segunda-feira, 28 de junho de 2021

A Manada de Ponyville. Faixa 5: Um Dia Perfeito

Na noite de terça, a banda reuniu-se de novo para tocar, e Dainty já parecia o mesmo pônei de semanas antes, que adorava cada segundo da música e cantava com o coração, não com os ouvidos notando cada pequeno defeito, real ou imaginário. Enquanto eles passavam as músicas, os outros membros notavam detalhes e coisas para melhorar, e conversavam entre si sobre como as músicas deviam ser. Dainty percebeu que ele não precisava controlar tudo, pois a banda também tinha uma intuição de como tudo devia fluir. Depois de uma segunda passada em Quando o Sol Bater na Janela do Seu Quarto, Dainty apoiou-se no suporte do microfone e observou a banda encerrar a canção.

— Gente, é impressão minha, ou a gente tá muito bem? — ele disse.

— Bom, eu não sei dizer quanto à bateria, mas eu tô gostando de ouvir vocês — Honey Drop disse.

— Eu acho que a gente tá bem, sim — Steel Strings disse. — Eu tô gostando muito.

— Sabem, eu conversei com uma professora de bateria — Honey disse. — Ela disse que pode me dar umas dicas de como melhorar, e a gente vai começar as aulas amanhã.

— Que ótimo, Honey! — Dainty respondeu. — Eu acho que vai te ajudar muito. — Ele fez uma pausa. — Então, vamos tentar Ainda É Cedo?

River Mouth sentiu um leve calafrio. — Claro.

Eles se prepararam e começaram a música. Dainty cantou-a inteira como os olhos na banda, gesticulando e movendo-se. Hard Fiber nunca vira ele cantar essa canção com tamanha intensidade, e a música toda parecia pulsar. Ele finalmente entendeu o poder daquela canção, e teve a sensação de que seus colegas sentiram o mesmo.

— Nossa, que demais! — Honey Drop disse assim que a música acabou.

— É, foi ótimo — Steel Strings disse.

— Você improvisou menos agora, River Mouth — Dainty disse. — Foi por causa das minhas críticas?

— Bom, em parte — ela respondeu. — Eu, sei lá, dessa vez, eu estava escutando todo mundo tocar, e a música começou a fazer sentido. Então, eu tava só tocando, sabe? Eu ainda fiz alguns floreios quando eu achei que dava, mas eles vieram naturalmente.

— Você estava tocando muito bem, River — Hard Fiber disse.

— É, sabe, eu andei pensando nisso esses dias — ela prosseguiu. — Numa das bandas em que eu toquei, eu tinha essas linhas super legais, e era muito divertido tocar. Eu adoro fazer esse tipo de coisa. Só que, quando eu toco com vocês, e mais, tipo… eu tô carregando a harmonia. É como se eu carregasse os acordes nos ombros, e eu tô dando apoio ao negócio todo. É um poder enorme que eu tenho, sabe? — Ela sorriu. — É tipo dirigir um trator. Eu acho que é isso que as músicas precisam.

— Então é isso, a River Mouth dirige o nosso trator! — Honey Drop respondeu.

— Me parece mais um rolo compressor, River — Hard Fiber disse. — O seu som é ótimo.

— Obrigada, gente — ela disse.

Um pouco depois, Dainty sugeriu que eles começassem a estudar uma música nova, O Mundo Anda Tão Complicado, e eles dedicaram o resto do ensaio para tirar a música. Eles não conseguiram terminar, mas eles decidiram começar de onde pararam no próximo ensaio.

Hard Fiber, River Mouth e Honey Drop pareciam felizes de verdade quando saíram. Steel Strings ficou sentado na cama, pensativo.

— Nossa — Dainty disse, virando-se para ele. — É incrível o que acontece quando a gente age como um pônei decente, né?

Steel sorriu. — É, quem diria. Então, como é que você tá se sentindo?

— Eu tô bem — Dainty respondeu. — Ótimo, na verdade. Eu acho que eles começaram a sentir mais a música agora, e tá tudo fluindo muito bem.

— Eu adoro ver e ouvir você cantando, Dainty — Steel disse. — Você parece… tão cheio de vida agora.

— Que bom ouvir isso. Eu… sinto isso também, sabe, mas não sabia se era só impressão minha.

— Bom, pra mim, dá pra ver — Steel disse. — Você é… você está… de volta à ativa, amigão.

Dainty sorriu para ele. — A Manada de Ponyville está de volta à ativa, rapaz!

Eles bateram os cascos.


A banda juntou-se de novo na sexta, e o ensaio fluiu bem novamente. Eles continuaram aprendendo novas músicas, e pareciam ficar cada vez mais em forma.

— Cara, a gente devia tocar essas músicas em público — Honey Drop disse. — A gente já toca um monte de música. A gente tem que sair lá e mostrar.

— Mas a gente não tem um show ainda — Dainty disse. — O que a gente tem não chega a meia hora, eu acho. E eu nem sei onde a gente poderia tocar.

— Quem sabe lá na praça? — Hard Fiber disse.

— Será? Eu acho a gente barulhento demais para lá.

— Bom, a gente pode maneirar um pouco, se for o caso — Steel Strings disse. — A gente pode focar mais nas músicas mais animadas, e acho que fica tudo bem.

— Mas onde a gente vai ligar as caixas e tudo? — Honey disse. — Eu não sei se eles têm energia lá.

— A gente pode alugar um gerador — River Mouth disse.

Dainty ponderou. — Parece factível… e na verdade, eu adoraria tocar em público. Mas… me parece meio arriscado, ainda assim.

— Mas a ideia é a gente sair e tocar um dia, né? — Honey Drop disse. — Então vamos fazer isso logo!

— Eu adoro o seu entusiasmo, Honey — Dainty disse sorrindo. — É que… bom, o que é que vocês acham? A gente devia tentar?

— Eu acho que sim — River Mouth disse. — A gente tá bem ensaiado, e vai servir de experiência pra todos nós.

— Eu tô pronto — Steel Strings disse — Eu posso conseguir um gerador, e algum de vocês pode ir até a prefeitura e colocar o nosso nome lá.

— Eu posso fazer isso — River respondeu. — Eu dou uma conferida lá, e aviso vocês. O que vocês acham?

— Seria ótimo — Dainty disse. — Obrigado, gente.

— Por sinal, Dainty — Honey disse. — A minha professora de bateria disse que queria ver o nosso ensaio um dia, pra ver como eu toco com vocês. Teria algum problema?

— Problema nenhum, Honey — ele respondeu. — Na verdade, é ótimo que ela queira fazer isso. Vai te ajudar muito.

— Certo, Dainty, valeu.


Dainty estava um pouco frustrado, pois eles só conseguiriam ensaiar novamente na terça. Os compromissos de seus colegas impediam que eles tocassem mais vezes, mas Dainty tentava não se preocupar. Afinal, não era por medo de ir lento demais, mas porque era tão bom tocar com a banda.

Então, terça chegou, e Dainty aguardava ansioso pelos seus colegas. Honey Drop foi o primeiro a chegar.

— Então, a minha professora de bateria vai chegar daqui a pouco — ele disse, enquanto Dainty começava a levar as peças para dentro. — Eu espero que não atrapalhe no ensaio.

— Eu não acho que vai — Dainty respondeu. — Se a gente focar um pouco mais na sua bateria dessa vez, pode ser bom pra todo mundo, então nem se preocupa.

Steel Strings e River Mouth chegaram em seguida, e com boas notícias.

— Eles tinham uma vaga pra este sábado — ela disse —, então eu coloquei o nosso nome.

Dainty teve um sobressalto. — Este sábado?

— É — River respondeu. — Não é nada demais, é?

Ele coçou a cabeça, os olhos arregalados. — Eu achei que a gente teria mais tempo… mas, bom, eu acho que dá pra fazer.

— Eu acho que tá tudo bem, Dainty — Steel disse. — Eu consigo o gerador. A gente podia rachar o valor entre todos, o que acham?

Honey Drop pareceu um pouco preocupado. — É, pode ser.

— Pode contar comigo, Steel — Dainty disse. — Eu confesso que eu fico meio nervoso, mas, bom, o que dá pra fazer é ensaiar feito louco agora.

— Sim, vamos lá — River Mouth disse, ligando o baixo no seu amplificador.

— Eu pensei que a gente poderia começar uma música nova hoje — Dainty prosseguiu —, mas vamos focar nas que a gente já sabe, e se preparar pro show.

— Sim, concordo — Steel disse.

— Olááááá, Manada de Ponyville!

Os olhos de Dainty Tunes arregalaram-se.

— Ah, olha, minha professora chegou! — Honey Drop disse, enquanto terminava de prender um prato ao suporte.

Dainty virou-se para a porta, o cenho franzido, e olhou de volta para Honey. — A Pinkie Pie é a sua professora de bateria?

— Sim, o que tem? — ele disse.

— Posso entrar? — ela disse, colocando a cabeça dentro da casa. — Embora a minha cabeça já tenha entrado, o que significa que eu já entrei em parte, mas eu posso entrar inteira? Eu gosto de estar dentro em parte, mas eu também gosto de estar dentro inteira. Então, posso entrar inteira?

— É, claro que sim, Pinkie — Dainty disse, desajeitado. — Bom, Honey, eu só achei… inusitado, só isso. — Ele sorriu sem jeito. — Mas as aulas devem ser divertidas!

— Mm-hmm! — ela disse, largando uma pequena cesta sobre a mesa da cozinha .— E eu trouxe biscoitos!

— Oh, eu já gostei! — River Mouth disse.

— Mas, Pinkie, eu não sabia que você era professora de bateria — Dainty disse. — Desde quando você dá aulas?

— Uuuh, já faz um tempão! — ela disse, olhando para cima, como se contasse. — Uma semana, pra ser exata!

Dainty hesitou. — Então Honey é o seu primeiro aluno?

— Sim! E um aluno super sensacional,sim! — ela disse, acariciando sua cabeça. — Ele é disciplinado e dedicado, presta atenção em tudo, e ele faz todos os exercícios. Ele é o meu melhor aluno de todos os tempos!

— Bom, isso é, tipo, bem legal — Dainty disse, tentando não rir. — Ah, que bobeira minha, eu nem apresentei você aos meus colegas. Esse aqui é—

— Apresentar? — ela interrompeu, com um olhar perplexo. — Pra que me apresentar à River Mouth e ao Steel Strings? Eu conheço eles há um tempão! Ela é uma cientista sensacional que sabe de tudo que vive debaixo d’água, e ele é, tipo, o melhor luthier da cidade, que já fez vários trabalhinhos para mim.

— Você sempre me adulando, né, Pinkie? — Steel Strings disse.

— Mm-hmm! — River disse, engolindo uma mordida de biscoito. — Ela é tão gentil.

— E nós temos outro colega também, o Hard Fiber, nosso guitarrista — Dainty disse. — Eu… imagino que você já conhece ele, né?

— É claro! — Pinkie respondeu sorrindo. — Eu sou fã do trabalho dele! Você se surpreenderia se soubesse da importância do uso de cordas e tecidos de boa qualidade na execução de excelentes festas!

— Eu acho que ficaria, sim — Dainty disse sorrindo. — Enfim, Fiber deve chegar daqui a pouco, então você pode se ocupar com o Honey Drop no meio tempo.

— É pra já! — ela respondeu, virando-se para Honey. — Então, você tem treinado o paradiddle?

— Tenho, sim — ele disse.

— Então deixa eu ouvir. Pode começar quando quiser.

— Certo.

Ele preparou as baquetas e começou a tocar o ritmo na caixa, mas, após poucas repetições, começou a atrapalhar-se.

— Opa, opa! Tá rápido demais! — ela disse, interrompendo-o. — Não toca rápido se você não consegue manter. Toca devagarinho. É mais importante manter o ritmo pelo tempo que for do que tocar rápido. Quer dizer, tocar rápido também é importante, mas você começa devagar, aí acelera, acelera, acelera, acelera e aí acelera mais um pouco, e é assim que você vai ficar bom nisso!

— É — ele disse, coçando o queixo —, mas, Pinkie, por que eu tenho que ficar fazendo isso? Eu nem toco isso nas músicas.

— É um exercício pra melhorar a sua coordenação e o seu ritmo — ela respondeu de pronto. — Você vai tocar melhor assim, mesmo que você nunca toque um paradiddle em uma música de verdade… mas eu não entendo por que ninguém ia querer tocar um paradiddle numa canção! A gente precisa de mais canções com paradiddles.

— Eu sei lá… Eu sei que é um exercício, mas é chato ficar fazendo sempre a mesma coisa — ele respondeu.

