Na noite de terça, a banda reuniu-se de novo para tocar, e Dainty já parecia o mesmo pônei de semanas antes, que adorava cada segundo da música e cantava com o coração, não com os ouvidos notando cada pequeno defeito, real ou imaginário. Enquanto eles passavam as músicas, os outros membros notavam detalhes e coisas para melhorar, e conversavam entre si sobre como as músicas deviam ser. Dainty percebeu que ele não precisava controlar tudo, pois a banda também tinha uma intuição de como tudo devia fluir. Depois de uma segunda passada em Quando o Sol Bater na Janela do Seu Quarto, Dainty apoiou-se no suporte do microfone e observou a banda encerrar a canção.
— Gente, é impressão minha, ou a gente tá muito bem? — ele disse.
— Bom, eu não sei dizer quanto à bateria, mas eu tô gostando de ouvir vocês — Honey Drop disse.
— Eu acho que a gente tá bem, sim — Steel Strings disse. — Eu tô gostando muito.
— Sabem, eu conversei com uma professora de bateria — Honey disse. — Ela disse que pode me dar umas dicas de como melhorar, e a gente vai começar as aulas amanhã.
— Que ótimo, Honey! — Dainty respondeu. — Eu acho que vai te ajudar muito. — Ele fez uma pausa. — Então, vamos tentar Ainda É Cedo?
River Mouth sentiu um leve calafrio. — Claro.
Eles se prepararam e começaram a música. Dainty cantou-a inteira como os olhos na banda, gesticulando e movendo-se. Hard Fiber nunca vira ele cantar essa canção com tamanha intensidade, e a música toda parecia pulsar. Ele finalmente entendeu o poder daquela canção, e teve a sensação de que seus colegas sentiram o mesmo.
— Nossa, que demais! — Honey Drop disse assim que a música acabou.
— É, foi ótimo — Steel Strings disse.
— Você improvisou menos agora, River Mouth — Dainty disse. — Foi por causa das minhas críticas?
— Bom, em parte — ela respondeu. — Eu, sei lá, dessa vez, eu estava escutando todo mundo tocar, e a música começou a fazer sentido. Então, eu tava só tocando, sabe? Eu ainda fiz alguns floreios quando eu achei que dava, mas eles vieram naturalmente.
— Você estava tocando muito bem, River — Hard Fiber disse.
— É, sabe, eu andei pensando nisso esses dias — ela prosseguiu. — Numa das bandas em que eu toquei, eu tinha essas linhas super legais, e era muito divertido tocar. Eu adoro fazer esse tipo de coisa. Só que, quando eu toco com vocês, e mais, tipo… eu tô carregando a harmonia. É como se eu carregasse os acordes nos ombros, e eu tô dando apoio ao negócio todo. É um poder enorme que eu tenho, sabe? — Ela sorriu. — É tipo dirigir um trator. Eu acho que é isso que as músicas precisam.
— Então é isso, a River Mouth dirige o nosso trator! — Honey Drop respondeu.
— Me parece mais um rolo compressor, River — Hard Fiber disse. — O seu som é ótimo.
— Obrigada, gente — ela disse.
Um pouco depois, Dainty sugeriu que eles começassem a estudar uma música nova, O Mundo Anda Tão Complicado, e eles dedicaram o resto do ensaio para tirar a música. Eles não conseguiram terminar, mas eles decidiram começar de onde pararam no próximo ensaio.
Hard Fiber, River Mouth e Honey Drop pareciam felizes de verdade quando saíram. Steel Strings ficou sentado na cama, pensativo.
— Nossa — Dainty disse, virando-se para ele. — É incrível o que acontece quando a gente age como um pônei decente, né?
Steel sorriu. — É, quem diria. Então, como é que você tá se sentindo?
— Eu tô bem — Dainty respondeu. — Ótimo, na verdade. Eu acho que eles começaram a sentir mais a música agora, e tá tudo fluindo muito bem.
— Eu adoro ver e ouvir você cantando, Dainty — Steel disse. — Você parece… tão cheio de vida agora.
— Que bom ouvir isso. Eu… sinto isso também, sabe, mas não sabia se era só impressão minha.
— Bom, pra mim, dá pra ver — Steel disse. — Você é… você está… de volta à ativa, amigão.
Dainty sorriu para ele. — A Manada de Ponyville está de volta à ativa, rapaz!
Eles bateram os cascos.
A banda juntou-se de novo na sexta, e o ensaio fluiu bem novamente. Eles continuaram aprendendo novas músicas, e pareciam ficar cada vez mais em forma.
— Cara, a gente devia tocar essas músicas em público — Honey Drop disse. — A gente já toca um monte de música. A gente tem que sair lá e mostrar.
— Mas a gente não tem um show ainda — Dainty disse. — O que a gente tem não chega a meia hora, eu acho. E eu nem sei onde a gente poderia tocar.
— Quem sabe lá na praça? — Hard Fiber disse.
— Será? Eu acho a gente barulhento demais para lá.
— Bom, a gente pode maneirar um pouco, se for o caso — Steel Strings disse. — A gente pode focar mais nas músicas mais animadas, e acho que fica tudo bem.
— Mas onde a gente vai ligar as caixas e tudo? — Honey disse. — Eu não sei se eles têm energia lá.
— A gente pode alugar um gerador — River Mouth disse.
Dainty ponderou. — Parece factível… e na verdade, eu adoraria tocar em público. Mas… me parece meio arriscado, ainda assim.
— Mas a ideia é a gente sair e tocar um dia, né? — Honey Drop disse. — Então vamos fazer isso logo!
— Eu adoro o seu entusiasmo, Honey — Dainty disse sorrindo. — É que… bom, o que é que vocês acham? A gente devia tentar?
— Eu acho que sim — River Mouth disse. — A gente tá bem ensaiado, e vai servir de experiência pra todos nós.
— Eu tô pronto — Steel Strings disse — Eu posso conseguir um gerador, e algum de vocês pode ir até a prefeitura e colocar o nosso nome lá.
— Eu posso fazer isso — River respondeu. — Eu dou uma conferida lá, e aviso vocês. O que vocês acham?
— Seria ótimo — Dainty disse. — Obrigado, gente.
— Por sinal, Dainty — Honey disse. — A minha professora de bateria disse que queria ver o nosso ensaio um dia, pra ver como eu toco com vocês. Teria algum problema?
— Problema nenhum, Honey — ele respondeu. — Na verdade, é ótimo que ela queira fazer isso. Vai te ajudar muito.
— Certo, Dainty, valeu.
