isso? Não, ele não tá nem aí!
— Sim, River, eu te entendo — Dainty disse, aproximando-se dela. — Isso é horrível, tipo, horrível mesmo. E é importante tentar fazer alguma coisa. Mas você não pode se punir por não conseguir fazer uma coisa que é impossível. Tenta focar no que você consegue.
— É fácil falar, né? — ela respondeu, olhando para o lado. — Mas você tem razão… Eu só me sinto… inútil, sabe. Esse era um problema que eu conseguiria resolver. Eu estudei a vida inteira justamente pra fazer esse tipo de coisa, e aí… arrancaram isso de mim.
— Parece péssimo mesmo — Steel disse. — Eu acho que você devia tentar falar com alguém que possa fazer a diferença. Sei lá, quem sabe fala com a Princesa Twilight? Talvez ela possa fazer alguma coisa.
River respirou fundo. — Eu não sei… será que ela consegue fazer alguma coisa?
— Pode ser uma boa tentar — Dainty disse. — Eu acho uma boa ideia.
— Talvez — ela respondeu, dando de ombros e suspirando. — Desculpa eu desanimar vocês com uma coisa tão chata, mas eu precisava desabafar… Obrigada por me escutarem.
— Você sabe que pode sempre conversar quando precisar, River — Steel Strings disse. — Não precisa se reprimir.
River sentiu que ela havia dito tudo que pensava sobre o assunto, e mudou a conversa para coisas mais agradáveis. Dainty preparou chá, e eles ficaram ali, conversando por um tempo, até ela sentir que era hora de ir. Dainty sentiu que ela parecia um pouco melhor, mas ela ainda estava desanimada, e ele compreendia perfeitamente.
*
No sábado seguinte, Hard Fiber trouxe a notícia que ele havia marcado uma reunião com seu amigo fotógrafo na noite de segunda, para conversar sobre suas ideias para uma sessão de fotos. Os outros quatro disseram que estariam disponíveis, e estavam ansiosos para dar esse próximo passo. Além disso, Dainty havia conseguido marcar o show para o dia escolhido no Teatro de Ponyville, e assim os cinco estavam entusiasmados com aquele ensaio. Dainty sugeriu que eles começassem a estudar a última música do repertório, e eles fizeram isso. Eles trabalharam na música por um tempo, e então tentaram tocar o setlist inteiro, do começo ao fim, para ter noção de como seria. Dainty estava em êxtase.
A reunião com o fotógrafo fora marcada em uma cafeteria, próxima da casa de Steel Strings. Dainty foi buscá-lo em casa depois do expediente e eles foram para lá, onde Hard Fiber já estava aguardando. Alguns minutos depois, Fiber viu seu amigo chegando.
— Ah, lá vem ele! — ele disse, erguendo uma pata.
O unicórnio, com uma pelagem vermelha, quase marrom, e uma crina negra e crespa, casualmente chegou até a mesa.
— Gente, esse é o Sharp Focus — Fiber disse, levantando-se. — Esses são Dainty Tunes e Steel Strings. Os outros dois devem chegar daqui a pouco.
— Oi — ele disse, em um suave tenor, sentando-se. — Prazer em conhecer vocês.
— Olá, Focus — Dainty respondeu. — O prazer é meu.
— Meu também — Steel disse. — De repente a gente espera pelos outros?
— É, vamos dar um tempinho — Dainty disse.
Eles começaram a conversar sobre casualidades. Sharp Focus falava macio, com um pouco de timidez, e ele ficava mais escutando o que os outros diziam. Eles contaram um pouco de suas experiências de banda, e Focus fez algumas perguntas sobre isso.
River Mouth chegou em seguida. Eles decidiram pedir algo para beber enquanto esperavam Honey Drop chegar. Eles conversaram e beberam por um tempo, e após uns vinte minutos, não havia sinal de Honey.
— Pelo visto ele teve problemas — River disse. — Mas acho que dá pra gente conversar, só nós cinco, né?
— É, acho que sim — Dainty disse, buscando seu alforje ao lado da mesa. — Então, eu fiz uns esboços de algumas ideias que a gente conversou.