— Eu sei, eu sei — ela disse, com um tom dramático, um casco erguido na direção dele e virando-se para o outro lado, como em um teatro. — Exercícios podem ser chatos, mas você pode fazer eles ficarem não chatos, ou deschatos. Você pode deschatizar esses exercícios! E como, você pergunta? Bem, quando eu faço exercícios, eu sempre invento canções alegres quando eu toco, e eles ficam deschatos! Quer ver? — ela disse, pegando outro par de baquetas do saco preso à caixa. — Deixa eu te mostrar!

Ele afastou-se um pouco para dar espaço a ela, e ela começou a tocar um paradiddle rápido, mas não veloz demais, e começou a cantar: — Ei, Honey Drop! / Você é um cara pop! / Você é tão legal / e levanta o meu astral! — Ela repetiu o verso de novo, e parou. — Viu só? É muito mais legal assim!

Dainty até esqueceu-se de ligar o microfone, pois ele não conseguia parar de assisti-los.

— Então eu devia tentar fazer isso? Bom… — Ele puxou o banquinho para perto da caixa, e começou a tocar uma versão lenta do mesmo ritmo, pensando por um momento. — Ei, Pinkie Pie! / Você… ãh, não cai! / Eu toco com baqueta / e eu quero sua… ãh…

Ele parou de tocar e deu de ombros. — Eu não sei fazer isso, Pinkie! Eu não sei fazer canções alegres assim, de improviso, que nem você. Eu acho que o Dainty deve conseguir, mas eu não.

— Ah, mas não precisa ficar perfeito, sabe? — ela disse. — Não precisa nem rimar! Só precisa ser divertido!

— Bom… eu vou tentar pensar em alguma coisa, então…

— Isso, tenta! — ela respondeu. — Mas, por enquanto, eu queria ouvir o seu paradiddle, e aí a gente vai pra outra coisa.

Ele deu de ombros, e começou a tocar de novo, mais devagar. No meio tempo, Hard Fiber chegou, e ficou surpreso ao ver Pinkie Pie ali—mas, naturalmente, ele já a conhecia, então não foi necessário apresentá-los.

Depois de um tempo, eles estavam com os instrumentos prontos, e Dainty Tunes sugeriu que eles tocassem todas as músicas que eles sabiam, como se fosse um show.

— Então, a gente começa com o quê? — Hard Fiber disse.

— Boa pergunta, né? — Honey respondeu. — Tipo, a gente precisaria de um setlist, ou algo assim.

— Que tal começar com Tempo Perdido? — River Mouth disse. — É a primeira que a gente tirou.

— Eu não sei se ela é boa pra abrir o show — Steel Strings.

— Por que não? É uma música linda! — Honey retrucou.

— É claro que é, sim, mas ela não tem clima pra abrir show, eu acho. A gente devia tocar uma mais pra cima, tipo Teorema.

— Teorema? Não, cara — Hard Fiber disse. — Essa aí é pra levantar o clima no fim do show. Quem sabe Quando o Sol Bater?

— Essa é lenta demais, Fiber! — River Mouth disse. — Tem que ser uma animada.

— Gente? Gente? — Dainty disse, tentando interromper, mas o debate prosseguiu. Os olhos de Pinkie Pie pipocavam de pônei para pônei, até ela começar a ficar tonta. Dainty tentou interromper mais vezes, e então levou a boca até o microfone. — Gente! Escutem!

O resto da banda parou de súbito e olhou para ele, com susto.

— É, desculpem — ele disse, afastando-se do microfone. — Eu só queria dizer, a gente não devia discutir isso depois, não? A gente tem que aproveitar o tempo pra tocar as músicas. A Pinkie tá aqui pra ajudar o Honey com a bateria, então não vamos perder tempo com outras coisas… é, eu não quero ser rude. É só o que eu acho.

— Você tem razão, Dainty — River Mouth disse. — Vamos tocar as músicas na ordem que a gente lembra, e ver o setlist depois.

— É, a gente faz isso no sábado, mesmo — Hard Fiber disse.

— Não fica muito tarde? — Honey Drop disse. — A gente devia ter isso antes, já.

— Mas não vai demorar tanto tempo pra fazer — Fiber respondeu. — É rapidinho!

— Sim, mas—

— Gente, qual é! — Dainty interrompeu, esticando um casco.

Honey olhou para ele e encolheu-se um pouco. — Desculpa.

Dainty deu um sorriso desajeitado. — Tudo bem, tudo bem. Vamos tocar. Tempo Perdido, pode ser?

— Certo, vamos — Steel Strings disse.

Eles começaram a tocar, e Pinkie observou Honey Drop atentamente, seguindo o ritmo batendo um casco no chão. Eles chegaram ao fim, e Pinkie começou a dar algumas dicas para Honey Drop, dizendo que ele mexia demais os cascos, desperdiçando energia, ou mostrando como tocar melhor os pratos. Ela mostrou como afinar as peças da bateria, para melhorar o som.

A banda decidiu tocar Será logo depois, e logo começou a música. Pinkie seguiu escutando Honey, acompanhando cada mudança da música até o final.

— Então? O que você achou? — Honey disse.

— Você toca uns ritmos bem interessantes, Honey — ela disse. — Tô impressionada! Você só tem que trabalhar no andamento. Você às vezes sai um pouquinho de sincronia, então eu vou te dar mais exercícios. Você tem que praticar com um metrônomo. Você tem um?

— Ãh, não, eu não tenho. — ele disse.

— Eu posso te emprestar o meu, Honey — Dainty disse. — Leva ele quando for pra casa hoje.

— Puxa, obrigado, Dainty!

— Então, o que você achou do nosso som, Pinkie? — Hard Fiber disse.

— Bem, vocês tem uma casca crocante de legal com um recheio cremoso de show de bola, com flocos crocantes e coberto de delicioso chocolate de uau, que lindo! Ou seja, esse som é uma delícia! Foram vocês que escreveram essas músicas?

— Não, não, elas são de uma banda chamada Tropa da Cidade — Dainty Tunes disse. — Quem dera eu escrevesse tão bem assim.

— Tropa da Cidade? Esse nome é vagamente familiar — Pinkie disse. — É que… quem escreveu essas músicas… não parecia muito feliz, não é? Eu queria dar um abraço nele.

— É, bem, dá pra se dizer que o Deep Voice não era lá muito feliz — Dainty disse, um pouco tímido —, mas isso te incomoda? Você não gosta que as músicas sejam… ãh, não tão felizes?

— Se me incomoda? De jeito algum! — ela disse, com dignidade. — Qualquer emoção é digna de ser expressada como música, mesmo as negativas. Emoções são parte da vida, e a arte é um reflexo da vida como a conhecemos; e mesmo que as canções possam alegrar outros pôneis, uma canção triste pode consolar aqueles que se sentem sozinhos quando estão tristes.

Steel Strings acenou com a cabeça, admirado. — Isso faz muito sentido.

— Bom, isso é ótimo, Pinkie, mas a gente precisa muito ensaiar essas músicas — Dainty disse, olhando para os colegas. — A gente precisa terminar isso.

— Oh! Eu não sabia que vocês tinham pressa — ela disse, um pouco embaraçada.

— É, a gente vai tocar lá na praça no próximo sábado, então a gente—

— Espera… vocês vão fazer um show no sábado? — ela disse, os olhos cheios de entusiasmo, e pulou no meio da sala. — Isso é ótimo! Essa é a oportunidade de vocês darem um grande show—não, espera, um grande espetáculo! Sim, porque embora a música seja a parte mais importante — ela disse, com um tom didático —, não significa que vocês não devem se preocupar com os elementos visuais! Precisamos de fogos de artifício! Shows de luzes! Números de dança! Sim, temos que coreografar uns passos de dança, Dainty Tunes! Vai ser sensacional!

Ele deu uma risada desconfortável. — Mas, Pinkie—

— E você, Honey Drop — ela disse, disparando até a frente da bateria —, lembra que eu te ensinei a tocar com menos movimentos de corpo? Agora usa essa liberdade de movimento pra se expressar! Você tem que ficar gigante atrás da bateria!

— Pinkie, olha — Dainty insistiu, sem resultado.

— E os guitarristas? — ela disse, o rosto revelando uma explosão de ideias. — As guitarras são instrumentos tão chamativos! Vocês têm que ocupar o palco e fazer todo mundo notar vocês! — Ela fazia seu discurso com gestos de uma guitarra imaginária e ajoelhando-se no chão.

Dainty esfregou o rosto. — Pinkie—

— Você, Steel Strings, não pode, de jeito nenhum, tocar sentado! Você tem que arranjar uma correia para o violão e ficar nos seus cascos!

— Pinkie!!

A voz alta que saiu do amplificador fez a casa sacudir, e ela congelou imediatamente em sua pose, e então virou-se educadamente para Dainty. — Sim?

— Pinkie, a gente só vai fazer um show de meia hora na praça — Dainty disse, com a cara fechada —, não precisa de espetáculo nenhum! A gente é uma banda de rock, não uma droga de uma atração de circo! E a gente não tem tempo pra essas bobagens. A gente precisa ensaiar as músicas, sabe? Não tem tempo pra passo de dança. Além disso, você está aqui como professora de dança do Honey Drop, e é o único motivo pra você estar aqui, então para de ser inconveniente e fazer a gente perder tempo, te coloca no seu lugar e deixa a gente ensaiar.

As orelhas dela murcharam e seus ombros caíram. — Tudo bem, eu paro. Podem continuar. — Ela arrastou-se até a bateria. — Eu estou pronta, Honey Drop.

O jeito que ela ficou foi uma punhalada no coração de Dainty, e seus colegas olhavam para ele com susto e vergonha—exceto por Honey Drop, que parecia mesmo furioso. A mente de Dainty correu, e ele percebeu que estava sendo babaca de novo. Ele pensou naquela fatídica noite, na sua conversa com Meteorite, e um mantra começou a soar em sua cabeça: não seja cuzão, não seja cuzão.

— Olha, Pinkie, escuta, eu… Me desculpa, isso foi descabido — ele disse. — Eu perdi o juízo. Eu quero dizer, eu fico grato que você quer nos ajudar a fazer um show legal… mas, infelizmente, nós não temos tempo para nada disso, e temos que priorizar a música. E eu adoro o seu entusiasmo, então eu não devia ter sido grosseiro com você. Suas ideias não são bobagens, e você não é inconveniente. Eu é que… fiquei fora de mim. Por favor, aceite as minhas desculpas.

O rosto dela mostrou um sorriso suave. — Desculpas aceitas!

Os outros membros da banda suspiraram aliviados, mas Honey Drop continuou carrancudo, e não quis olhar direto para Dainty.

— Agora, por favor, continuem com o ensaio — ela disse. — Eu não vou mais interromper. Não mesmo. Palavra de honra. Sério.

— Obrigado, Pinkie — Dainty respondeu, com um sorriso involuntário. — Então, Quase Sem Querer?

— Sim, vamos lá — Fiber disse.


Dainty ficou impressionado com a quantidade de dicas que ela dava para Honey Drop entre uma canção e outra. Ele não fazia ideia que tocar bateria era tão complexo e técnico, mas sempre havia uma explicação clara para tudo. Ele sentia que, depois daquilo, jamais ele seria capaz de pegar um par de baquetas e fazer qualquer som decente, e isso aumentou seu respeito pela bateria.

— Então, vocês estão livres pra outro ensaio essa semana? — Dainty disse. — Eu acho que seria importante.

— Eu tô livre todas as noites — River Mouth disse.

— Eu só vou conseguir na sexta — Hard Fiber disse. — Tipo, eu sei que a gente devia ensaiar mais, mas eu… eu tô ocupado com coisas de família. Foi mal.

— Tudo bem com sexta? — Dainty disse para os outros dois. Eles acenaram com a cabeça. — Eu acho que tá bem, então. As canções saíram bem. A gente só precisa estar aquecido e preparado.

— Eu acho que vocês foram ótimos — Pinkie disse, com um brilho sincero. — Vai ser um show lindo, e eu estarei lá para ver! Especialmente você, Honey Drop!

— Nossa, obrigado, Pinkie — ele respondeu. — Obrigado por ter vindo aqui hoje. Você é uma grande ajuda.

— Foi ótimo ter você aqui, Pinkie Pie — Dainty disse —, e, sempre que você quiser fazer isso de novo, é só nos avisar, e você será bem vinda.

Ela conversou com Honey Drop para acertar a próxima aula e ajudou-o a desmontar a bateria. Os outros começaram a guardar seus instrumentos também. Dainty ofereceu chá para eles, mas os outros não podiam ficar mais tempo.

— Agora, se me permitem — Pinkie disse —, eu tenho algumas coisas para fazer na Sugarcube Corner, então eu vejo vocês no sábado, certo?