Dainty estava um pouco frustrado, pois eles só conseguiriam ensaiar novamente na terça. Os compromissos de seus colegas impediam que eles tocassem mais vezes, mas Dainty tentava não se preocupar. Afinal, não era por medo de ir lento demais, mas porque era tão bom tocar com a banda.
Então, terça chegou, e Dainty aguardava ansioso pelos seus colegas. Honey Drop foi o primeiro a chegar.
— Então, a minha professora de bateria vai chegar daqui a pouco — ele disse, enquanto Dainty começava a levar as peças para dentro. — Eu espero que não atrapalhe no ensaio.
— Eu não acho que vai — Dainty respondeu. — Se a gente focar um pouco mais na sua bateria dessa vez, pode ser bom pra todo mundo, então nem se preocupa.
Steel Strings e River Mouth chegaram em seguida, e com boas notícias.
— Eles tinham uma vaga pra este sábado — ela disse —, então eu coloquei o nosso nome.
Dainty teve um sobressalto. — Este sábado?
— É — River respondeu. — Não é nada demais, é?
Ele coçou a cabeça, os olhos arregalados. — Eu achei que a gente teria mais tempo… mas, bom, eu acho que dá pra fazer.
— Eu acho que tá tudo bem, Dainty — Steel disse. — Eu consigo o gerador. A gente podia rachar o valor entre todos, o que acham?
Honey Drop pareceu um pouco preocupado. — É, pode ser.
— Pode contar comigo, Steel — Dainty disse. — Eu confesso que eu fico meio nervoso, mas, bom, o que dá pra fazer é ensaiar feito louco agora.
— Sim, vamos lá — River Mouth disse, ligando o baixo no seu amplificador.
— Eu pensei que a gente poderia começar uma música nova hoje — Dainty prosseguiu —, mas vamos focar nas que a gente já sabe, e se preparar pro show.
— Sim, concordo — Steel disse.
— Olááááá, Manada de Ponyville!
Os olhos de Dainty Tunes arregalaram-se.
— Ah, olha, minha professora chegou! — Honey Drop disse, enquanto terminava de prender um prato ao suporte.
Dainty virou-se para a porta, o cenho franzido, e olhou de volta para Honey. — A Pinkie Pie é a sua professora de bateria?
— Sim, o que tem? — ele disse.
— Posso entrar? — ela disse, colocando a cabeça dentro da casa. — Embora a minha cabeça já tenha entrado, o que significa que eu já entrei em parte, mas eu posso entrar inteira? Eu gosto de estar dentro em parte, mas eu também gosto de estar dentro inteira. Então, posso entrar inteira?
— É, claro que sim, Pinkie — Dainty disse, desajeitado. — Bom, Honey, eu só achei… inusitado, só isso. — Ele sorriu sem jeito. — Mas as aulas devem ser divertidas!
— Mm-hmm! — ela disse, largando uma pequena cesta sobre a mesa da cozinha .— E eu trouxe biscoitos!
— Oh, eu já gostei! — River Mouth disse.
— Mas, Pinkie, eu não sabia que você era professora de bateria — Dainty disse. — Desde quando você dá aulas?
— Uuuh, já faz um tempão! — ela disse, olhando para cima, como se contasse. — Uma semana, pra ser exata!
Dainty hesitou. — Então Honey é o seu primeiro aluno?
— Sim! E um aluno super sensacional,sim! — ela disse, acariciando sua cabeça. — Ele é disciplinado e dedicado, presta atenção em tudo, e ele faz todos os exercícios. Ele é o meu melhor aluno de todos os tempos!
— Bom, isso é, tipo, bem legal — Dainty disse, tentando não rir. — Ah, que bobeira minha, eu nem apresentei você aos meus colegas. Esse aqui é—
— Apresentar? — ela interrompeu, com um olhar perplexo. — Pra que me apresentar à River Mouth e ao Steel Strings? Eu conheço eles há um tempão! Ela é uma cientista sensacional que sabe de tudo que vive debaixo d’água, e ele é, tipo, só o melhor luthier da cidade, que já fez vários trabalhinhos para mim.
— Você sempre me adulando, né, Pinkie? — Steel Strings disse.
— Mm-hmm! — River disse, engolindo uma mordida de biscoito. — Ela é tão gentil.
— E nós temos outro colega também, o Hard Fiber, nosso guitarrista — Dainty disse. — Eu… imagino que você já conhece ele, né?
— É claro! — Pinkie respondeu sorrindo. — Eu sou fã do trabalho dele! Você se surpreenderia se soubesse da importância do uso de cordas e tecidos de boa qualidade na execução de excelentes festas!
— Eu acho que ficaria, sim — Dainty disse sorrindo. — Enfim, Fiber deve chegar daqui a pouco, então você pode se ocupar com o Honey Drop no meio tempo.
— É pra já! — ela respondeu, virando-se para Honey. — Então, você tem treinado o paradiddle?
— Tenho, sim — ele disse.
— Então deixa eu ouvir. Pode começar quando quiser.
— Certo.
Ele preparou as baquetas e começou a tocar o ritmo na caixa, mas, após poucas repetições, começou a atrapalhar-se.
— Opa, opa! Tá rápido demais! — ela disse, interrompendo-o. — Não toca rápido se você não consegue manter. Toca devagarinho. É mais importante manter o ritmo pelo tempo que for do que tocar rápido. Quer dizer, tocar rápido também é importante, mas você começa devagar, aí acelera, acelera, acelera, acelera e aí acelera mais um pouco, e é assim que você vai ficar bom nisso!
— É — ele disse, coçando o queixo —, mas, Pinkie, por que eu tenho que ficar fazendo isso? Eu nem toco isso nas músicas.
— É um exercício pra melhorar a sua coordenação e o seu ritmo — ela respondeu de pronto. — Você vai tocar melhor assim, mesmo que você nunca toque um paradiddle em uma música de verdade… mas eu não entendo por que ninguém ia querer tocar um paradiddle numa canção! A gente precisa de mais canções com paradiddles.
— Eu sei lá… Eu sei que é um exercício, mas é chato ficar fazendo sempre a mesma coisa — ele respondeu.
— Eu sei, eu sei — ela disse, com um tom dramático, um casco erguido na direção dele e virando-se para o outro lado, como em um teatro. — Exercícios podem ser chatos, mas você pode fazer eles ficarem não chatos, ou deschatos. Você pode deschatizar esses exercícios! E como, você pergunta? Bem, quando eu faço exercícios, eu sempre invento canções alegres quando eu toco, e eles ficam deschatos! Quer ver? — ela disse, pegando outro par de baquetas do saco preso à caixa. — Deixa eu te mostrar!