Ele pegou algumas folhas com desenhos feitos a casco, e passou-os para Sharp Focus. — Tem umas sugestões que os outros fizeram aí, também. Eu pensei que isso podia dar uma ideia básica do que a gente tem em mente.
Focus examinava os desenhos em silêncio, parecendo contemplá-los a fundo.
— Claro, são só sugestões — Dainty disse, sem saber se devia preencher o silêncio ou deixá-lo olhar os desenhos em silêncio —, mas eu não sei nada de fotografia. Então, são as suas ideias que valem.
— Sim, eu tô tentando pegar a ideia — Focus disse. — Eles são interessantes, já dão uma direção. Mas eu preciso ouvir o som de vocês antes. Eu preciso saber como é a música de vocês, pra transformar em uma ideia visual.
— Claro, faz sentido — Steel disse. — Talvez você pode ver o nosso próximo ensaio, se você puder. O que você acha, Dainty?
— Claro! Você devia vir, sim — ele respondeu. — A gente vai tocar nesta quarta, à noite, na minha casa.
— Certo, eu estou disponível — Sharp Focus disse. — Aí a gente marca a sessão de fotos. Talvez no fim de semana? Sábado ou domingo fica bem pra mim.
— Me parece bom — River Mouth disse.
Assim, eles falaram sobre sua música, suas ideias, e Focus contou um pouco de sua história, e disse que ele gostava muito de música, embora não tocasse nada.
— Mas sabe — ele disse —, ser contratado pra um trabalho que nem esse é um bom aprendizado. Eu tiro fotos mais é de paisagens e prédios, mas fotos promocionais pra uma banda é algo novo pra mim… é, assim, o Fiber contou que eu não sou um profissional de verdade, né?
— Sim, sim, não se preocupe — Dainty disse. — Tipo, nenhum de nós aqui é profissional também. Eu acho que a gente tem que se ajudar, sabe? Nós, artistas, devíamos nos reunir e apoiar um ao outro.
— Sim, verdade — Focus disse. — E, se vocês oferecem apoio, eu é que não vou recusar, né? — Ele deu uma risadinha quase tímida.
Após isso, eles falaram sobre o pagamento, e Sharp Focus confirmou que ele faria um preço baixo, tanto por ele se considerar ainda um estudante, quanto por ser um favor ao Hard Fiber. Dainty estava preocupado com a ausência de Honey Drop, e, com o passar da noite, Focus decidiu que era hora de ir. Dainty disse que ele visitaria Honey para contar a notícia e ver se estava tudo bem.
— Ele deve ter ficado pra ajudar na fazenda — Fiber disse. — Afinal, não era necessário que todo mundo viesse.
— Sim, mas ele não costuma sumir desse jeito — Dainty disse. — Eu só quero ver como ele tá, mesmo.
— Claro, sim — Fiber disse.
*
Dainty foi até a casa de Honey Drop na noite seguinte. Ele foi recebido calorosamente pelos pais dele. A Srª Honey disse que seu filho estava no quarto, e foi chamá-lo. Dainty ficou na sala, e conversou um pouco com o Sr. Honey, perguntando sobre a fazenda e sobre a vida em geral. Dainty notou que ele não estava no clima de muita conversa, então tentou não se estender demais. Ele perguntava apenas por educação.
Após um momento, Honey Drop foi até a sala. — E aí, Dainty — ele disse, sem grande entusiasmo. — Como é que vai?
— Vou bem, vou bem — Dainty respondeu, levantando-se. — E você?
— É, eu tô… legal — Honey disse, olhando para trás. — Sabe, desculpa por eu não ter vindo te receber logo em seguida, mas é que eu ando fazendo umas leituras, e eu não queria largar o livro antes de terminar o capítulo. Eu não quis ser mal educado…
Honey sorriu, sem jeito, e Dainty tranquilizou-o. — Nem esquenta, amigo.
— Então, é, você veio falar da banda, né? — Honey disse.
— Sim, em parte — Dainty disse, dando de ombros. — Mas também é pra ver como você tá. Como você não foi na reunião ontem, eu queria saber se tá tudo bem.
— Ah, sim, é, teve aquilo — Honey respondeu, claramente desconfortável. — Você quer ir lá pra trás conversar? Acho que é melhor lá.