Eles se despediram de Pinkie Pie e ela seguiu em seu caminho, saltitante. Honey Drop voltou para dentro para pegar mais algumas peças da bateria, enquanto River Mouth e Hard Fiber já estavam fora.

De repente, Honey Drop pôs-se diante de Dainty, quase prensando-o contra a parede.

— Se você maltratar a Pinkie de novo, você tá ferrado, rapaz — ele disse, apertando os dentes. — Ferrado.

Os olhos de Dainty estavam arregalados e congelados, e seu coração quase parou. Ele sequer conseguia ficar furioso por ser ameaçado dentro de sua própria casa, pois a ameaça tinha motivo. No fim das contas, ele sabia que estaria ferrado mesmo.

Ele olhou para fora, e viu que Fiber e River não notaram nada. Steel Strings olhou para ele com a testa franzida.

— Ãh, até a próxima, Honey — ele disse. — Eu tô entusiasmado com sábado!

Honey saiu carregando os últimos suportes da bateria, e o trio foi embora. Dainty suspirou e olhou para o chão.

Imbecil do caralho! — ele xingou a si mesmo, esquecendo-se que Steel estava ali.

— Tá tudo bem, Dainty? — ele disse.

Ele olhou para Steel, de sobressalto. — Claro que não! Por que é que eu continuo agindo assim?

— Talvez você esteja estressado — Steel respondeu, enquanto Dainty fechava a porta —, agora com o show e tudo mais.

— Mas isso não é desculpa pra eu ser tão malvado com os outros — Dainty respondeu, desanimado. — Eu tô começando a ficar com medo, sabe? E se eu começar a xingar qualquer um só porque eu tô “estressado”? Isso não é culpa de ninguém, e eu tô machucando os outros e eu mesmo. Isso é horrível, Steel.

— Dainty, se me permite, eu acho que você no fundo é bondoso — Steel disse, fazendo um gesto para ele sentar-se ao lado dele. — Você precisa pensar duas vezes antes de agir, e ter mais domínio das emoções.

— Como se fosse fácil — Dainty disse, sentando-se na cama, a cabeça baixa.

— Eu não disse que é fácil — Steel respondeu, dando de ombros. — Mas eu acho que você consegue. Se você fosse realmente malvado, você nem se preocuparia. Só cuida pra não cair na auto-piedade: reconhece os teus erros e tenta sempre melhorar.

— Auto-piedade… é, isso é um saco, né? — Dainty disse. — É, eu não quero isso, não. É incrível, parece que você sempre tem a coisa certa pra dizer, Steel. Eu tenho sorte de ter você.

— Eu te digo o mesmo, Dainty.

Ele olhou para Steel com um sorriso torto. — Mesmo quando eu sou babaca?

Steel deu de ombros. — Se é isso que me sobra, né?

Eles riram.


*


Dainty Tunes chegou cedo à praça, o palco já estava quase montado, e as bancas estavam sendo carregadas e preparadas. O coração dele palpitava. O ensaio da noite anterior fora tranquilo, as canções estavam boas, e a banda estava preparada e ansiosa para fazer o show. Ainda assim, era uma experiência totalmente nova para ele. Tantos ouvidos e olhos estariam prestando atenção na banda, analisando seu trabalho, que não haveria como não sentir medo. Mas esse era exatamente o motivo pelo qual ele tinha montado a banda, então esse era um medo que ele precisava encarar. Não havia outra saída.

Honey Drop chegou em seguida, trazendo seu equipamento em seu carrinho. Ele cumprimentou Dainty e eles começaram a trabalhar. O resto da banda não demorou a chegar, e, logo depois que Hard Fiber chegou, o gerador foi trazido.

Enquanto a banda montava o palco, a praça ficava cheia de pôneis. Alguns olhares curiosos assistiam ao seu trabalho, e Dainty notou que alguns potros estavam fascinados com as guitarras e com a bateria. Dainty tentava ignorar a multidão, pois sentia que, quanto mais ele notasse-a, mais nervoso ele ficaria.

Quando os amplificadores foram ligados e a bateria foi montada, a banda começou a testar o som e ajustar os níveis.

— Não se esqueçam, gente, a gente não vai tocar tão alto assim — River Mouth disse. — A gente não pode atrapalhar muito os pôneis.

— Sim, moderem o volume — Dainty disse —, e Honey Drop, pega leve na bateria.

— Pode deixar, Dainty — ele respondeu.

Algumas cabeças viraram-se para eles quando eles começaram a testar os instrumentos. Dainty notou que Steel Strings estava usando uma correia, então a sugestão de Pinkie Pie não fora em vão.

Foi só ele pensar nela que Dainty virou a cabeça e enxergou-a, um pouco distante. Ela sorriu e acenou. — Boa sorte! — ela gritou — Você vão arrasar, Honey Drop!

— Obrigado, Pinkie Pie! — ele gritou de volta. — Que égua sensacional.

— Ela é formidável — Steel Strings disse. — Eu acho que tô pronto. Vocês já querem começar?

— Ainda tem alguns minutos até o nosso horário marcado — River Mouth disse, conferindo o relógio da torre. — Vamos esperar.

— Ah, eu tô tão nervoso — Dainty disse, esticando as patas. — Eu quero começar de uma vez.

— Tem certeza? De repente a gente começa agora mesmo — Hard Fiber disse.

— Quem sabe a gente não dá uma passada rápida no som? — Steel Strings disse. — Vamos tocar alguma coisa e ver como sai.

— Certo, quem sabe Teorema? — Dainty disse.

— Sim, claro — River Mouth disse.

— Ei, Pinkie Pie! — Steel Strings chamou, acenando um casco. — Você pode nos ajudar a passar o som?

— Claro! — ela respondeu, disparando até o palco.

A banda começou a tocar, e Pinkie começou a ajudar o processo. — Mais voz! Tira o grave da guitarra! Honey Drop, toca mais suave! Mais violão, eu acho… Acho que está bom!

Algumas cabeças dentre o público viravam-se para ver a banda, e eles interromperam a canção no meio quando acharam que já estava bom.

— Obrigado pela ajuda, Pinkie — Dainty disse. — Tomara que você goste.

— Eu vou sim! Boa sorte! — ela respondeu, e imediatamente se foi.

— Então, vamos começar? — Steel disse.

Dainty sentiu o coração bater mais forte e acenou. — Vamos nessa.

Ele limpou a garganta e aproximou-se do microfone, encarando o público de frente pela primeira vez.

— Olá a todos — ele disse. — Nós somos a Manada de Ponyville, e vamos tocar algumas músicas para vocês.

Ele fez um gesto para Steel Strings, que começou a tocar os primeiros acordes de Quase Sem Querer, e a banda toda logo entrou. Ele não conseguia escutar a banda tão bem quanto ele desejava, mas conseguia acompanhar a batida e sabia exatamente onde estava. Ele estremeceu ao aproximar-se do microfone para cantar, mas ele foi bem.

Hard Fiber estava focado em sua guitarra, olhando para seus cascos, e vez ou outra olhando para os colegas. Steel Strings assistia a Dainty, mas também olhava para o público, e notava que alguns pôneis olhavam para eles. Dois ou três pôneis ficaram junto ao palco e balançavam a cabeça. River Mouth gingava com a canção, mantendo a linha de baixo firme, mas fazendo alguns improvisos cá e acolá. Enquanto isso, Honey Drop divertia-se como nunca, e volta e meia olhava para Pinkie, que sempre tinha um sorriso de incentivo.

Depois do primeiro refrão, Dainty tirou o microfone do suporte e começou a mover-se pelo palco, improvisando poses e gestos para acompanhar as letras, fazendo contato visual direto com os pôneis que estavam junto ao palco, bem como os que passavam por ali. Ele notou que vários potros ficavam encantados com a música, e um quase se perdeu de seus pais e teve que correr atrás deles.

Ainda assim, algo o incomodava às vezes. Ao longe, ele ouvia alguns gritos, mas não dava pra entender o que eles diziam. Ele tentava ficar focado na música, e, assim que a letra terminou, ele passeou pelo palco, ficando junto de seus colegas e gingando com eles.

Assim que a música acabou, ele ouviu aplausos. Pinkie assoviou e clamou ao longe, e Dainty notou que Fluttershy estava com ela, assistindo e batendo os cascos. Honey Drop ergueu as baquetas. Dainty correu até o microfone.

— Obrigado, obrigado a todos! — ele disse.

Caiam fora daí! — ele ouviu alguém gritar.

Dainty localizou dois pôneis perto de uma banca, e eles estavam rindo da banda. Steel Strings também notou os intrometidos, e apenas sacudiu a cabeça.

Em outra banda, outro pônei também notou o par. Meteorite Shower não pode deixar de irritar-se. — Babacas de merda — ela resmungou.

— Cê falou alguma coisa, Meteorite? — Applejack disse, olhando para ela de relance.

A pégaso engoliu em seco, torcendo que ela não tivesse entendido a frase. — Ah, é que… são só esses caras aí. Eles estão me irritando.

— É, sempre tem alguém pra atrapalhá a festa dos outros — AJ respondeu. — Cê tá gostando da música?

— Tô sim — Meteorite respondeu, tentando ser discreta. — O cantor é… é um conhecido meu.

— Ah, ‘tendi! Deve de sê chato vê esses caras debochando do seu amigo.

— É sim.

Dainty tentou ignorar os gritos dos dois, e continuou falando. — Essa música que tocamos se chama Quase Sem Querer, e foi escrita por uma banda chamada Tropa da Cidade. Nós montamos essa banda pra tocar as músicas deles, e a gente espera que você sgostem.

— Nem a minha avó gosta dessa banda!

— A próxima se chama Será — ele disse, e afastou-se do microfone. — Vamos lá.

Honey Drop fez a contagem, e eles entraram na música. Dainty tentou aproveitar o momento e escutar o som da banda, a despeito das provocações. Afinal, a maioria dos pôneis parecia gostar do som. Ele não esperava ser amado por todos, e imaginava que a maioria do público ficaria indiferente. Ainda assim, ele via algumas cabeças balançando com o ritmo.

Em um momento, surpreso, ele notou algumas moedas na borda do palco. Ele não esperava isso, pois ele sempre dissera que a banda não fazia isso por dinheiro. Apesar disso, ele seguiu cantando.

A canção terminou, e ele ouviu aplausos mais altos dessa vez. Steel Strings arrastou o estojo do seu violão para o pé do palco, e colocou as moedas dentro. Dainty pensou em dizer para ninguém dar-lhes dinheiro, mas achou que isso podia ser grosseiro.

— Obrigado! — ele disse no microfone. — Essas canções falam sobre sentimentos que a gente tem às vezes, e essa próxima é sobre como a gente fica junto, e como isso pode ser complicado. É algo que a gente sempre procura, mas nem sempre encontra. Ela se chama Ainda É Cedo.

— Parem com esse barulho!

Dainty suspirou, e a música começou. Ele tentou ficar focado em sua pequena plateia, e, quando começou a cantar, notou uma pégaso cor-de-rosa com uma crina dourada cantando junto, sabendo toda a letra. Dainty ficou surpreso de ver outra fã da banda, e isso o deixou revigorado.

River Mouth gingava com sua linha de baixo, e notou que Hard Fiber estava focado na sua guitarra, mas parecia alegre e relaxado. Steel Strings tocava seu violão, pois não houvera jeito de trazer um piano para o palco, e ele movia-se, com um leve sorriso no rosto. Os músicos trocavam olhares e sorrisos, incentivando um ao outro.

Em um momento, Steel viu um dos provocadores jogar algo no palco. Era uma bolinha de papel amassado, que bateu na crina de Dainty e caiu no chão. Ele se segurou para não fazer uma careta de nojo, mas o que Dainty fez em seguida deixou-o atordoado: ele agarrou a bolinha do chão e começou a brincar com ela, jogando-a no ar e batendo nela com o casco enquanto cantava. No break instrumental, Dainty continuou brincando com a bolinha, e nem sequer olhou para os provocadores, percebendo que era melhor ignorá-los.

A banda estava com tudo, e, perto do fim, a música tomou toda a intensidade que Dainty sempre pedia nos ensaios. Quando ela terminou, ele ouviu fortes aplausos dos pôneis perto do palco, enquanto alguns na multidão aplaudiam também. Fluttershy e Pinkie Pie aplaudiam e clamavam de seu lugar.

Meteorite estava frustrada com as provocações, enquanto os dois continuavam gritando piadinhas.

— Woohoo! Você é demais, Dainty Tunes! — ela gritou. — Vocês arrasaram!

Applejack ficou vendo-a com o canto dos olhos, divertindo-se, mas esperando que ela não se distraísse demais de seu trabalho.

— Ei! Fecha essa boca, tá legal? — um dos provocadores disse para Meteorite.