Ele afastou-se um pouco para dar espaço a ela, e ela começou a tocar um paradiddle rápido, mas não veloz demais, e começou a cantar: — Ei, Honey Drop! / Você é um cara pop! / Você é tão legal / e levanta o meu astral! — Ela repetiu o verso de novo, e parou. — Viu só? É muito mais legal assim!
Dainty até esqueceu-se de ligar o microfone, pois ele não conseguia parar de assisti-los.
— Então eu devia tentar fazer isso? Bom… — Ele puxou o banquinho para perto da caixa, e começou a tocar uma versão lenta do mesmo ritmo, pensando por um momento. — Ei, Pinkie Pie! / Você… ãh, não cai! / Eu toco com baqueta / e eu quero sua… ãh…
Ele parou de tocar e deu de ombros. — Eu não sei fazer isso, Pinkie! Eu não sei fazer canções alegres assim, de improviso, que nem você. Eu acho que o Dainty deve conseguir, mas eu não.
— Ah, mas não precisa ficar perfeito, sabe? — ela disse. — Não precisa nem rimar! Só precisa ser divertido!
— Bom… eu vou tentar pensar em alguma coisa, então…
— Isso, tenta! — ela respondeu. — Mas, por enquanto, eu queria ouvir o seu paradiddle, e aí a gente vai pra outra coisa.
Ele deu de ombros, e começou a tocar de novo, mais devagar. No meio tempo, Hard Fiber chegou, e ficou surpreso ao ver Pinkie Pie ali—mas, naturalmente, ele já a conhecia, então não foi necessário apresentá-los.
Depois de um tempo, eles estavam com os instrumentos prontos, e Dainty Tunes sugeriu que eles tocassem todas as músicas que eles sabiam, como se fosse um show.
— Então, a gente começa com o quê? — Hard Fiber disse.
— Boa pergunta, né? — Honey respondeu. — Tipo, a gente precisaria de um setlist, ou algo assim.
— Que tal começar com Tempo Perdido? — River Mouth disse. — É a primeira que a gente tirou.
— Eu não sei se ela é boa pra abrir o show — Steel Strings.
— Por que não? É uma música linda! — Honey retrucou.
— É claro que é, sim, mas ela não tem clima pra abrir show, eu acho. A gente devia tocar uma mais pra cima, tipo Teorema.
— Teorema? Não, cara — Hard Fiber disse. — Essa aí é pra levantar o clima no fim do show. Quem sabe Quando o Sol Bater?
— Essa é lenta demais, Fiber! — River Mouth disse. — Tem que ser uma animada.
— Gente? Gente? — Dainty disse, tentando interromper, mas o debate prosseguiu. Os olhos de Pinkie Pie pipocavam de pônei para pônei, até ela começar a ficar tonta. Dainty tentou interromper mais vezes, e então levou a boca até o microfone. — Gente! Escutem!
O resto da banda parou de súbito e olhou para ele, com susto.
— É, desculpem — ele disse, afastando-se do microfone. — Eu só queria dizer, a gente não devia discutir isso depois, não? A gente tem que aproveitar o tempo pra tocar as músicas. A Pinkie tá aqui pra ajudar o Honey com a bateria, então não vamos perder tempo com outras coisas… é, eu não quero ser rude. É só o que eu acho.
— Você tem razão, Dainty — River Mouth disse. — Vamos tocar as músicas na ordem que a gente lembra, e ver o setlist depois.
— É, a gente faz isso no sábado, mesmo — Hard Fiber disse.
— Não fica muito tarde? — Honey Drop disse. — A gente devia ter isso antes, já.
— Mas não vai demorar tanto tempo pra fazer — Fiber respondeu. — É rapidinho!
— Sim, mas—
— Gente, qual é! — Dainty interrompeu, esticando um casco.
Honey olhou para ele e encolheu-se um pouco. — Desculpa.
Dainty deu um sorriso desajeitado. — Tudo bem, tudo bem. Vamos tocar. Tempo Perdido, pode ser?
— Certo, vamos — Steel Strings disse.
Eles começaram a tocar, e Pinkie observou Honey Drop atentamente, seguindo o ritmo batendo um casco no chão. Eles chegaram ao fim, e Pinkie começou a dar algumas dicas para Honey Drop, dizendo que ele mexia demais os cascos, desperdiçando energia, ou mostrando como tocar melhor os pratos. Ela mostrou como afinar as peças da bateria, para melhorar o som.
A banda decidiu tocar Será logo depois, e logo começou a música. Pinkie seguiu escutando Honey, acompanhando cada mudança da música até o final.
— Então? O que você achou? — Honey disse.
— Você toca uns ritmos bem interessantes, Honey — ela disse. — Tô impressionada! Você só tem que trabalhar no andamento. Você às vezes sai um pouquinho de sincronia, então eu vou te dar mais exercícios. Você tem que praticar com um metrônomo. Você tem um?
— Ãh, não, eu não tenho. — ele disse.
— Eu posso te emprestar o meu, Honey — Dainty disse. — Leva ele quando for pra casa hoje.
— Puxa, obrigado, Dainty!
— Então, o que você achou do nosso som, Pinkie? — Hard Fiber disse.
— Bem, vocês tem uma casca crocante de legal com um recheio cremoso de show de bola, com flocos crocantes e coberto de delicioso chocolate de uau, que lindo! Ou seja, esse som é uma delícia! Foram vocês que escreveram essas músicas?
— Não, não, elas são de uma banda chamada Tropa da Cidade — Dainty Tunes disse. — Quem dera eu escrevesse tão bem assim.
— Tropa da Cidade? Esse nome é vagamente familiar — Pinkie disse. — É que… quem escreveu essas músicas… não parecia muito feliz, não é? Eu queria dar um abraço nele.
— É, bem, dá pra se dizer que o Deep Voice não era lá muito feliz — Dainty disse, um pouco tímido —, mas isso te incomoda? Você não gosta que as músicas sejam… ãh, não tão felizes?
— Se me incomoda? De jeito algum! — ela disse, com dignidade. — Qualquer emoção é digna de ser expressada como música, mesmo as negativas. Emoções são parte da vida, e a arte é um reflexo da vida como a conhecemos; e mesmo que as canções possam alegrar outros pôneis, uma canção triste pode consolar aqueles que se sentem sozinhos quando estão tristes.
Steel Strings acenou com a cabeça, admirado. — Isso faz muito sentido.
— Bom, isso é ótimo, Pinkie, mas a gente precisa muito ensaiar essas músicas — Dainty disse, olhando para os colegas. — A gente precisa terminar isso.