— Sim, claro — Dainty disse, já percebendo que algo não estava bem.
Ele seguiu Honey até o quarto com a bateria, e eles sentaram em cadeiras, em cantos opostos da sala.
— Então, a gente conversou com o amigo fotógrafo do Hard Fiber — Dainty disse. — Ele disse que faz o serviço, mas quer ouvir a gente tocar antes. Então, a gente convidou ele pro próximo ensaio. Ele vai lá pra conferir o som, e a gente provavelmente vai tirar as fotos neste fim de semana. Ele vai cobrar barato, então não deve ter problema pra nós.
— Ah, bacana, Dainty — Honey Drop disse. — Desculpa eu não ter ido, eu… bom, eu não quis abandonar vocês, mas… bom…
— Não tem problema, Honey, não se preocupa — Dainty disse. — Não era obrigatório estar todo mundo lá. Eu só… Bom, eu fiquei pensando se aconteceu alguma coisa. Você não costuma sumir assim, sem avisar. Tá tudo bem?
Honey coçou a nuca. — Bom, é… eu, ãh… Sabe, Dainty, eu… A gente tem esse show marcado, e tudo, e eu tô totalmente disposto a tocar, porque vocês estão contando comigo e tudo… mas, Dainty, vamos encarar a realidade. Eu sou um baterista ruim. É só isso.
Por um momento, Dainty não conseguiu reagir. Ele ficou encarando Honey Drop sem reação por um segundo, e piscou os olhos. — O que… O que você quer dizer, Honey?
— Eu quis dizer exatamente isso — Honey respondeu, tentando parecer seco, mas sem conseguir. — Eu não sei tocar bem. Eu sou uma droga.
Dainty franziu o cenho. — Honey Drop, olha, tudo bem que você é um iniciante, eu sei disso. Você toca há pouco tempo, mas você melhorou muito desde que a gente começou. Você tirou todas as músicas, você melhorou a sua técnica, e você é ótimo quando toca com a gente. Você não é um baterista ruim, Honey! De onde você tirou essa ideia?
Honey olhou para o chão, inseguro. Ele tinha aquele olhar de quem tem algo pra falar, mas não sabe se deve. — No domingo, a gente recebeu a visita de uns tios meus. O meu tio é baterista, sabe, e ele pediu pra me ouvir tocar. E, bom, ele disse que… que eu toco mal, que eu tenho muito que melhorar antes de poder dizer que eu sou baterista. Tipo, eu não sabia nem segurar as baquetas, Dainty. Até isso tava errado! Se o meu tio não tivesse dito, eu não ia saber nunca.
— Como assim? — Dainty disse, confuso.
— Aqui, olha — Honey disse, puxando um par de baquetas. — Tipo, eu tocava com elas assim, sabe? — ele disse, prendendo as baquetas aos cascos em posição paralela, apontando para frente. — Mas isso tá errado. — Ele virou a baqueta esquerda de forma que ela apontava para o outro casco. — Esse é o jeito certo. É assim que eu devia estar tocando. E, bem, quando eu tento tocar assim, eu não consigo. Eu vou ter que aprender tudo do zero.
Dainty coçou a cabeça. — Olha, Honey, eu acho que essas são simplesmente técnicas diferentes. Eu já vi outros pôneis tocar como você tocava antes. Isso não é errado. Eu acho que a Pinkie pode te falar melhor sobre isso.
— Dainty, o meu tio é baterista profissional — Honey insistiu. — Ele tocou em bandas. Ele já gravou com elas. Ele se sentou aqui pra me mostrar algumas coisas, e, tipo, o que ele faz é inacreditável. É absurdo. Eu adoro a Pinkie Pie, mas ela não é baterista de verdade, que nem ele. Ele sabe um milhão de coisas sobre música, então, se eu tiver que acreditar em alguém, eu acredito nele, sabe.
— Honey, eu não quero falar mal do seu tio nem nada — Dainty disse, quase perplexo. — Mas eu… tipo assim, que tipo de música seu tio toca?
— Ah, tudo que é tipo — Honey disse, dando de ombros. — Ele toca mais é jazz. Eu não sei nada de jazz, mas ele toca de tudo.