— Vai trabalhar — o outro disse, com um sorriso de deboche.

Meteorite olhou para os dois, chocada.

— Êpa! — Applejack retrucou. — Não mexam com a minha funcionária, ocês dois! Se ela quisé, ela vai gritá, sim, e ocês que se virem!

— E você vai fazer o quê, hein? — o primeiro provocador disse.

Applejack estufou o peito e fechou o rosto. — Cês querem vê mesmo?

O segundo provocador cutucou o primeiro, ao ver Big Mac aparecer de trás de algumas caixas, para ver o que acontecia.

Por mais que ela estivesse envergonhada, Meteorite tentou manter-se valente.

— Vem, vamos sair daqui — o primeiro provocador disse, e os dois saíram dali.

— Ocê tá bem, Meteorite? — AJ disse assim que os dois desapareceram.

— Estou sim — ela disse, enquanto ouvia Dainty falar algo. — Desculpe eu ter criado essa confusão.

— Num foi culpa sua, docinho. Só num esquece do seu trabalho, certo?

— Sim, claro, claro! — Meteorite respondeu de sobressalto.

Dainty fazia aqueles pequenos discursos entre as canções, o que dava algum tempo para seus colegas prepararem-se, afinarem os instrumentos e tudo mais. O resto do show prosseguiu sem incidentes, e tocaram canção atrás de canção, até chegarem à última.

— Foi com essa próxima música que eu conheci essa banda, e fez eu me apaixonar por ela — Dainty disse. — E por isso, eu queria agradecer ao nosso violonista, Steel Strings, que me mostrou essa música e fez todo esse negócio começar. Ela se chama Tempo Perdido, e é a nossa última música de hoje. Eu espero que vocês tenham gostado, vocês foram um público lindo, e eu agradeço de coração. Vai lá, Fiber!

Hard Fiber tocou o arpejo inicial, e eles entraram na música. Todos os membros da banda estavam entregues, e Dainty cantou com grande emoção por tocar uma música com tamanho significado. Foi um momento intenso para ele, e, assim que a música terminou, o aplauso surpreendeu-o. O pônei rosa gritava de entusiasmo, assim como Pinkie e Fluttershy ao longe.

— Steel Strings no violão! Hard Fiber na guitarra! River Mouth no baixo! Honey Drop na bateria! Eu sou Dainty Tunes no vocal. Nós somos a Manada de Ponyville, e foi uma honra para nós. Obrigado a todos! Cuidem-se e tenham um ótimo dia.

Houve mais aplausos, e a multidão logo voltou às suas atividades normais. Os pôneis perto do palco dispersaram-se, exceto pela cor-de-rosa.

— Vocês foram demais! — ela gritou. — Eu amo a Tropa! Obrigada!

— Obrigado a você, querida! — Dainty respondeu sorrindo.

— É! — Honey Drop disse lá de trás. — Você é que é demais!

Ela se afastou, sorrindo, e enfim seguiu seu caminho.

A banda já estava desmontando o equipamento quando Pinkie Pie e Fluttershy aproximaram-se do palco.

— Gente — Pinkie disse, os olhos enormes. — Isso foi sensacional! Vocês estavam, tipo, cheios de energia, e a música estava ótima, e a sua presença de palco? Nossa! Eu disse que vocês deviam fazer disso um espetáculo, e quer saber? Vocês foram espetaculares!

Dainty deu um sorriso tímido. — Ah, puxa, Pinkie! Se você achou isso, eu já fico feliz.

— Sim, foi mesmo um belo show — Fluttershy disse. — Foi lindo… um pouco alto, talvez, mas lindo.

— Vocês são pura gentileza, moças — River Mouth disse. — Obrigada!

Pinkie aproximou-se de Honey Drop para falar com ele, provavelmente sobre a bateria, e Fluttershy foi até River Mouth. Dainty olhou para o estojo do violão no pé do palco. Ele não estava tão lotado de moedas, mas elas não deviam estar lá.

— A gente não pode ficar com esse dinheiro — ele disse, aproximando-se de Steel Strings. — A gente não devia lucrar com isso.

— Você tá preocupado mesmo com isso, né? — Steel respondeu.

— Eu prometi ao Shimmering Chord que eu não ia ganhar dinheiro com as músicas deles, e eu não vou quebrar a promessa.

— Sim, é justo — Steel disse. — Mas o que a gente faz então?

— Talvez a gente devesse doar — Hard Fiber disse. — Se não me engano, tem uma caixa de doações no início do mercado. Eu acho que é pro orfanato.

— Ótima ideia, Fiber — Dainty disse. — Maravilha. Eu vou depositar o dinheiro, então.

Dainty pegou o alforje e guardou as moedas em um compartimento específico, e foi procurar a caixa de doações. Depois de depositar o dinheiro, ele ouviu uma voz familiar ao voltar para o palco.

— Ei, Dainty Tunes! Valeu pelo show! Parabéns, parceiro!

Ele virou-se para Meteorite e acenou, tímido.

— Ah, obrigado, Meteorite!

Applejack e Bic Mac olharam para ele e acenaram com a cabeça. Dainty ficou em êxtase, mas também encabulado com a atenção, então ele agradeceu e voltou para o palco.

— Num é bem o tipo de música que eu gosto — Applejack disse —, mas num foi nada mal, não!

— E é! — Big Mac respondeu, voltando para o trabalho.


A banda terminou de guardar o equipamento nos carrinhos. O plano era levar tudo para a casa de Dainty, e então voltar para comer alguma coisa e comemorar. Eles começaram a conversar sobre coisas diversas do show no caminho de volta, enquanto Dainty parecia imerso em pensamento.

— Então? O que você achou, Dainty? — Steel disse.

— A gente precisa melhorar — ele respondeu.

River Mouth sentiu um calafrio com o tom de voz dele. Honey Drop franziu a testa.

— Quer dizer, não levem a mal, eu adorei tocar — Dainty prosseguiu —, mas a gente ainda tem trabalho pra fazer. A gente cometeu uns erros que não costumava cometer nos ensaios, e eu acho que os andamentos não estavam firmes. Mas a gente dá um jeito.

— Eu nos dou uma colher de chá — River Mouth disse. — Foi nosso primeiro show, a gente tava nervoso. A gente nunca tocou ao vivo.

— Certo — Hard Fiber disse. — Considerando que foi nossa primeira vez, a gente se saiu bem.

— Sim, vocês tem razão — Dainty disse. — Eu adorei fazer isso com vocês. Mas, se a gente quiser levar isso adiante e continuar tocando, a gente ainda tem o que melhorar, então não vamos ficar confiantes demais. É só isso que eu digo.

Ele parou de caminhar de repente, e os outros viraram-se para ele. — Eu quero dizer, de verdade, esse foi um dos melhores dias da minha vida — Dainty disse, ousando dar um sorriso sincero. — Lembra quando eu disse pra vocês colocarem o sentimento de vocês na música e serem ótimos? Vocês fizeram exatamente isso. E foi o máximo porque vocês foram o máximo. Eu não poderia ter uma banda melhor do que vocês…

Antes que Dainty se pusesse a chorar, Steel Strings abriu um sorriso e foi abraçá-lo. — Deixa esse coração mole pra lá, amigo! Vamos lá!

— A gente foi demais — Honey Drop disse. — E foi tudo graças a você.

— Isso é só o começo, gente, podem acreditar — Dainty disse. — Confiem em mim.

— É claro que sim, cara — Steel Strings disse. — Vem, vamos largar essas coisas e comer alguma coisa!


A banda foi até um restaurante para almoçar e conversar, e estavam todos sorridentes e entusiasmados. Às vezes eles faziam piadas com os dois provocadores, embora Dainty não quisesse pensar muito neles.

— É meio triste, porque a gente provavelmente vai se deparar com pôneis que detestam a banda, e eles não querem que a gente faça isso — Steel Strings disse. — Eu não consigo acreditar que eles fariam aquilo em público.

— Pois é! O que é que eles tinham na cabeça? — River Mouth disse. — Pelo menos eles saíram no meio do show.

— Eu vi eles brigarem com alguém em uma das bancas — Hard Fiber disse. — Eu acho que não foi só a gente que se incomodou.

— Eu não tô nem aí pr’aqueles caras — Honey Drop disse. — Eu só sei que o dia foi ótimo, e eu queria poder viver tudo isso de novo amanhã.

— Ei, é cedo pra ficar nostálgico! — Dainty disse. — A gente tem que aprender mais músicas e montar, tipo, o nosso primeiro show de verdade. Isso foi só um tira-gosto.

— Sim, mas é que foi tão legal — ele respondeu. — Vocês viram aqueles pôneis assistindo a gente na beira do palco? Tipo, a gente tem fãs!

— Eu acho que eles eram mais fãs da Tropa — Dainty ponderou.

— Grande coisa! Eles são nossos fãs agora! — Honey retrucou, rindo.

Eles continuaram conversando durante o almoço, e, como eles tinham tempo livre durante a tarde, eles ficaram juntos por um bom tempo, até voltarem para a casa de Dainty. Honey Drop foi o primeiro a ir embora, pois ele tinha coisas para fazer na fazenda, e em seguida River Mouth se foi, pois ela precisava estudar. Eles marcaram o próximo ensaio antes dos dois saírem, e os outros três ficaram conversando ali mesmo.

O sol estava quase se pondo quando Hard Fiber disse que precisava ir, e saiu com sua guitarra e cubo. Steel Strings ficou para trás, e Dainty olhou para ele e sorriu.

— Tá um dia lindo lá fora — Steel disse. — Quem sabe a gente dá uma saída pra aproveitar o resto da tarde.

Dainty olhou para fora. Parecia um pouquinho tarde. — Acho que dá, sim.

— Vamos lá para o lago — Steel disse.


Eles caminharam até o Lago Saddle, conversando sobre pequenas coisas, nada a respeito do show daquele dia, pois eles já tinham exaurido o assunto. Ao sentarem-se à margem do lago, o sol estava quase indo embora, e eles se puseram a observar a paisagem e ouvir aos sons tranquilos dos seus arredores vazios.

— O que você tá sentindo, Dainty Tunes? — Steel disse.

Dainty respirou fundo e contemplou essa pergunta. Por algum motivo, ele achava que ela merecia algo mais do que uma resposta simples e geral.

— Eu sinto… — Ele franziu a testa, pensando bastante. — Isso é difícil de responder. Eu sinto… uma coisa engraçado, porque eu me sinto em paz, mas também… eu quero fazer isso de novo. Tipo, agora mesmo.

— Quando você diz isso, você quer dizer o show?

— Isso — Dainty disse. — Sabe, eu tava tão assustado que algo podia dar errado… Sei lá, talvez eu subisse lá e tentasse cantar e a minha voz não ia sair, ou eu perdesse a voz por causa do nervosismo… ou algum de nós ia esquecer as músicas ou perder o compasso e a gente ia se atrapalhar e passar vergonha… Quer dizer, não que eu esperasse que vocês errassem, eu só… eu tava com medo. Eu tentei não pensar em nada, mas o medo era de verdade. E então… então foi quase tudo perfeito. Foi o máximo estar lá, cantando, fazendo música pros outros pôneis… Foi mágico. Eu não sei se alguma outra coisa possa ser tão boa assim.

Steel sorriu e acenou com a cabeça.

— Bom, quer dizer — Dainty disse, rindo-se —, eu sei de uma coisa que é tão boa assim, mas… é, melhor deixar por isso mesmo.

Dainty olhou para o rosto de Steel e viu um sorriso que parecia ingênuo e atrevido ao mesmo tempo.

— Mas enfim… eu tô tão, mas tão feliz de ter feito isso com vocês. Vocês fizeram isso tudo tão bom…

Steel respirou fundo e olhou para o lago. — Eu também gostei. Eu gostei… eu adorei te ver no palco, Dainty. Você estava… tão radiante, tão luminoso, tão… — Ele bateu um casco na grama e bufou de leve. — Ah, pra que ficar disfarçando? Você foi a coisa mais linda que eu já vi, Dainty.

Steel não ousou olhar para ele. Dainty ficou pensando no que aquele elogio significava: “lindo” em qual sentido? Artístico ou…?

— Eu não quero mais ficar me contendo — Steel continuou. — Seu rosto me hipnotiza. Eu quero… eu preciso ficar contigo. Eu preciso… eu preciso de você.

Dainty finalmente olhou para Steel, e, embora ele só conseguisse ver seu rosto de perfil, ele via que sua expressão era tensa. Hesitando por um momento, ele moveu um casco e delicadamente colocou-o sobre o casco de Steel. Dainty viu ele suspirar, trêmulo, e fechar os olhos.