— Oh! Eu não sabia que vocês tinham pressa — ela disse, um pouco embaraçada.
— É, a gente vai tocar lá na praça no próximo sábado, então a gente—
— Espera… vocês vão fazer um show no sábado? — ela disse, os olhos cheios de entusiasmo, e pulou no meio da sala. — Isso é ótimo! Essa é a oportunidade de vocês darem um grande show—não, espera, um grande espetáculo! Sim, porque embora a música seja a parte mais importante — ela disse, com um tom didático —, não significa que vocês não devem se preocupar com os elementos visuais! Precisamos de fogos de artifício! Shows de luzes! Números de dança! Sim, temos que coreografar uns passos de dança, Dainty Tunes! Vai ser sensacional!
Ele deu uma risada desconfortável. — Mas, Pinkie—
— E você, Honey Drop — ela disse, disparando até a frente da bateria —, lembra que eu te ensinei a tocar com menos movimentos de corpo? Agora usa essa liberdade de movimento pra se expressar! Você tem que ficar gigante atrás da bateria!
— Pinkie, olha — Dainty insistiu, sem resultado.
— E os guitarristas? — ela disse, o rosto revelando uma explosão de ideias. — As guitarras são instrumentos tão chamativos! Vocês têm que ocupar o palco e fazer todo mundo notar vocês! — Ela fazia seu discurso com gestos de uma guitarra imaginária e ajoelhando-se no chão.
Dainty esfregou o rosto. — Pinkie—
— Você, Steel Strings, não pode, de jeito nenhum, tocar sentado! Você tem que arranjar uma correia para o violão e ficar nos seus cascos!
— Pinkie!!
A voz alta que saiu do amplificador fez a casa sacudir, e ela congelou imediatamente em sua pose, e então virou-se educadamente para Dainty. — Sim?
— Pinkie, a gente só vai fazer um show de meia hora na praça — Dainty disse, com a cara fechada —, não precisa de espetáculo nenhum! A gente é uma banda de rock, não uma droga de uma atração de circo! E a gente não tem tempo pra essas bobagens. A gente precisa ensaiar as músicas, sabe? Não tem tempo pra passo de dança. Além disso, você está aqui como professora de dança do Honey Drop, e é o único motivo pra você estar aqui, então para de ser inconveniente e fazer a gente perder tempo, te coloca no seu lugar e deixa a gente ensaiar.
As orelhas dela murcharam e seus ombros caíram. — Tudo bem, eu paro. Podem continuar. — Ela arrastou-se até a bateria. — Eu estou pronta, Honey Drop.
O jeito que ela ficou foi uma punhalada no coração de Dainty, e seus colegas olhavam para ele com susto e vergonha—exceto por Honey Drop, que parecia mesmo furioso. A mente de Dainty correu, e ele percebeu que estava sendo babaca de novo. Ele pensou naquela fatídica noite, na sua conversa com Meteorite, e um mantra começou a soar em sua cabeça: não seja cuzão, não seja cuzão.
— Olha, Pinkie, escuta, eu… Me desculpa, isso foi descabido — ele disse. — Eu perdi o juízo. Eu quero dizer, eu fico grato que você quer nos ajudar a fazer um show legal… mas, infelizmente, nós não temos tempo para nada disso, e temos que priorizar a música. E eu adoro o seu entusiasmo, então eu não devia ter sido grosseiro com você. Suas ideias não são bobagens, e você não é inconveniente. Eu é que… fiquei fora de mim. Por favor, aceite as minhas desculpas.
O rosto dela mostrou um sorriso suave. — Desculpas aceitas!
Os outros membros da banda suspiraram aliviados, mas Honey Drop continuou carrancudo, e não quis olhar direto para Dainty.
— Agora, por favor, continuem com o ensaio — ela disse. — Eu não vou mais interromper. Não mesmo. Palavra de honra. Sério.
— Obrigado, Pinkie — Dainty respondeu, com um sorriso involuntário. — Então, Quase Sem Querer?
— Sim, vamos lá — Fiber disse.
Dainty ficou impressionado com a quantidade de dicas que ela dava para Honey Drop entre uma canção e outra. Ele não fazia ideia que tocar bateria era tão complexo e técnico, mas sempre havia uma explicação clara para tudo. Ele sentia que, depois daquilo, jamais ele seria capaz de pegar um par de baquetas e fazer qualquer som decente, e isso aumentou seu respeito pela bateria.
— Então, vocês estão livres pra outro ensaio essa semana? — Dainty disse. — Eu acho que seria importante.
— Eu tô livre todas as noites — River Mouth disse.
— Eu só vou conseguir na sexta — Hard Fiber disse. — Tipo, eu sei que a gente devia ensaiar mais, mas eu… eu tô ocupado com coisas de família. Foi mal.
— Tudo bem com sexta? — Dainty disse para os outros dois. Eles acenaram com a cabeça. — Eu acho que tá bem, então. As canções saíram bem. A gente só precisa estar aquecido e preparado.
— Eu acho que vocês foram ótimos — Pinkie disse, com um brilho sincero. — Vai ser um show lindo, e eu estarei lá para ver! Especialmente você, Honey Drop!
— Nossa, obrigado, Pinkie — ele respondeu. — Obrigado por ter vindo aqui hoje. Você é uma grande ajuda.
— Foi ótimo ter você aqui, Pinkie Pie — Dainty disse —, e, sempre que você quiser fazer isso de novo, é só nos avisar, e você será bem vinda.
Ela conversou com Honey Drop para acertar a próxima aula e ajudou-o a desmontar a bateria. Os outros começaram a guardar seus instrumentos também. Dainty ofereceu chá para eles, mas os outros não podiam ficar mais tempo.
— Agora, se me permitem — Pinkie disse —, eu tenho algumas coisas para fazer na Sugarcube Corner, então eu vejo vocês no sábado, certo?
Eles se despediram de Pinkie Pie e ela seguiu em seu caminho, saltitante. Honey Drop voltou para dentro para pegar mais algumas peças da bateria, enquanto River Mouth e Hard Fiber já estavam fora.
De repente, Honey Drop pôs-se diante de Dainty, quase prensando-o contra a parede.
— Se você maltratar a Pinkie de novo, você tá ferrado, rapaz — ele disse, apertando os dentes. — Ferrado.
Os olhos de Dainty estavam arregalados e congelados, e seu coração quase parou. Ele sequer conseguia ficar furioso por ser ameaçado dentro de sua própria casa, pois a ameaça tinha motivo. No fim das contas, ele sabia que estaria ferrado mesmo.