— Ele toca rock?
— Ele disse que rock não é música de verdade. É puro primitivismo e barulho, não tem técnica. Ele disse que, se eu ficar escutando rock, eu nunca vou aprender a tocar bem.
Dainty bateu com os cascos nas coxas. — Pois então, Honey? É isso que você acha? Você concorda com isso? Você acha que rock não é música de verdade?
— Bom, eu… — Honey suspirou. — Eu, é… eu acho que eu gosto do som que a gente faz, e eu gosto das músicas, mas… mas eu quero ser um bom músico, Dainty. Eu quero tocar coisas boas, que os outros gostam.
— Honey Drop, olha só, a coisa mais importante é você tocar o que você gosta — Dainty disse. — Você tem que tocar o som que você gosta de tocar, não o que os outros acham que você deve tocar. Música é isso, cara.
— Ah, qual é, Dainty! Não fode comigo — Honey retrucou. — O único motivo pelo qual a gente ensaia tanto é que a gente quer tocar pros outros e quer que eles gostem da música. A gente quer ser bom, pra que eles gostem do que a gente faz. Música é isso.
— Quer saber? Eu não acho — Dainty disse. — Eu ensaio tanto porque eu quero ser o melhor que eu posso, e porque as músicas merecem isso. Eu não faço ideia se alguém lá fora vai gostar ou não, e é impossível eu obrigar alguém a gostar. O que eu posso fazer é ser a melhor versão de mim mesmo que eu posso ser, e ver no que dá, e eu só consigo fazer isso se eu estiver fazendo as coisas que eu gosto, do jeito que eu gosto. Não existem regras, só nós e a música. E eu lembro do jeito que você tocava com a gente. Você sempre foi empolgado, cheio de energia. Você adorava, Honey Drop! Lembra como você ficou feliz quando tocou Vinte e Nove com a gente pela primeira vez? Lembra do nosso show? Você estava nas nuvens. Você não vai conseguir me convencer que tudo isso desapareceu só porque um certo pônei te disse que você não é bom, e não me importa o quanto ele toca bem e com quantas bandas ele tocou. Ele não tem o direito de roubar o seu entusiasmo, Honey. Ele não pode fazer isso.
Honey sacudiu a cabeça. — Eu sei lá, Dainty, eu…
— Qual é, você não pode ter perdido o prazer de tocar, Honey Drop — Dainty insistiu. — Vai, toca alguma coisa que você gosta. Alguma coisa que te diverte, que te deixa alegre.
— Qualquer coisa? — Honey disse, olhando de relance para a bateria.
— Sim, qualquer coisa, o que você quiser. Qualquer coisa que seja divertida.
Honey Drop balançou as baquetas no ar por um momento, e então levantou-se, indo até a bateria. — Tá bom, pode ser… Tem uma coisa que a Pinkie me ensinou um dia — ele disse, sentando-se na banqueta. — Ela chama isso de A Batucada da Pinkie Pie. Eu não sei se ela inventou isso na hora pra mim, mas é assim.
Honey começou a tocar um pulso constante no bumbo, e uma batida complexa e sincopada nos tom-tons. Honey balançava a cabeça para ajudar a manter o ritmo, e começou a cantar um verso repetido, sem melodia, apenas com palavras:
Pula e sai do chão, vem com a Pinkie batucar!
Dainty começou a balançar o corpo com o ritmo, complementando a batida batendo com os cascos nas coxas, e começou a cantar junto. Enquanto eles continuavam, Honey Drop começava a fazer variações na batida, tocando a caixa e os pratos, fazendo viradas e batidas novas, até que ele parou de repente e suspirou.
— Por que você parou? — Dainty disse.
Honey olhou para os seus cascos: ele estava com as baquetas do jeito “errado”. — É, bom, sabe… Tá, talvez isso seja divertido pra mim, mas será que é pros outros?
— Bom, pra mim, foi — Dainty respondeu, sorrindo. — E você tava indo bem. Essas variações no final, isso era parte da música?
— Ah, não, não, eu… eu comecei a improvisar. A Pinkie me disse para tentar improvisar, então eu sempre tentei fazer alguma coisa.