Então, Dainty levou o outro casco até o rosto de Steel, e suavemente virou-o até eles se olharem de frente.

Nenhuma palavra foi dita. Eles apenas aproximaram-se e deixaram o inevitável acontecer.

O sol se pôs, e os grilos começaram a cantar.

Steel Strings repousou a cabeça no ombro de Dainty, sentindo seu cheiro.

— Talvez a gente possa… ir para a sua casa? — Steel murmurou. — Tem uma coisa que… que eu queria que você fizesse comigo.

Dainty estremeceu, ansioso. — E o que seria isso?

Steel afastou-se um pouco para ver o rosto de Dainty, olhou para a grama, e de volta para ele. — Você pode me ensinar que negócio é esse de ré dórico, afinal?

Os dois riram. Dainty queria xingá-lo, mas apenas riu.

— É só isso que você quer? — ele disse.

Steel sacudiu a cabeça. — Não, querido. Talvez… você possa me mostrar que coisa é essa que é tão boa quanto tocar música.

— Ah, isso eu posso fazer — Dainty respondeu, cerrando um pouco os olhos.

Eles se levantaram e caminharam devagar de volta à casa de Dainty.


*


— Sabe, Steel Strings — Dainty disse, enquanto as estrelas cintilavam do lado de fora. — Eu vou me corrigir: esse foi o melhor dia da minha vida.

— Eu digo o mesmo, querido.

sábado, 26 de junho de 2021

A Manada de Ponyville. Faixa 4: A Tempestade

Depois que o tempo deles no teatro acabou, Dainty decidiu trazer a recém formada Manada de Ponyville para sua casa, para eles acertarem algumas coisas. Ele também emprestar alguns dos seus discos para Honey Drop, para que ele os usasse para praticar em casa.

— Se você prefere tocar com música de verdade, usa essas aqui — Dainty disse. — Começa com as mais lentas. E começa bem simples. Não tenta tocar todos os rolos e viradas, só tenta ficar firme nas levadas.

— Tá legal, eu vou fazer isso — Honey disse. — E valeu pelos discos.

— Certo, mas eu tô só te emprestando eles, tá bom? — Dainty disse, com uma ênfase cômica. — Eu espero receber eles de volta novinhos em folha..

— Claro, pode contar comigo!

— Além disso, não esquece que ninguém aqui é baterista — Steel Strings disse —, então a gente não tem muito como te ajudar a melhorar. O ideal seria que você tivesse aula com um professor de verdade.

Honey Drop quase riu. — E você acha que os meus pais iam querer eu tendo aula de bateria? Eu acho que eles já se arrependeram de ter me dado a minha bateria.

Dainty ficou chocado com a franqueza, mas preferiu não dizer nada.

— Bom, foi só uma sugestão — Steel disse, encolhendo-se um pouco. — Se você só conseguir praticar sozinho em casa, já tá de bom tamanho.

— Tá, isso eu faço.

— Na verdade, todo mundo aqui devia praticar — ele prosseguiu, olhando de relance para Hard Fiber. — Tipo, ainda mais agora que a gente tem uma banda de verdade, né? Vocês percebem o quanto isso é legal?

— Eu não sou pégaso, mas eu tô andando nas nuvens! — Dainty respondeu da cozinha, onde ele começava a preparar chá.

— Sim, é demais que era só nós três há um tempinho atrás, e agora a banda tá completa — Hard Fiber disse. — E a gente tem até nome!

— É, tem isso também — Steel disse.

— Bom, vocês sabem que eu inventei esse nome só de brincadeira — Dainty disse. — Não precisa ser o nosso nome oficial, e tal. Se alguém tiver uma sugestão melhor, por favor, façam.

— Ah, eu gostei — River Mouth disse. — É humilde, mas é honesto.

— Sim, se foi uma ideia tão espontânea, é porque era pra ser — Steel Strings disse.

— Pois é, tipo, sabe, vocês inventaram mesmo aquilo tudo na hora? — Honey Drop disse, quase explodindo de entusiasmo. — Como é que vocês fazem isso? Tipo, improvisar, e tal?

— Bom, isso é questão de prática — Dainty disse. — É meio que nem falar. Eu tô inventando essas frases agora, mas eu sei bem o que eu quero dizer, e eu conheço as palavras, a gramática, como estruturar as frases… então, eu vou juntando tudo enquanto eu falo. Com a música, é parecido: se você tem o ritmo, o tom, e uma harmonia, você começa a juntar os pedaços e vai embora.

— Sei lá, isso é papo de louco pra mim — Honey Drop disse, balançando a cabeça. — Pra mim, isso parece mágica.

Hard Fiber riu-se. — Talvez seja pra River Mouth!

Ela riu. — Não, é bem que nem o Dainty disse. É pura prática.

— Então, se eu praticar, eu vou ser bom que nem vocês? — Honey disse.

— Eu não acho que você tem que tentar ser que nem a gente — Dainty disse. — Você tem que ser o melhor que você pode conseguir.

— Ah, qual é, não vem com esse papo! — Honey retrucou. — Eu sei que vocês não fazem todo esse esforço só pra ser “o melhor que vocês podem conseguir”. Vocês querem ser ótimos, vocês querem ser o máximo. Vocês querem ser os melhores, e ponto.

Dainty deu de ombros. — Bom, eu acho que é melhor almejar muito do que pouco, mas não acho que tem como ser o melhor. Eu não acho que eu consigo ser tão bom quanto os meus ídolos, pra começar. Mas o que eu tento fazer é superar as minhas dificuldades. Sempre que eu não consigo fazer alguma coisa, eu tento até conseguir… ou eu tento, pelo menos.

— É isso que você tem que fazer, Honey — Steel Strings disse. — Esse é o espírito.

River Mouth e Hard Fiber acenaram com a cabeça.

— Bom, então tá! — Honey Drop disse. — É isso que eu vou fazer!

— Certo que vai, parceiro — Dainty respondeu.


*


O primeiro ensaio da Manada de Ponyville como quinteto aconteceu na terça seguinte. Dainty passou os dias tentando não explodir de ansiedade, e agora, ele estava em casa, esperando os colegas chegarem.

Como de sempre, Steel Strings chegou primeiro. Honey Drop chegou minutos depois, pois Dainty havia pedido que ele chegasse cedo para montar a bateria. Dainty e Steel ajudaram a trazer as peças para dentro, enquanto Honey Drop montava-as. Hard Fiber chegou surpreendentemente cedo, e, poucos minutos depois, River Mouth estava lá também.

— Então, Honey Drop, diz aí — Dainty disse, enquanto os outros ligavam os instrumentos —, quais músicas você já consegue tocar?

— Bom, eu acho que a melhorzinha é Há Tempos, porque não é muito rápida — Honey respondeu. — Mas eu tô tentando as outras também, só que… eu ainda não tô muito bem nelas.

— Tá bom, a gente começa com essa, então — Dainty disse. — E você tentou tocar alguma outra música que você ouviu? Quer dizer, fora as que a gente já tá ensaiando?

— Ah, sim, eu tentei Ainda É Cedo — ele disse. — Essa eu consigo, mais ou menos.

— Certo. Eu não lembro de já ter ensaiado essa daí, mas a gente pode dar uma escutada nela — Dainty disse. — Trouxe os discos?

Honey Drop ficou parado, os olhos arregalados. — Não… Era pra eu ter trazido?

— Bom, sim — Dainty disse, olhando para o chão —, mas eu não te avisei, né? É importante ter os discos, pra gente poder ouvir as músicas juntos. Mas não esquenta. Só lembra de trazer eles da próxima vez. Você pode levar eles de volta pra casa depois do ensaio, se precisar.

— Ah, tá bom, então, valeu.

Em seguida, eles terminaram de arrumar os instrumentos, e Dainty sentou-se ao piano, o microfone diante dele.

— Então, Há Tempos? — Dainty disse. — Honey Drop, essa é você que puxa.

— Ah, sim, mas, é… sabe aquele rolo na introdução? — Honey disse. — Eu não sei tocar aquilo ainda.

— Ah, tá, não tem problema. Só faz uma contagem e a gente começa.

— Contagem? Tipo, um, dois, três, quatro, assim?

— Isso mesmo — Dainty respondeu. — Faz isso e a gente vai atrás.

— Beleza.

Honey Drop fez a contagem, e eles começaram a música. A levada de Honey ainda era instável, mas ele conseguia sustentar o andamento razoavelmente. Ele tocava o chimbal aberto em semínimas, o que era um pouco simplório, mas nada tão ruim. Ele também tentava tocar os rolos, e se atrapalhava com alguns deles, mas Dainty percebia que ele havia praticado. Hard Fiber ainda se esquecia de alguns acordes, e River Mouth fazia floreios no baixo que embaralhavam um pouco a harmonia, mas a canção não saiu tão mal.

— Bom, legal, pra nossa primeira música como banda completa, não tá ruim — Dainty disse. — Honey Drop, eu acho que você melhorou. Só uma dica, você não precisa tocar todos os rolos como tá no disco. Toca mais simples, e aí vai deixando mais rebuscado com o tempo. O que você acha?

— É, sim, eu posso fazer isso — Honey disse. — Eu só não queria que o meu som fosse muito chato.

— Eu te entendo. Mas isso você vai melhorando com o tempo. Se você conseguir manter a levada, lá tá perfeito. Além disso, Hard Fiber, você errou alguns acordes, não?

— É, eu acho que sim — ele disse. — É difícil memorizar essa música toda.

— Bom, tenta estudar mais em casa. Você tem as cifras, não tem?

— Sim, eu tenho. Eu vou tentar praticar.

Eles tocaram a canção mais duas vezes, e partiram para Tempo Perdido. Honey Drop não tenha segurança nessa música, por causa do andamento rápido, mas ele fez um esforço notável: embora o andamento fosse duvidoso, ele sabia todas as transições e tocou-as quase exatamente como no disco.

Eles se juntaram de novo na quinta-feira, e, desta vez, Honey Drop trouxe os discos. Eles discutiram se deviam tentar aprender Ainda É Cedo, mas Honey disse que estava tentando aprender as músicas que eles já ensaiavam antes, e disse que queria tocar Será. Então, eles trabalharam nas canções que eles já conheciam. A evolução de Honey Drop era lenta, mas Dainty acreditava que ele estava mesmo esforçando-se.

Após o ensaio, quase toda a banda foi embora, e Steel Strings ficou com Dainty um pouco mais, como de costume.

— Tá achando o que, Dainty? — ele disse.

— Bom, eu acho que a gente tá progredindo. É tão legal ter uma banda de verdade.

— É. Pena que a gente não tem um baterista de verdade — Steel disse.

Dainty conteve um suspiro. — Ah, puxa, dá uma colher de chá pro Honey. Ele tá tentando.

— Eu sei, mas, mesmo assim, ele recém começou, e a banda como um todo só vai ser tão boa quanto ele.

— Você acha? — Dainty disse, franzindo o cenho.

— Claro. A gente precisa da levada — Steel disse. — Essas músicas dependem disso.

— É, eu acho que sim, mas eu acho que o Honey Drop consegue melhorar. Ele tá entusiasmado. Ele quer muito isso. Agora, o Hard Fiber é que parece não dar muita bola.

— Ah, ele dá, sim — Steel disse. — O problema é que ele não pratica, mas ele tá a fim.

— Bom, tomara.


*


No dia seguinte, no trabalho, ele ouviu Iron Bolt e Jack Hammer conversando sobre ir para o Bamboo Pub depois do expediente. Dainty tentou aproximar-se deles casualmente.

— Vocês vão sair hoje, então?

— Sim, como sempre — Jack Hammer disse. — A gente não pensou em te avisar, porque você tem ficado ocupado nas sextas por um bom tempo.

— É, sim, verdade — Dainty disse com um sorriso desajeitado, coçando a cabeça. Ele tivera que recusar vários convites por causa de seus compromissos com a banda. — Bom, eu tô livre essa noite.

— Bom, se você quiser, pode vir com a gente — Iron Bolt disse. — Quanto mais, melhor.

— Ótimo, valeu, então!


Fazia um bom tempo que ele não pisava no Bamboo Pub, mas as imagens, sons e cheiros ainda eram familiares. O lugar não estava cheio, pois eles chegaram lá cedo, mas a aura de curtição despretensiosa pairava no ar. O trio cumprimentou os funcionários do bar, e foram conduzidos à mesma mesa de sempre, no fundo do bar, perto do palco. Não havia ninguém tocando lá.

Dainty sentou-se e respirou fundo, satisfeito. Ele estava feliz de estar com os amigos, e ele tinha ainda outros motivos para estar feliz. Assim que a bebida e os copos chegaram, eles brindaram e deram o primeiro gole.

— Ah, é isso aqui! — Jack Hammer disse.