Ele olhou para fora, e viu que Fiber e River não notaram nada. Steel Strings olhou para ele com a testa franzida.
— Ãh, até a próxima, Honey — ele disse. — Eu tô entusiasmado com sábado!
Honey saiu carregando os últimos suportes da bateria, e o trio foi embora. Dainty suspirou e olhou para o chão.
— Imbecil do caralho! — ele xingou a si mesmo, esquecendo-se que Steel estava ali.
— Tá tudo bem, Dainty? — ele disse.
Ele olhou para Steel, de sobressalto. — Claro que não! Por que é que eu continuo agindo assim?
— Talvez você esteja estressado — Steel respondeu, enquanto Dainty fechava a porta —, agora com o show e tudo mais.
— Mas isso não é desculpa pra eu ser tão malvado com os outros — Dainty respondeu, desanimado. — Eu tô começando a ficar com medo, sabe? E se eu começar a xingar qualquer um só porque eu tô “estressado”? Isso não é culpa de ninguém, e eu tô machucando os outros e eu mesmo. Isso é horrível, Steel.
— Dainty, se me permite, eu acho que você no fundo é bondoso — Steel disse, fazendo um gesto para ele sentar-se ao lado dele. — Você precisa pensar duas vezes antes de agir, e ter mais domínio das emoções.
— Como se fosse fácil — Dainty disse, sentando-se na cama, a cabeça baixa.
— Eu não disse que é fácil — Steel respondeu, dando de ombros. — Mas eu acho que você consegue. Se você fosse realmente malvado, você nem se preocuparia. Só cuida pra não cair na auto-piedade: reconhece os teus erros e tenta sempre melhorar.
— Auto-piedade… é, isso é um saco, né? — Dainty disse. — É, eu não quero isso, não. É incrível, parece que você sempre tem a coisa certa pra dizer, Steel. Eu tenho sorte de ter você.
— Eu te digo o mesmo, Dainty.
Ele olhou para Steel com um sorriso torto. — Mesmo quando eu sou babaca?
Steel deu de ombros. — Se é isso que me sobra, né?
Eles riram.
*
Dainty Tunes chegou cedo à praça, o palco já estava quase montado, e as bancas estavam sendo carregadas e preparadas. O coração dele palpitava. O ensaio da noite anterior fora tranquilo, as canções estavam boas, e a banda estava preparada e ansiosa para fazer o show. Ainda assim, era uma experiência totalmente nova para ele. Tantos ouvidos e olhos estariam prestando atenção na banda, analisando seu trabalho, que não haveria como não sentir medo. Mas esse era exatamente o motivo pelo qual ele tinha montado a banda, então esse era um medo que ele precisava encarar. Não havia outra saída.
Honey Drop chegou em seguida, trazendo seu equipamento em seu carrinho. Ele cumprimentou Dainty e eles começaram a trabalhar. O resto da banda não demorou a chegar, e, logo depois que Hard Fiber chegou, o gerador foi trazido.
Enquanto a banda montava o palco, a praça ficava cheia de pôneis. Alguns olhares curiosos assistiam ao seu trabalho, e Dainty notou que alguns potros estavam fascinados com as guitarras e com a bateria. Dainty tentava ignorar a multidão, pois sentia que, quanto mais ele notasse-a, mais nervoso ele ficaria.
Quando os amplificadores foram ligados e a bateria foi montada, a banda começou a testar o som e ajustar os níveis.
— Não se esqueçam, gente, a gente não vai tocar tão alto assim — River Mouth disse. — A gente não pode atrapalhar muito os pôneis.
— Sim, moderem o volume — Dainty disse —, e Honey Drop, pega leve na bateria.
— Pode deixar, Dainty — ele respondeu.
Algumas cabeças viraram-se para eles quando eles começaram a testar os instrumentos. Dainty notou que Steel Strings estava usando uma correia, então a sugestão de Pinkie Pie não fora em vão.
Foi só ele pensar nela que Dainty virou a cabeça e enxergou-a, um pouco distante. Ela sorriu e acenou. — Boa sorte! — ela gritou — Você vão arrasar, Honey Drop!
— Obrigado, Pinkie Pie! — ele gritou de volta. — Que égua sensacional.
— Ela é formidável — Steel Strings disse. — Eu acho que tô pronto. Vocês já querem começar?
— Ainda tem alguns minutos até o nosso horário marcado — River Mouth disse, conferindo o relógio da torre. — Vamos esperar.
— Ah, eu tô tão nervoso — Dainty disse, esticando as patas. — Eu quero começar de uma vez.
— Tem certeza? De repente a gente começa agora mesmo — Hard Fiber disse.
— Quem sabe a gente não dá uma passada rápida no som? — Steel Strings disse. — Vamos tocar alguma coisa e ver como sai.
— Certo, quem sabe Teorema? — Dainty disse.
— Sim, claro — River Mouth disse.
— Ei, Pinkie Pie! — Steel Strings chamou, acenando um casco. — Você pode nos ajudar a passar o som?
— Claro! — ela respondeu, disparando até o palco.
A banda começou a tocar, e Pinkie começou a ajudar o processo. — Mais voz! Tira o grave da guitarra! Honey Drop, toca mais suave! Mais violão, eu acho… Acho que está bom!
Algumas cabeças dentre o público viravam-se para ver a banda, e eles interromperam a canção no meio quando acharam que já estava bom.
— Obrigado pela ajuda, Pinkie — Dainty disse. — Tomara que você goste.
— Eu vou sim! Boa sorte! — ela respondeu, e imediatamente se foi.
— Então, vamos começar? — Steel disse.
Dainty sentiu o coração bater mais forte e acenou. — Vamos nessa.
Ele limpou a garganta e aproximou-se do microfone, encarando o público de frente pela primeira vez.
— Olá a todos — ele disse. — Nós somos a Manada de Ponyville, e vamos tocar algumas músicas para vocês.
Ele fez um gesto para Steel Strings, que começou a tocar os primeiros acordes de Quase Sem Querer, e a banda toda logo entrou. Ele não conseguia escutar a banda tão bem quanto ele desejava, mas conseguia acompanhar a batida e sabia exatamente onde estava. Ele estremeceu ao aproximar-se do microfone para cantar, mas ele foi bem.
Hard Fiber estava focado em sua guitarra, olhando para seus cascos, e vez ou outra olhando para os colegas. Steel Strings assistia a Dainty, mas também olhava para o público, e notava que alguns pôneis olhavam para eles. Dois ou três pôneis ficaram junto ao palco e balançavam a cabeça. River Mouth gingava com a canção, mantendo a linha de baixo firme, mas fazendo alguns improvisos cá e acolá. Enquanto isso, Honey Drop divertia-se como nunca, e volta e meia olhava para Pinkie, que sempre tinha um sorriso de incentivo.