— Então, você vê? — Dainty disse, levantando-se. — Como é que você conseguiria fazer isso se fosse um baterista ruim, Honey Drop?
— Dainty, olha — Honey disse, olhando para o chão —, eu… eu fico grato que você tá tentando ajudar. Sério mesmo. Você é um cara legal e tudo, mas… Olha, eu já te disse, eu vou tocar com vocês no show. Eu não cairia fora de um compromisso assim. Mas, depois disso, eu vou… eu vou sair, e vocês arranjam um baterista melhor.
— Mas, Honey, você é o baterista certo pra gente! — Dainty disse, quase em tom de súplica. — O que quer dizer ser “melhor”, no final das contas? Eu não me importo. Eu não quero um baterista “melhor”, Honey, eu quero você.
Honey Drop ponderou por um momento, e então deu um olhar torto para Dainty. — Olha que você já tem namorado, cara.
Dainty, pego de surpresa, não conseguiu reagir por um momento, e então fez uma careta debochada, tentando não perder a pose. — Ah, pão de mel, você é fofo mas não faz o meu estilo.
Os dois começaram a rir, mas o riso foi interrompido. — Eu… você sabe que eu tô brincando, né? Porque, sabe, eu não… não curto garanhões, e tal…
— Ah, é claro que eu tava brincando, amigo Honey — Dainty sorriu.
— É, bom, e tipo… você e o Steel ficam tão bem juntos, sabe? — Honey disse. — Tipo, é engraçado quando vocês tentam disfarçar, mas sempre parece que vocês não se veem a séculos… e é engraçado porque vocês devem se ver todos os dias, né.
Dainty pausou por um segundo. — Bom, na verdade, não. A gente… se vê só nos ensaios, na verdade. A gente… tem um acordo de só se ver duas vezes por semana.
Honey Drop não conseguiu disfarçar a surpresa. — Nossa… é sério? Mas por quê?
— Bom, é uma coisa que a gente decidiu que é melhor pra nós… ou, na verdade, é uma coisa que o Steel pediu — Dainty disse, voltando para sua cadeira. — Ele tem os motivos dele.
— Nossa, que louco — Honey disse, arregalando os olhos. — Quer dizer, tipo, eu não tô julgando vocês nem nada, eu só… Eu não sei se eu conseguiria fazer isso, sabe? Se eu tivesse uma namorada agora, eu ia querer ficar com ela o tempo todo!
— Você já teve namorada, Honey?
— Já tive, sim — Honey respondeu, com certa tristeza. — Foi… bacana, sabe, mas não deu certo… Ela era uma égua legal, e tudo, mas… bom… Quem sabe dia ela vai querer me ver de novo, mas por enquanto… Bom, vai passar, né? Mas foi bom. A gente ficava junto quase o tempo todo… Eu acho que esse é um negócio de idade, né? Como vocês são mais maduros, vocês são mais independentes, e se viram melhor sozinhos, eu acho.
Dainty ficou encarando um ponto aleatório ao longe, e suspirou. — Pra ser sincero, Honey? Eu… Talvez eu não seja maduro, porque eu também queria ficar com o Steel o tempo todo… mas eu não posso. E eu sinto uma saudade enorme dele. Eu fico… mal quando ele não tá comigo. Não é terrível, porque eu aprendi a lidar com isso, mas a sensação é… Dá um vazio, sabe? E o pior é que, racionalmente, eu sei que isso é o melhor pra nós, e que essa é a decisão certa… mas eu não consigo controlar o coração, Honey. Eu… eu preciso dele mesmo assim. Às vezes… — Ele respirou fundo, trêmulo. — Às vezes eu queria gostar dele um pouco menos, sabe? Mas eu não consigo. Eu amo ele. Eu amo ele que nem um idiota, um lunático, um maníaco do caralho. E… dói, sabe. Dói.
Honey fez uma pausa, sem saber o que dizer. — Que droga, cara.
Dainty deu um sorriso triste. — Sabe, eu acho que, quando a gente é novo, a gente acha que os adultos sabem de tudo, porque eles viveram bastante e já viram de tudo. Eles resolvem os problemas, né? Eles fazem as coisas. Eles consertam os problemas e fazem as coisas certas. Mas, eu olho pra mim mesmo, e eu sinto que eu não faço porra nenhuma direito, Honey Drop. Eu… eu sou uma maçaroca. Se eu não sei consertar nem os meus sentimentos, então como é que eu vou consertar qualquer coisa? Eu não sei fazer nada direito, cara, a verdade é essa.