— Então, Dainty Tunes, por que você anda tão ocupado? — Iron Bolt disse. — É alguma coisa que não dá pra contar?

— Não, não é nada secreto, não — ele disse. — Quer dizer, a gente ainda não anunciou em público, mas um dia vai acontecer. O lance é que eu tenho uma banda agora.

— Olha, que legal — Jack Hammer disse. — Você é ligado em música, e tal.

— Então você anda fazendo shows? — Iron Bolt disse.

— Não, ainda não — Dainty respondeu. — A gente tem se reunido na minha casa pra ensaiar, várias vezes por semana. E sim, eu acho que vai precisar de bastante ensaio até a gente ficar pronto pra se apresentar. Então eu tô bem ocupado com isso.

— E as músicas que vocês tocam são suas? — Jack Hammer disse.

— Não, não, o plano não é esse. A gente… Bom, você lembra aquela vez aqui, em que aquele garanhão tentou tocar uma música da Tropa da Cidade?

— Ah, eu lembro, sim! — Iron Bolt disse. — Não dá pra esquecer daquilo…

— Pois então, ele tá na minha banda. A gente toca covers da Tropa da Cidade.

Os dois garanhões apenas encaravam Dainty, sem reagir muito. Então, eles olharam em volta, quase por instinto.

— Mas por quê? — Jack Hammer disse, surpreso. — Eu achei que ninguém gostava mais dessa banda.

— Bom, pelo que eu vi, a maioria não faz ideia de quem eles foram, então eles nem têm motivo pra não gostar — Dainty disse. — Sim, alguns parecem não gostar nem um pouco deles, mas, cada um é cada um, né? Eu não quero obrigar ninguém a gostar das músicas.

— Sim, mas é que, você vai fazer covers de uma banda que ninguém lembra — Iron Bolt disse. — Você tá fazendo isso pra quem?

Dainty olhou para o seu copo, ponderando por um momento. — Bom… na verdade, eu tô fazendo isso pra mim mesmo, sabe? No começo eu pensava que o meu objetivo era não deixar essas músicas caírem no esquecimento, mas, na verdade, é tão divertido fazer isso, tipo, aprender as músicas, tocar com o pessoal, resolver nossos problemas e ouvir as músicas tomando forma… Eu tô fazendo isso é pela banda, e eu acho que todo mundo tá também. É claro, vai chegar a hora da gente fazer nosso show, mas eu não tô pensando muito nisso agora. Quem sabe, talvez a gente toque essas músicas pra, sei lá, meia dúzia de pôneis? Se for o caso, não tem problema. Eu fiz foi pra me divertir, foi pela experiência, e pra aprender alguma coisa no processo.

Jack Hammer arregalou os olhos e deu de ombros. — Bom, parece loucura pra mim, mas, se você tá dizendo…

— É, eu sei que é meio louco — Dainty disse. — A gente tem essa ideia de que os pôneis entram na música ou na arte pra ficarem famosos, mas eu acho que, mais do que tudo, a gente tem que curtir fazer isso mesmo que não vá pra lugar nenhum. Se acontecer da gente ficar famoso no final, vai ser ótimo, claro, mas, se não ficar, pelo menos a gente aproveitou.

— Eu acho isso bem legal, na real — Iron Bolt disse. — Sabe, a minha mãe, quando eu era mais novo, ela costumava pintar. Ela adorava, e ela nunca ficou famosa nem nada, e ela teve que acabar parando por causa do trabalho e da família. Mas ela gosta do que ela fez, e a gente ainda tem os quadros dela em casa. Eu gosto muito deles, e eu me orgulho da minha mãe.

— Olha, que legal, Iron — Jack Hammer disse. — Eu não sabia disso!

— É, parabéns pra sua mãe! — Dainty sorriu.

— Obrigado, gente — ele respondeu. — E boa sorte com a sua banda, Dainty.

— Muito obrigado, cara.

— Vocês têm um nome? — Jack Hammer disse.

— Bom, a gente por enquanto se chama a Manada de Ponyville. Eu não sei se o nome vai pegar, mas é o que tem por enquanto.

— Não é um mau nome.

— É — Iron Bolt disse, erguendo o copo. — Então, à Manada de Ponyville?

Jack Hammer olhou para os dois, e ergueu o copo também. — Claro! À Manada de Ponyville!

— À Manada de Ponyville! — Dainty arrematou, brindando junto com eles e virando toda a bebida em seu copo.


*


O próximo ensaio da banda fora marcado para aquele domingo, à tarde, de forma que eles teriam bastante tempo para trabalhar nas músicas e discutir ideias. Honey Drop chegou cedo, carregando sua bateria em um carrinho.

— Eu trouxe os discos de novo, Dainty! — ele disse, apressado. — Eu não esqueci.

— Ah, obrigado, Honey Drop! — Dainty respondeu sorrindo. — É, a gente talvez precise ouvir algumas músicas hoje. Quer ajuda?

— É, quero sim! — Honey disse, descarregando alguns suportes do carrinho e entregando-os a Dainty, que os levou para dentro.

Eles já estavam começando a montar a bateria quando Steel Strings chegou. River Mouth apareceu logo depois, e Hard Fiber, voltando à tradição, apareceu vinte minutos depois.

Quando ele chegou, os outros quatro já estavam trabalhando em alguns detalhes de Tempo Perdido, a qual Honey Drop estava ansioso para saber tocar.

— Lembra que a gente pode aprender primeiro as músicas que são mais fáceis, né? — Dainty disse. — Você é que tem que sugerir elas pra gente.

— Sim, eu sei, mas é que essa música é o máximo, sabe? — Honey disse. — Eu adoro ela, e eu adoro o jeito que vocês tocam ela. Eu quero muito tirar ela toda.

— Bom, beleza, então! Se tu te dedicar, a gente consegue — Dainty disse.

Os cinco já estavam em posição, e Dainty pediu que Hard Fiber começasse. Eles tocaram a música uma vez, e os quatro notaram que Honey Drop havia melhorado um pouco. Ele tocava o chimbal em colcheias, como no disco, o que ainda era um pouco difícil para ele, mas ele tentava. Ele fez algumas viradas cá e acolá, e pelo menos acertou todas as transições. Eles tocaram a música de cabo a rabo, sem grandes problemas.

— Ficou bem boa, pra mim — Hard Fiber disse.

— É, mas… sei lá, tem algo estranho — Dainty disse, um pouco frustrado.

— Foi por minha causa? Eu sei que eu tenho que melhorar — Honey Drop disse.

— Não, não, não foi você — Dainty respondeu. — É que… tem uma coisa me incomodando já faz um tempo. Sei lá, a música tá meio poluída, mas… por mais estranho que pareça, eu sinto que falta alguma coisa.

Steel Strings pensava em dizer algo, mas ele não tinha certeza.

— Você tem mesmo que tocar piano, Dainty? — Honey Drop disse. — Que tal se você só tocar?

Dainty olhou para ele, um pouco assustado. — Eu não posso fazer isso! Eu não quero ser o Deep Voice.

— Mas você não tem que ser ele, cara! — Honey retrucou. — Eu não quero ser o Cymbal Crash, a River Mouth não quer ser o Rocky Rumble, e nem o Fiber nem o Steel querem ser o Shimmering Chord. Então, você tem medo de quê?

Dainty achou divertido como Honey já tinha memorizado o nome de todos os membros da Tropa da Cidade, mas a ideia ainda incomodava-o. Assumir os vocais sem tocar um instrumento era uma ideia arriscada.

— Pra ser sincero, amigo, eu já estava pensando nisso faz um bom tempo — Steel Strings disse. — Você devia só cantar.

— Mas… se eu fizer isso, eu posso acabar roubando toda a atenção! — Dainty protestou. — E isso aqui é um trabalho coletivo! A Manada de Ponyville somos todos nós! Eu não quero ser, tipo, a estrela do show, esse tipo de bobagem.

— Eu sei lá, cara, mas você devia tentar — Hard Fiber disse. — Dá uma chance.

River Mouth apenas acenou com a cabeça.

— Bom, se é assim, eu posso tentar — Dainty disse, arrastando o microfone para longe do piano, de forma que toda a banda estava em um círculo. — Mas é só porque vocês pediram.

— É, tenta aí — River disse.

— Tá bom, Fiber, quando você quiser, pode começar.

Então, Hard Fiber tocou os arpejos, e a banda entrou na música. Dainty escutava com atenção e respeito, balançando o corpo de leve com o ritmo, esperando sua vez de entrar. Ele começou a cantar, e seus olhos passavam pelo resto da banda, vendo como eles se mantinham focados na música.

Aos poucos, Dainty começou a gesticular com os cascos e mover o corpo, como se sua voz não fosse suficiente para expressar o que a música dizia. River Mouth assistia-o sorrindo e balançava junto, e durante o primeiro clímax antes do interlúdio instrumental, Honey Drop tocou com força suas peças enquanto via Dainty usar cada músculo do corpo para dar peso àquelas notas longas.

Quando os vocais retornaram, Dainty tirou o microfone do suporte e começou a mover-se, sacudindo o corpo e soltando as palavras com força. A banda parecia ainda mais imersa na música do que costumava ficar, e até Steel Strings tocava com mais intensidade. Assim que Dainty cantou a última nota, ele ficou parado no lugar, ainda sentindo o ritmo, assistindo aos seus colegas conduzirem a música até o seu fim, quando Hard Fiber entortou a última nota.

— Isso foi o máximo! — Honey Drop disse, enfatizando cada palavra.

Dainty deu de ombros e deu um sorriso tímido. — Foi o que deu pra fazer.

— Eu acho que já era, Dainty — River Mouth disse sorrindo. — Você não vai voltar mais pro piano.

Ele deu um olhar triste para o seu piano, o instrumento que ele tanto amava, mas River parecia ter razão.

Bem aí, ele notou algo com o canto dos olhos—ou melhor, alguém. Ele viu um rosto assistindo-o da rua pela janela. No instante em que seus olhares encontraram-se, os olhos curiosos arregalaram-se, e o pônei virou-se de súbito.

Ele reconhecia aquele rosto. A pelagem amarela, a crina rosa e lisa, a súbita timidez.

— Espera um pouquinho, aí, gente! — ele disse, apressando-se até a porta. — Eu tenho que fazer uma coisa!

— O que foi, cara? — Hard Fiber disse.

— Não, não é nada demais, não! — Dainty respondeu, abrindo a porta. — Fiquem tocando aí que eu já volto!

O resto da banda trocou olhares enquanto Dainty corria pela rua até o pônei.

— Ei! Fluttershy!

Ela estaqueou, por não poder simplesmente ignorá-lo, e virou-se para ele.

— Espera aí — ele disse, já ofegante após a curta corrida. — Então, é, desculpa por eu sair correndo atrás de você assim, mas… é, por acaso você tava vendo a gente tocar?

Ela olhou para ele com o rosto meio baixo. — Ãh, bem, sim, eu estava. Mas eu não quis incomodar! Eu… só… achei a música interessante. Se não era para eu ver, eu peço desculpas, foi sem querer…

— Não, não, não tem problema nenhum — ele disse, tentando parecer casual, embora ele estivesse tão nervoso quanto ela. — Quer dizer, a gente toca tão alto que nem tem como esconder de ninguém. Tá tudo bem, não precisa pedir desculpa.

— Ah… Bom, me desculpe — ela disse.

Dainty sorriu, sem notar como ele estava sendo ousado ao aproximar-se dela e conversar de maneira tão casual, como se eles fossem amigos. — Bom, então… já que você nos viu tocando, eu queria saber… O que você achou do que ouviu?

Ela fez uma pausa, e o rosto dela iluminou-se um pouco. — Ãh, eu achei bom! É que… só não é o tipo de música que eu costumo ouvir, então… talvez eu não saiba direito. Mas pareceu bom. Essa música, foi você que escreveu?

— Quem me dera! — Dainty respondeu, com um sorriso atrevido. — Mas não, é de uma banda chamada Tropa da Cidade. A gente está aprendendo as músicas deles.

— Deve ser divertido — ela respondeu. — Boa sorte.

— Ah, puxa, obrigado, Fluttershy.

Ela olhou para o chão, de novo, e recuou um pouco. — Então, eu não quero ser grosseira, mas eu precisava ir agora? Eu preciso ir buscar algumas coisas, para os animais…

— Ah! Ah, claro — ele respondeu, dando um passo para trás. — Eu, bom, eu também tenho que voltar pro ensaio, então eu não vou te atrasar mais. Só… bom, obrigado pela opinião!

— De nada, Dainty Tunes — ela disse.

— Então, a gente se vê outra hora, então?

— Claro, nós nos vemos — ela respondeu em um tom que poderia parecer afetuoso, mas era apenas polido, provavelmente.