Depois do primeiro refrão, Dainty tirou o microfone do suporte e começou a mover-se pelo palco, improvisando poses e gestos para acompanhar as letras, fazendo contato visual direto com os pôneis que estavam junto ao palco, bem como os que passavam por ali. Ele notou que vários potros ficavam encantados com a música, e um quase se perdeu de seus pais e teve que correr atrás deles.
Ainda assim, algo o incomodava às vezes. Ao longe, ele ouvia alguns gritos, mas não dava pra entender o que eles diziam. Ele tentava ficar focado na música, e, assim que a letra terminou, ele passeou pelo palco, ficando junto de seus colegas e gingando com eles.
Assim que a música acabou, ele ouviu aplausos. Pinkie assoviou e clamou ao longe, e Dainty notou que Fluttershy estava com ela, assistindo e batendo os cascos. Honey Drop ergueu as baquetas. Dainty correu até o microfone.
— Obrigado, obrigado a todos! — ele disse.
— Caiam fora daí! — ele ouviu alguém gritar.
Dainty localizou dois pôneis perto de uma banca, e eles estavam rindo da banda. Steel Strings também notou os intrometidos, e apenas sacudiu a cabeça.
Em outra banda, outro pônei também notou o par. Meteorite Shower não pode deixar de irritar-se. — Babacas de merda — ela resmungou.
— Cê falou alguma coisa, Meteorite? — Applejack disse, olhando para ela de relance.
A pégaso engoliu em seco, torcendo que ela não tivesse entendido a frase. — Ah, é que… são só esses caras aí. Eles estão me irritando.
— É, sempre tem alguém pra atrapalhá a festa dos outros — AJ respondeu. — Cê tá gostando da música?
— Tô sim — Meteorite respondeu, tentando ser discreta. — O cantor é… é um conhecido meu.
— Ah, ‘tendi! Deve de sê chato vê esses caras debochando do seu amigo.
— É sim.
Dainty tentou ignorar os gritos dos dois, e continuou falando. — Essa música que tocamos se chama Quase Sem Querer, e foi escrita por uma banda chamada Tropa da Cidade. Nós montamos essa banda pra tocar as músicas deles, e a gente espera que você sgostem.
— Nem a minha avó gosta dessa banda!
— A próxima se chama Será — ele disse, e afastou-se do microfone. — Vamos lá.
Honey Drop fez a contagem, e eles entraram na música. Dainty tentou aproveitar o momento e escutar o som da banda, a despeito das provocações. Afinal, a maioria dos pôneis parecia gostar do som. Ele não esperava ser amado por todos, e imaginava que a maioria do público ficaria indiferente. Ainda assim, ele via algumas cabeças balançando com o ritmo.
Em um momento, surpreso, ele notou algumas moedas na borda do palco. Ele não esperava isso, pois ele sempre dissera que a banda não fazia isso por dinheiro. Apesar disso, ele seguiu cantando.
A canção terminou, e ele ouviu aplausos mais altos dessa vez. Steel Strings arrastou o estojo do seu violão para o pé do palco, e colocou as moedas dentro. Dainty pensou em dizer para ninguém dar-lhes dinheiro, mas achou que isso podia ser grosseiro.
— Obrigado! — ele disse no microfone. — Essas canções falam sobre sentimentos que a gente tem às vezes, e essa próxima é sobre como a gente fica junto, e como isso pode ser complicado. É algo que a gente sempre procura, mas nem sempre encontra. Ela se chama Ainda É Cedo.
— Parem com esse barulho!
Dainty suspirou, e a música começou. Ele tentou ficar focado em sua pequena plateia, e, quando começou a cantar, notou uma pégaso cor-de-rosa com uma crina dourada cantando junto, sabendo toda a letra. Dainty ficou surpreso de ver outra fã da banda, e isso o deixou revigorado.
River Mouth gingava com sua linha de baixo, e notou que Hard Fiber estava focado na sua guitarra, mas parecia alegre e relaxado. Steel Strings tocava seu violão, pois não houvera jeito de trazer um piano para o palco, e ele movia-se, com um leve sorriso no rosto. Os músicos trocavam olhares e sorrisos, incentivando um ao outro.
Em um momento, Steel viu um dos provocadores jogar algo no palco. Era uma bolinha de papel amassado, que bateu na crina de Dainty e caiu no chão. Ele se segurou para não fazer uma careta de nojo, mas o que Dainty fez em seguida deixou-o atordoado: ele agarrou a bolinha do chão e começou a brincar com ela, jogando-a no ar e batendo nela com o casco enquanto cantava. No break instrumental, Dainty continuou brincando com a bolinha, e nem sequer olhou para os provocadores, percebendo que era melhor ignorá-los.
A banda estava com tudo, e, perto do fim, a música tomou toda a intensidade que Dainty sempre pedia nos ensaios. Quando ela terminou, ele ouviu fortes aplausos dos pôneis perto do palco, enquanto alguns na multidão aplaudiam também. Fluttershy e Pinkie Pie aplaudiam e clamavam de seu lugar.
Meteorite estava frustrada com as provocações, enquanto os dois continuavam gritando piadinhas.
— Woohoo! Você é demais, Dainty Tunes! — ela gritou. — Vocês arrasaram!
Applejack ficou vendo-a com o canto dos olhos, divertindo-se, mas esperando que ela não se distraísse demais de seu trabalho.
— Ei! Fecha essa boca, tá legal? — um dos provocadores disse para Meteorite.
— Vai trabalhar — o outro disse, com um sorriso de deboche.
Meteorite olhou para os dois, chocada.
— Êpa! — Applejack retrucou. — Não mexam com a minha funcionária, ocês dois! Se ela quisé, ela vai gritá, sim, e ocês que se virem!
— E você vai fazer o quê, hein? — o primeiro provocador disse.
Applejack estufou o peito e fechou o rosto. — Cês querem vê mesmo?
O segundo provocador cutucou o primeiro, ao ver Big Mac aparecer de trás de algumas caixas, para ver o que acontecia.
Por mais que ela estivesse envergonhada, Meteorite tentou manter-se valente.
— Vem, vamos sair daqui — o primeiro provocador disse, e os dois saíram dali.
— Ocê tá bem, Meteorite? — AJ disse assim que os dois desapareceram.
— Estou sim — ela disse, enquanto ouvia Dainty falar algo. — Desculpe eu ter criado essa confusão.
— Num foi culpa sua, docinho. Só num esquece do seu trabalho, certo?