— Ei, espera um pouco — Honey disse, erguendo os cascos. — Não fala merda, cara! Como assim? Olha tudo que você fez! Você montou a banda! Você começou esse negócio e fez a gente aprender as músicas e tudo, e você marcou um show. E você tem um trabalho, uma casa bacana, e você é bom músico, e você tem amigos… Se você não sabe fazer nada direito, como é que você tem tudo isso?
— É — Dainty disse, suspirando —, mas eu não tenho o Steel. Eu não tenho… ele.
— Mas, tipo, você quer ter ele?
— Bom, não no sentido de possuir, não — Dainty disse. — Eu só… eu queria ter ele perto de mim mais vezes. Quando ele não tá comigo, eu me sinto… incompleto, eu sinto medo, e eu não consigo esperar pra ver ele de novo.
Honey pensou por um momento. — Isso aí me lembrou uma das músicas que a gente toca.
Dainty olhou para ele. — É mesmo?
— Sim.
Então, Honey Drop começou a cantar alguns versos, que Dainty imediatamente reconheceu: era Sete Cidades. A voz de Honey era esganiçada e desafinada, mas ele cantava com emoção:
Com teu rosto e teu olhar
Me partiu em dois, e procuro agora
O que é minha metade
Honey começou a tocar de leve um ritmo na bateria enquanto ele cantava, mantendo mais o ritmo em um prato e batendo de leve na caixa.
Sinto falta de mim mesmo
E sinto falta do meu corpo
Junto ao teu
Antes de ir para o segundo verso, ele notou que Dainty estava chorando, quase afundado na cadeira.
— Ah, Dainty, desculpa! — Honey disse, envergonhado, parando de tocar. — Eu não… quis…
— Não, não! Continua, por favor — Dainty disse. — Não para.
— Sério?
— Sim, continua!
Surpreso, Honey recomeçou a levada, e se pôs a cantar.
É tão tosco e tão pobre
Não sabe ainda
Os caminhos do mundo
Ao voltar para o refrão, ele ouviu Dainty cantando junto, entre soluços.
Tenho medo de mim mesmo
E sinto falta do teu corpo
Junto ao meu
A levada de Honey estava ficando mais forte e mais firme, e Dainty parecia querer parar de chorar para cantar com todo seu fôlego.
Já fizemos promessas demais
Já me acostumei com a tua voz
Quando estou contigo, estou em paz
Dainty estava batucando em suas coxas de novo, e Honey estava tocando o ritmo exatamente como ele tocava com a banda.
Meu espírito se perde
Voa longe
Longe
Longe…
Dainty cantarolou o final da música, e Honey o acompanhou, até tocar a virada no final da música. Ele olhou para Dainty, sorrindo.
Dainty sorriu de volta, e de repente suspirou, começando a chorar de novo. — Obrigado por isso, Honey. Eu precisava disso.
Honey coçou a cabeça com uma baqueta. — Sem problema, cara, mas… É esquisito como queria que eu cantasse uma música que te deixa triste.
— Lembra quando a Pinkie disse que canções tristes podem fazer a gente se sentir menos sozinho? — Dainty respondeu. — Foi isso que você fez, Honey. Te ouvir cantar… foi como um abraço, sabe? Eu me senti acolhido. Eu… tô melhor agora.
Honey Drop ficou pensativo por um momento, totalmente surpreso. — Eu fiz isso?
Dainty levantou os olhos para ele, e deu um sorriso esperto. — Entende o que eu digo agora? Eu não quero um baterista melhor, porque eu tenho o melhor baterista.
Sem explicação, Honey sentiu-se tomado por emoção, e esvaiu-se em lágrimas. — Pôxa, cara!
Dainty correu e abraçou-o. — Vem cá, meu amigo!
Ele bateu de leve nas costas de Honey, e sentiu que um peso imenso tinha saído dos ombros dele.
Nenhum comentário:
Postar um comentário