Assim, cada um foi para um lado, e Dainty voltou para casa.

— Então, temos a nossa primeira fã? — Hard Fiber disse.

Dainty riu-se encabulado. — Talvez? Sei lá, acho meio cedo pra dizer. Enfim, vamos tocar essa de novo?


O ensaio foi bastante produtivo naquele dia. Não só eles passaram Tempo Perdido várias vezes, mas eles também passaram Quase Sem Querer e Há Tempos, e estavam ficando em boa forma. Eles conversaram um pouco e decidiram começar uma canção nova.

— Tem uma que eu queria aprender por algum tempo, já — Dainty disse, apanhando um de seus discos. — Ela é Quando o Sol Bater na Janela do Seu Quarto, e eu acho ela linda. Eu acho que a gente tá pronto pra ela.

A banda escutou a canção algumas vezes, leu as cifras e começou a aprender as diferentes partes. Eles não conseguiram terminar de passar a música antes da hora de alguns membros irem para casa, mas Dainty achou que eles progrediram bastante.

— Não se esqueçam, a gente tá fazendo isso juntos — ele disse quando já começavam a arrumar suas coisas. — Isso aqui é tudo colaborativo, e, se todo mundo se dedicar, a gente consegue.

— Eu tô contigo, Dainty — River Mouth disse. — Todo mundo tem que pegar junto.

Desta vez, Dainty decidiu distribuir os discos entre seus colegas, para que cada um estudasse algumas das canções, e talvez começasse a aprender algumas delas sozinhos. Como de costume, Steel Strings ficou ali enquanto os outros foram embora.

— Nossa, esses ensaios longos me deixam cansados — Dainty disse —, mas é legal ver como a gente tá indo longe.

— É, é cansativo mesmo — Steel Strings disse, esticando as pernas. — Então, o que você achou? Como é ser só o cantor agora?

Dainty deu-lhe um olhar inseguro. — Na real, é… meio esquisito. Eu nunca me vi como “cantor”, sabe, e… Bom, quando os pôneis nos virem tocar, eles vão me comparar com o Deep Voice. Eu sei que eles vão.

— E isso te incomoda?

— Bom, eu não quero ser comparado. Eu não sou o Deep Voice. Eu sou o Dainty Tunes, e eu só tô tocando essas músicas pra eles.

— Você tá se preocupando com uma coisa que nem aconteceu ainda — Steel disse. — Você não sabe como eles vão reagir. Olha, o que importa é você ser autêntico, e fazer o melhor que você pode. E, pra falar a verdade, você canta muito bem essas músicas. E você canta do seu jeito. Você não tá imitando o Deep Voice.

— Bom, isso sim. — Dainty suspirou. — Mas eu não sei se os outros vão me ver assim.

— Sim… mas, olha, tudo bem que eu só posso falar por mim, mas, quando eu te vejo cantar, eu não te comparo com ninguém. Eu só quero continuar te vendo.

Dainty parou, pego de surpresa por essa frase. — Nossa, que… que coisa bonita de se dizer, Steel.

Ele riu, encabulado. — É, bom, eu… é só a verdade, ué. Você tem uma presença muito cativante quando canta. E eu acho que os outros pôneis também vão achar isso.

— Bom, tomara — Dainty disse, sentando-se ao piano, e deu um sorriso cômico. — Mas, por favor, fala mais de como eu sou maravilhoso!

Steel Strings pensou em responder, mas apenas riu-se, olhando para o chão. A conversa seguiu por outros caminhos.


*


Os ensaios prosseguiram pela semana seguinte. Eles se reuniam com menos frequência do que quando eram apenas três ou quatro membros, mas eles continuavam a progredir. Porém,Dainty começou a pensar se o ritmo desse progresso era aceitável; ele nunca estivera em uma banda, então era difícil saber qual seria a velocidade adequada para eles.

Ainda assim, eles continuavam trabalhando e melhorando os detalhes. No primeiro ensaio depois daquele domingo, Dainty interrompeu Quase Sem Querer na metade, para dizer que a banda estava perdendo energia.

— A música não pode perder força no caminho, entende? — ele disse. — Não tem problema se começar mais fraco e terminar mais forte, mas perder energia não é nada bom. Parece que a gente tá ficando aborrecido.

Eles não conseguiam aprender uma música por ensaio, mas eles sempre tentavam permanecer trabalhando em uma música nova até ficarem satisfeitos. Dainty costumava interromper essas tentativas, e a banda já estava acostumada ao fato de que, a qualquer momento, ele gritava “stooooop!” no microfone, e então comentava sobre o que não estava agradando-o.

— Honey Drop, não fica tocando todos os rolos se você ainda não sabe tocar — ele disse uma vez. — Toca algo simples no início, e vai incrementando com o tempo.

— É, bom, é que… eu queria tocar as minhas partes como elas deviam ser.

— Eu entendo, mas você tem que fazer o que dá pra fazer por enquanto — Dainty disse. — Se você perder o compasso, você atrapalha todo mundo. Aconteça o que acontecer, não perde o compasso.

— Tá, eu vou tentar — Honey disse.

A cada passagem de uma música, ficava mais claro que Dainty ouvia em sua cabeça como a música devia soar, e exigia que seus colegas tocassem de acordo com o que ele achava que devia ser. Não era necessariamente como estava no disco, mas como ele tinha as músicas na cabeça, e ele esperava que os outros acatassem.

— Steel Strings, quando a gente chegar no final, eu preciso ouvir o teu violão — ele disse. — Se você tiver que tocar mais alto, toca mais alto, mas eu tenho que te ouvir.

— Eu vou ver o que dá pra fazer — Steel respondeu.

— E, River Mouth, pega leve com os improvisos. Essa música já tá cheia de floreio, eu acho que não precisa de mais. Não exagera.

— Bom, tudo bem — ela respondeu, dando de ombros.

Uma noite, depois de emprestar o primeiro disco da banda para Hard Fiber, ele pediu que ele aprendesse Ainda É Cedo e tirasse as suas partes. Ele achava que essa devia ser a próxima música a ser aprendida.

— A guitarra é bem simples, mas tem umas nuances — ele disse. — Não precisa tocar exatamente do jeito que o Shimmering Chord toca, mas tenta pegar a essência.

— Tá certo — Hard Fiber disse, e Dainty teve a sensação imediata de que ele não iria estudar a música.


Na noite seguinte, Dainty pediu que Hard Fiber lhe entregasse o disco para que eles escutassem a música, mas ele se esquecera de trazê-lo.

— Ah, qual é, cara! — Dainty repreendeu. — Era pra gente começar a estudar a música hoje!

— Desculpa, Dainty, eu me esqueci completamente — Fiber disse. — Eu juro que eu trago da próxima vez.

— Tá, faz isso. Você praticou a música, pelo menos?

— Um pouco, sim.

Dainty interpretou isso como um ”não”.

— Bom — ele disse —, melhor começar a trabalhar em outra música, então. Eu acho que a gente não devia ficar muito tempo tocando sempre as mesmas músicas.

— Mas a gente ainda não terminou de passar Quando o Sol Bater — Steel disse. — Ela não tá pronta ainda.

— Você acha que a gente não conseguiria trabalhar em duas músicas ao mesmo tempo? — Dainty disse. — Eu acho que a gente consegue. Eu consigo.

— Mas a gente tá com pressa? — River Mouth disse. — A gente precisa correr?

— Eu só não quero que a gente fique patinando — Dainty disse. — Eu quero aprender mais músicas. Eu acho que a gente consegue.

— A gente podia fazer uma experiência — Steel disse. — Vamos tentar trabalhar em duas músicas novas ao mesmo tempo e ver como é que fica. Se não der certo, a gente volta a trabalhar em uma de cada vez. O que vocês acham?

Honey Drop coçou a crina. — Acho que tudo bem.

— Vamos tentar, então — Hard Fiber disse, dando de ombros.

Dainty sugeriu que eles tentassem Teorema, que ele pensava ser simples e boa, e eles a escutaram algumas vezes. Honey Drop ficou preocupado com o ritmo da bateria na introdução, então Dainty e River Mouth ajudaram-no. Não foi necessário passar a música muitas vezes até acertá-la, mas, a cada vez que eles tocavam, as exigências de Dainty ficavam mais específicas e difíceis.

— Essa parte aqui precisa de bastante energia — ele disse, após mais uma interrupção. — Não é velocidade, é intensidade. Toquem com tudo aqui, e, depois que eu cantar o meu verso, vocês diminuem um pouco.

— Eu não sei direito o que você quer dizer um “energia” e “intensidade”, cara — Hard Fiber disse.

— Você não sabe o que significa energia? — Dainty disse, com certo deboche.

Fiber olhou para os outros de relance, e deu de ombros.

— É o jeito que vocês tocam, gente — Dainty prosseguiu. — Toquem esses acordes com vontade, com força e firmeza. Isso vale pra vocês dois — ele disse, apontando para os dois guitarristas. — Cascos firmes e fortes, rapazes. Você também, River Mouth, pega mais pesado com esse baixo. Honey Drop, mais firmeza na bateria. Meu vocal já é bem alto e intenso, então vocês têm que vir junto comigo.

— Tá, então a gente toca mais forte, é isso? — Hard Fiber disse.

— Essa é uma das coisas, Fiber — Dainty respondeu, um pouco irritado. — Mas você tem é que por energia no corpo, e deixar ela aparecer. Eu quero sentir a tua presença. Você é o guitarrista, você é importante. Vocês acham que é o cantor que é o centro das atenções, mas é a guitarra que brilha nessa música. Você tem que brilhar, Fiber.

Ele deu de ombros. — Tá, pode ser.

Dainty fez força para não sacudir a cabeça, e pediu que eles passassem a canção de novo.


Com o passar dos dias, os ensaios ficavam um pouco menos frequentes, por causa de compromissos que os outros membros tinham. Dainty tentava não se sentir muito frustrado, mas o medo do ritmo ficar muito lento começava a bater de novo. Ele ficava a maior parte do seu tempo escutando as músicas, estudando-as no piano, trabalhando nos detalhes e aprimorando sua voz. Ele queria que sua voz fosse o mais potente possível, e, uma noite, ele sentia a garganta doer, talvez por excesso de esforço.

No ensaio seguinte, eles decidiram começar a trabalhar em uma música nova, pois as duas as quais eles estavam trabalhando já estavam prontas. Eles escolheram Ainda É Cedo, e, como sempre, sentaram-se para escutá-la algumas vezes.

— Essa música tem um piano — Dainty disse. — Eu acho que eu devia tocar.

— Você acha que precisa mesmo? — River Mouth disse.

— Claro que precisa — Dainty respondeu. — Vai fazer diferença. Você não ouviu a música, não?

— Eu posso tocar o piano, se você quiser — Steel disse, levantando-se. — A música não tem violão, mesmo.

— Não sabia que você tocava teclado — Dainty disse.

— Eu toco, um pouquinho — Steel disse, aproximando-se do instrumento. — Essa música é em ré menor, né?

Dainty olhou para o chão, pensativo. — É mais em ré dórico, eu acho, mas é.

— Ré dórico? O que é isso?

— O modo dórico? Você não conhece?

— Não conheço, não — Steel disse.

— Com, é parecido com ré menor, só que com um si natural em vez de si bemol — Dainty disse. — São as teclas brancas do piano, na verdade.

Steel ponderou por um momento. — Então não é em lá menor?

— Lá menor? Não, de jeito nenhum. Essa música é em ré.

— Mas a gente toca o lá menor o dobro do tempo do que o ré menor — Steel disse. — Talvez ela não seja em ré, não.

— Não, com certeza ela é, sim — Dainty disse. — É só ouvir. Ré menor é o acorde central, e o lá menor sempre resolve nele.

— Ô, gente, vocês precisam discutir isso agora? — Hard Fiber disse. — Vamos tocar a música logo.

Dainty fincou-lhe os olhos. — Isso não é você quem decide, Fiber.

Fiber olhou de volta, assustado. — Tá, eu… tá bom.

Steel Strings pensou em dizer algo, mas conteve-se.

— Tá, esquece, eu acho que é melhor tocar a música, mesmo — Dainty disse. — Faz a contagem para nós, Honey Drop?

— Claro.

Honey contou até quatro, e ele junto com River Mouth entraram no ritmo. Hard Fiber e Steel Strings entraram, enquanto Dainty esperava a deixa para entrar. Ele começou a cantar, olhando firme para o chão, concentrado, prestando atenção ao som da banda. Eles tocaram até o fim, e Dainty deu um sinal para eles terminarem a música.

— A gente se esqueceu de combinar o final da música — Steel Strings disse. — Que bom que você deu o sinal, Dainty.