— Sim, claro, claro! — Meteorite respondeu de sobressalto.
Dainty fazia aqueles pequenos discursos entre as canções, o que dava algum tempo para seus colegas prepararem-se, afinarem os instrumentos e tudo mais. O resto do show prosseguiu sem incidentes, e tocaram canção atrás de canção, até chegarem à última.
— Foi com essa próxima música que eu conheci essa banda, e fez eu me apaixonar por ela — Dainty disse. — E por isso, eu queria agradecer ao nosso violonista, Steel Strings, que me mostrou essa música e fez todo esse negócio começar. Ela se chama Tempo Perdido, e é a nossa última música de hoje. Eu espero que vocês tenham gostado, vocês foram um público lindo, e eu agradeço de coração. Vai lá, Fiber!
Hard Fiber tocou o arpejo inicial, e eles entraram na música. Todos os membros da banda estavam entregues, e Dainty cantou com grande emoção por tocar uma música com tamanho significado. Foi um momento intenso para ele, e, assim que a música terminou, o aplauso surpreendeu-o. O pônei rosa gritava de entusiasmo, assim como Pinkie e Fluttershy ao longe.
— Steel Strings no violão! Hard Fiber na guitarra! River Mouth no baixo! Honey Drop na bateria! Eu sou Dainty Tunes no vocal. Nós somos a Manada de Ponyville, e foi uma honra para nós. Obrigado a todos! Cuidem-se e tenham um ótimo dia.
Houve mais aplausos, e a multidão logo voltou às suas atividades normais. Os pôneis perto do palco dispersaram-se, exceto pela cor-de-rosa.
— Vocês foram demais! — ela gritou. — Eu amo a Tropa! Obrigada!
— Obrigado a você, querida! — Dainty respondeu sorrindo.
— É! — Honey Drop disse lá de trás. — Você é que é demais!
Ela se afastou, sorrindo, e enfim seguiu seu caminho.
A banda já estava desmontando o equipamento quando Pinkie Pie e Fluttershy aproximaram-se do palco.
— Gente — Pinkie disse, os olhos enormes. — Isso foi sensacional! Vocês estavam, tipo, cheios de energia, e a música estava ótima, e a sua presença de palco? Nossa! Eu disse que vocês deviam fazer disso um espetáculo, e quer saber? Vocês foram espetaculares!
Dainty deu um sorriso tímido. — Ah, puxa, Pinkie! Se você achou isso, eu já fico feliz.
— Sim, foi mesmo um belo show — Fluttershy disse. — Foi lindo… um pouco alto, talvez, mas lindo.
— Vocês são pura gentileza, moças — River Mouth disse. — Obrigada!
Pinkie aproximou-se de Honey Drop para falar com ele, provavelmente sobre a bateria, e Fluttershy foi até River Mouth. Dainty olhou para o estojo do violão no pé do palco. Ele não estava tão lotado de moedas, mas elas não deviam estar lá.
— A gente não pode ficar com esse dinheiro — ele disse, aproximando-se de Steel Strings. — A gente não devia lucrar com isso.
— Você tá preocupado mesmo com isso, né? — Steel respondeu.
— Eu prometi ao Shimmering Chord que eu não ia ganhar dinheiro com as músicas deles, e eu não vou quebrar a promessa.
— Sim, é justo — Steel disse. — Mas o que a gente faz então?
— Talvez a gente devesse doar — Hard Fiber disse. — Se não me engano, tem uma caixa de doações no início do mercado. Eu acho que é pro orfanato.
— Ótima ideia, Fiber — Dainty disse. — Maravilha. Eu vou depositar o dinheiro, então.
Dainty pegou o alforje e guardou as moedas em um compartimento específico, e foi procurar a caixa de doações. Depois de depositar o dinheiro, ele ouviu uma voz familiar ao voltar para o palco.
— Ei, Dainty Tunes! Valeu pelo show! Parabéns, parceiro!
Ele virou-se para Meteorite e acenou, tímido.
— Ah, obrigado, Meteorite!
Applejack e Bic Mac olharam para ele e acenaram com a cabeça. Dainty ficou em êxtase, mas também encabulado com a atenção, então ele agradeceu e voltou para o palco.
— Num é bem o tipo de música que eu gosto — Applejack disse —, mas num foi nada mal, não!
— E é! — Big Mac respondeu, voltando para o trabalho.
A banda terminou de guardar o equipamento nos carrinhos. O plano era levar tudo para a casa de Dainty, e então voltar para comer alguma coisa e comemorar. Eles começaram a conversar sobre coisas diversas do show no caminho de volta, enquanto Dainty parecia imerso em pensamento.
— Então? O que você achou, Dainty? — Steel disse.
— A gente precisa melhorar — ele respondeu.
River Mouth sentiu um calafrio com o tom de voz dele. Honey Drop franziu a testa.
— Quer dizer, não levem a mal, eu adorei tocar — Dainty prosseguiu —, mas a gente ainda tem trabalho pra fazer. A gente cometeu uns erros que não costumava cometer nos ensaios, e eu acho que os andamentos não estavam firmes. Mas a gente dá um jeito.
— Eu nos dou uma colher de chá — River Mouth disse. — Foi nosso primeiro show, a gente tava nervoso. A gente nunca tocou ao vivo.
— Certo — Hard Fiber disse. — Considerando que foi nossa primeira vez, a gente se saiu bem.
— Sim, vocês tem razão — Dainty disse. — Eu adorei fazer isso com vocês. Mas, se a gente quiser levar isso adiante e continuar tocando, a gente ainda tem o que melhorar, então não vamos ficar confiantes demais. É só isso que eu digo.
Ele parou de caminhar de repente, e os outros viraram-se para ele. — Eu quero dizer, de verdade, esse foi um dos melhores dias da minha vida — Dainty disse, ousando dar um sorriso sincero. — Lembra quando eu disse pra vocês colocarem o sentimento de vocês na música e serem ótimos? Vocês fizeram exatamente isso. E foi o máximo porque vocês foram o máximo. Eu não poderia ter uma banda melhor do que vocês…
Antes que Dainty se pusesse a chorar, Steel Strings abriu um sorriso e foi abraçá-lo. — Deixa esse coração mole pra lá, amigo! Vamos lá!
— A gente foi demais — Honey Drop disse. — E foi tudo graças a você.
— Isso é só o começo, gente, podem acreditar — Dainty disse. — Confiem em mim.
— É claro que sim, cara — Steel Strings disse. — Vem, vamos largar essas coisas e comer alguma coisa!
A banda foi até um restaurante para almoçar e conversar, e estavam todos sorridentes e entusiasmados. Às vezes eles faziam piadas com os dois provocadores, embora Dainty não quisesse pensar muito neles.
— É meio triste, porque a gente provavelmente vai se deparar com pôneis que detestam a banda, e eles não querem que a gente faça isso — Steel Strings disse. — Eu não consigo acreditar que eles fariam aquilo em público.
— Pois é! O que é que eles tinham na cabeça? — River Mouth disse. — Pelo menos eles saíram no meio do show.
— Eu vi eles brigarem com alguém em uma das bancas — Hard Fiber disse. — Eu acho que não foi só a gente que se incomodou.
— Eu não tô nem aí pr’aqueles caras — Honey Drop disse. — Eu só sei que o dia foi ótimo, e eu queria poder viver tudo isso de novo amanhã.
— Ei, é cedo pra ficar nostálgico! — Dainty disse. — A gente tem que aprender mais músicas e montar, tipo, o nosso primeiro show de verdade. Isso foi só um tira-gosto.
— Sim, mas é que foi tão legal — ele respondeu. — Vocês viram aqueles pôneis assistindo a gente na beira do palco? Tipo, a gente tem fãs!
— Eu acho que eles eram mais fãs da Tropa — Dainty ponderou.
— Grande coisa! Eles são nossos fãs agora! — Honey retrucou, rindo.
Eles continuaram conversando durante o almoço, e, como eles tinham tempo livre durante a tarde, eles ficaram juntos por um bom tempo, até voltarem para a casa de Dainty. Honey Drop foi o primeiro a ir embora, pois ele tinha coisas para fazer na fazenda, e em seguida River Mouth se foi, pois ela precisava estudar. Eles marcaram o próximo ensaio antes dos dois saírem, e os outros três ficaram conversando ali mesmo.
O sol estava quase se pondo quando Hard Fiber disse que precisava ir, e saiu com sua guitarra e cubo. Steel Strings ficou para trás, e Dainty olhou para ele e sorriu.
— Tá um dia lindo lá fora — Steel disse. — Quem sabe a gente dá uma saída pra aproveitar o resto da tarde.
Dainty olhou para fora. Parecia um pouquinho tarde. — Acho que dá, sim.
— Vamos lá para o lago — Steel disse.
Eles caminharam até o Lago Saddle, conversando sobre pequenas coisas, nada a respeito do show daquele dia, pois eles já tinham exaurido o assunto. Ao sentarem-se à margem do lago, o sol estava quase indo embora, e eles se puseram a observar a paisagem e ouvir aos sons tranquilos dos seus arredores vazios.
— O que você tá sentindo, Dainty Tunes? — Steel disse.
Dainty respirou fundo e contemplou essa pergunta. Por algum motivo, ele achava que ela merecia algo mais do que uma resposta simples e geral.
— Eu sinto… — Ele franziu a testa, pensando bastante. — Isso é difícil de responder. Eu sinto… uma coisa engraçado, porque eu me sinto em paz, mas também… eu quero fazer isso de novo. Tipo, agora mesmo.
— Quando você diz isso, você quer dizer o show?
— Isso — Dainty disse. — Sabe, eu tava tão assustado que algo podia dar errado… Sei lá, talvez eu subisse lá e tentasse cantar e a minha voz não ia sair, ou eu perdesse a voz por causa do nervosismo… ou algum de nós ia esquecer as músicas ou perder o compasso e a gente ia se atrapalhar e passar vergonha… Quer dizer, não que eu esperasse que vocês errassem, eu só… eu tava com medo. Eu tentei não pensar em nada, mas o medo era de verdade. E então… então foi quase tudo perfeito. Foi o máximo estar lá, cantando, fazendo música pros outros pôneis… Foi mágico. Eu não sei se alguma outra coisa possa ser tão boa assim.
Steel sorriu e acenou com a cabeça.
— Bom, quer dizer — Dainty disse, rindo-se —, eu sei de uma coisa que é tão boa assim, mas… é, melhor deixar por isso mesmo.
Dainty olhou para o rosto de Steel e viu um sorriso que parecia ingênuo e atrevido ao mesmo tempo.
— Mas enfim… eu tô tão, mas tão feliz de ter feito isso com vocês. Vocês fizeram isso tudo tão bom…
Steel respirou fundo e olhou para o lago. — Eu também gostei. Eu gostei… eu adorei te ver no palco, Dainty. Você estava… tão radiante, tão luminoso, tão… — Ele bateu um casco na grama e bufou de leve. — Ah, pra que ficar disfarçando? Você foi a coisa mais linda que eu já vi, Dainty.
Steel não ousou olhar para ele. Dainty ficou pensando no que aquele elogio significava: “lindo” em qual sentido? Artístico ou…?
— Eu não quero mais ficar me contendo — Steel continuou. — Seu rosto me hipnotiza. Eu quero… eu preciso ficar contigo. Eu preciso… eu preciso de você.
Dainty finalmente olhou para Steel, e, embora ele só conseguisse ver seu rosto de perfil, ele via que sua expressão era tensa. Hesitando por um momento, ele moveu um casco e delicadamente colocou-o sobre o casco de Steel. Dainty viu ele suspirar, trêmulo, e fechar os olhos.
Então, Dainty levou o outro casco até o rosto de Steel, e suavemente virou-o até eles se olharem de frente.
Nenhuma palavra foi dita. Eles apenas aproximaram-se e deixaram o inevitável acontecer.
O sol se pôs, e os grilos começaram a cantar.
Steel Strings repousou a cabeça no ombro de Dainty, sentindo seu cheiro.
— Talvez a gente possa… ir para a sua casa? — Steel murmurou. — Tem uma coisa que… que eu queria que você fizesse comigo.
Dainty estremeceu, ansioso. — E o que seria isso?
Steel afastou-se um pouco para ver o rosto de Dainty, olhou para a grama, e de volta para ele. — Você pode me ensinar que negócio é esse de ré dórico, afinal?
Os dois riram. Dainty queria xingá-lo, mas apenas riu.
— É só isso que você quer? — ele disse.
Steel sacudiu a cabeça. — Não, querido. Talvez… você possa me mostrar que coisa é essa que é tão boa quanto tocar música.
— Ah, isso eu posso fazer — Dainty respondeu, cerrando um pouco os olhos.
Eles se levantaram e caminharam devagar de volta à casa de Dainty.
*
— Sabe, Steel Strings — Dainty disse, enquanto as estrelas cintilavam do lado de fora. — Eu vou me corrigir: esse foi o melhor dia da minha vida.
— Eu digo o mesmo, querido.
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