— Essa música tem que ficar mais firme — Dainty disse, praticamente ignorando-o. — O baixo e a bateria têm que estar presos, colados no ritmo. Firme. O final precisa de mais energia, mais guitarra, mais piano. As suas linhas foram boas,Fiber, mas elas têm que vir com mais força no final.

— A gente pode ouvir a música de novo? — Honey disse. — Eu não peguei bem os rolos da bateria.

— Não se preocupa com os rolos agora, Honey — Dainty respondeu. — Foca na levada. Deixa os rolos pra depois.

— É, bom, eu queria escutar ela de novo, se não tiver problema — Hard Fiber disse.

Dainty virou os olhos. — Tá, tá bom, vamos lá, então.

Eles ouviram o disco mais uma vez, os quatro prestando atenção a certos detalhes, enquanto Dainty balbuciava a letra. Ele conhecia ela toda como o próprio casco, então ele nem precisava prestar atenção.

Eles voltaram a tocar a música, e Dainty permaneceu focado, ouvindo o som da banda. Entre os seus versos, ele ficava dizendo “mais firme!”, ou “mais força!”, ou “mais energia!” durante os refrões. A banda chegou ao final, e os outros quatro membros trocaram olhares, enquanto Dainty ficou encarando o chão.

— Ficou melhor, eu acho — River Mouth disse.

— Você está improvisando demais, River — Dainty disse, interrompendo-a. — A música precisa ter o ritmo mais firme, e você tá deixando ele muito solto.

Ela franziu a testa um pouco. — Mas tem bastante improviso no disco! Eu só tô tentando tocar parecido, pra deixar a música mais interessante.

— Bom, tá excessivo — ele respondeu. — Dá uma diminuída.

— Eu acho que ela tem razão, Dainty — Steel Strings disse. — O baixo é bem melódico nessa música.

— Steel, deixa isso comigo, tá legal? — Dainty disse, cortando-o, um casco erguido na direção dele. — River, não é o baixo que deixa essa música interessante. Quando você tiver a sua própria banda, aí você pode ser o centro das atenções, mas agora, é o som da banda inteira que importa. Abre os ouvidos, escuta a banda, e fica com a gente. Pode ser?

River Mouth fez uma pausa, e acenou brevemente com a cabeça. — Tá, sim, eu… Tá bom.

— Certo, vamos tentar mais uma vez — Dainty disse —, e de repente a gente toca outras músicas. Vamos lá.


Steel Strings despediu-se de seus colegas, e ficou na casa de Dainty. Ele tinha algumas coisas em mente, e esperava conseguir conversar com Dainty sobre elas. Antes que ele conseguisse abrir a boca, porém, Dainty começou a falar.

— Steel, não interfere quando eu estiver falando com eles, tá bom? — ele disse. — Deixa isso comigo, eu dou um jeito. Eu sei o que eu tô fazendo.

Ele olhou para Dainty, surpreso. — Mas… a gente sempre fez as coisas juntos desde o começo, amigo — ele disse. — Pra que mudar agora?

— Porque eu acho que é hora de eu tomar conta das coisas — Dainty respondeu. — A banda é minha, e eu sei o que eu quero, então deixa que eu falo.

Steel franziu a testa. — Sua banda? Você disse um tempo atrás que isso era um esforço coletivo, que a banda era nossa, e que todo mundo era importante.

— Mas a ideia de formar a banda foi minha, a iniciativa foi minha — Dainty retrucou. — Eu fui até Manehattan comprar os discos. Eu falei com o Shimmering Chord, ele me deu a bênção. E fala a verdade, Steel, você não estaria aqui hoje se não fosse por mim. Você ainda estaria tocando pr’aqueles babacas no Bamboo Pub pra ser expulso abaixo de vaias.

Steel encarava-o sem acreditar, um pouco abalado, mas respirou fundo e tentou acalmar-se. — Eu pensei que a gente tava nessa juntos, Dainty. Eu achei que você confiava nas minhas opiniões.

— Mas é claro que eu confio, Steel — Dainty disse, suavizando o tom e indo para a cozinha aquecer água. — Eu não parei de confiar nas suas opiniões, e a tente ainda está nessa juntos. Eu só acho que é melhor que um de nós tome a frente das coisas, entendeu? Senão é muito chef pra pouca cozinha. É só isso.

Steel inclinou a cabeça e pensou em responder.

— E isso ainda é um esforço coletivo, sabe — Dainty prosseguiu. — Eu não faria nada disso sozinho. Eu preciso de vocês, mas se algum de nós não tiver uma visão clara de como a gente tem que ser, não vai ter união, não vai ter direção.

— Mas você não acha que todos deviam ter a mesma visão? — Steel disse.

— Claro, mas é por isso que eu tô sempre dizendo o que a gente devia fazer, não é? — Dainty respondeu, aproximando-se dele. — Eu quero que eles vejam a mesma coisa que eu, pra gente progredir juntos. Olha, eu confio em você, Steel. Eu adoro o que você faz, você é essencial pra essa banda,e eu também preciso que você confie em mim. O que você diz? Você confia em mim?

Steel olhou fundo nos olhos de Dainty, e sentiu algo estranho. Ele via a essência boa e amorosa nele, mas algo parecia encobri-la. Há uma semana atrás, Dainty parecia lindo e encantador, principalmente quando ele cantava, mas agora, havia algo um tanto assustador nele.

— Sim, eu confio em você, Dainty — ele disse. — Claro que eu confio.

Dainty sorriu. — Obrigado, Steel. A gente vai dar um jeito. — Ele voltou para a cozinha. — A gente vai ser uma baita banda, eu te garanto.

Steel acenou com a cabeça, e tentou entender o que ele sentia em seu coração. Algo pulsava lá, e ele não sabia bem o que era.


Dainty estava elétrico quando a banda chegou para ensaiar naquela sexta à noite. Ele estava impaciente e ansioso para começar, pois ele queria colocar Ainda É Cedo nos eixos, e talvez começar a trabalhar em uma música nova. Ele mal esperou seus colegas aprontarem os equipamentos.

— Tá certo, vamos começar.

— Espera aí — Hard Fiber disse, enquanto terminava de afinar a guitarra.

— Com que música a gente vai começar hoje, afinal? — River Mouth disse.

Ainda É Cedo, óbvio — Dainty disse. — A gente tem que terminar essa música.

— Tá, eu estou pronto, Honey — Hard Fiber disse.

Honey Drop fez a contagem, e a banda começou a tocar. Ela pareia estar indo bem, mas Dainty estava focado, olhando para o chão, ouvindo intensamente.

— Mais firme, gente!

A esta altura, Hard Fiber já nem se importava com as ordens de Dainty. Era como se já fizessem parte da música. Eles seguiram pelo primeiro verso, e tudo parecia andar bem.

Stooooop!

A banda caiu no silêncio.

— Eu tô dizendo que o ritmo precisa ficar mais firme, gente — Dainty disse. — Honey Drop, você está praticando?

— Eu tô, sim! — Honey disse. — Quase todos os dias!

— Sinceramente, não parece. Você tem que praticar mais.

Honey sacudiu a cabeça. — Pra você é fácil dizer. Você so canta.

Dainty deu-lhe um olhar gelado. — Foram vocês mesmos que disseram pra eu largar o piano e só cantar! E você acha que cantar é fácil? Eu também pratico todos os dias. E eu estudei essas músicas por dias até aprender elas. E você acha que eu não tô fazendo nada? É sério mesmo?

— Dainty — Steel disse —, Dainty, pega leve.

— Desculpa, Dainty, eu não quis te ofender — Honey disse, preocupado.

— Tá, tá, deixa pra lá — Dainty respondeu. — Vamos tocar de novo. Vocês estão prontos?

Eles responderam que sim, e Honey Drop fez a contagem de novo. Dainty esperou sua deixa e começou o primeiro verso. Honey Drop ficou concentrado em sua parte, enquanto River Mouth prestava atenção redobrada às suas linhas de baixo. Eles tocaram os dois versos e foram para o final instrumental. Honey Drop tentou fazer um longo rolo, mas enrolou-se e perdeu o compasso, mas logo tentou voltar.

Stooooooooop!

Hard Fiber bufou e sacudiu a cabeça.

— Honey Drop! Eu já te disse cem vezes pra não tocar o que você não sabe tocar! — Dainty disse, irritado. — Eu sempre te digo, mas você nunca escuta! River Mouth! Para de improvisar! Você exagera e atrapalha todo mundo. Para de querer ser o centro das atenções. Hard Fiber, sinceramente, parece que você não tá nem aí. Você toca sem sentimento algum. Na verdade, parece que nenhum de vocês dá a mínima pra essa banda. Nenhum. Eu tô aqui cantando feito um palhaço e vocês estão cagando. Eu tô de saco cheio desta merda.

Steel Strings ficou encarando Dainty. Ele não acreditava no que acabou de acontecer.

— Eu… Desculpa, Dainty — Honey Drop disse, com uma voz trêmula. — Eu… eu tô tentando. Eu me importo com a banda, eu juro.

Dainty respirou pesadamente e olhou para os rostos ao redor dele, incrédulos, chocados e envergonhados. Tudo por culpa dele.

Ele não reconhecia a si mesmo.

Ele pensou em algo para dizer, mas as palavras não lhe vinham à boca. Ele acabara de ferir a todos ali, e não parecia haver conserto. Algo anuviara sua capacidade de julgamento, e não importava o que fosse; o fato é que ele fizera algo horrível, e ele não podia culpar ninguém senão a si mesmo.

— Eu… eu não devia… Desculpa, gente, eu… Vamos terminar o ensaio — Dainty disse.

Ele colocou o microfone de volta no suporte. Honey Drop olhou para os colegas, assustado.

— Tipo… a banda acabou?

— Não, eu não vou terminar a banda — Dainty disse. — Eu só… Eu não… Eu não consigo mais fazer isso por hoje. Vão pra casa, a gente tenta outro dia. Eu… desculpa.

— Você tá bem, cara? — Hard Fiber disse, enquanto River Mouth desligava o amplificador. — Você quer ajuda?

— Eu… eu tô bem, eu tô bem — Dainty disse. — Eu só… Eu quero ficar sozinho, é só isso.

— Vocês estão livres amanhã? — River Mouth disse.

— Eu não — Honey Drop disse. — Eu tenho que fazer um negócio com os meus pais. Mas eu tô livre no domingo.

— Eu também — River disse.

— Domingo pra mim tá bem — Hard Fiber disse, desplugando a guitarra.

— Por mim pode ser — Steel disse, guardando o violão no estojo. — Você tá livre também, Dainty?

— Sim, eu vou, sim — ele disse, sem vontade, sentado na cama.

— Então tá, no domingo, então — Steel disse, indo ajudar Honey Drop com a bateria.

Minutos depois, eles começaram a ir embora, e Steel Strings novamente ficou ali. Ele olhou para Dainty, que ainda estava sentado na cama, caído para frente, a cabeça baixa.

— Você quer conversar, amigo?

Dainty olhou para ele. — Na verdade… eu quero ficar sozinho.

Steel observou-o por um instante. — Bom… tudo bem, eu vou embora, então. — Ele apanhou o violão. — Mas, se você precisar, eu fico aqui.

— Não, não precisa.

Dainty permaneceu pensativo enquanto Steel foi lentamente até a porta.

— Eu fui um babaca, né?

Steel parou e olhou para trás. Ele suspirou. — Foi sim, Dainty… Você tem que pedir perdão pra eles.

Dainty olhou para ele, profundamente envergonhado. Era difícil ver aquele rosto lindo e doce dizer algo tão duro e verdadeiro.

— Eu sei — ele disse, acenando com a cabeça, pesadamente.

Steel fez uma pausa. — Se cuida, tá bom?

— Tá.


*


Dainty sentiu que ele não conseguiria dormir aquela noite. Seu comportamento parecia inexplicável e não fazia sentido, mas, no fundo, ele sabia que podia haver uma explicação; seria tudo resultado de um fato que ele tentava evitar, mas fora forçado a encarar novamente: ele era uma auto-inserção.

Ele lembrava do que acontecera na caverna. Ele sabia que ele era um problema, e ele apenas fora solto por um gesto de misericórdia. Ele se lembrava da promessa de que, se ele fizesse qualquer coisa que pudesse afetar o equilíbrio do mundo, ele desapareceria.

Ele fora posto naquele mundo para satisfazer os caprichos—quaisquer que fossem esses caprichos—de algum pretenso autor. Ele pensava que o propósito de sua existência fora apenas para fazer uma piada, mas ele havia superado isso. Mas talvez o seu propósito agora estivesse mudando. Será que toda aquela paixão, aquela vontade de fazer música, seria resultado de algo externo, algo poderoso e irresistível, que estava fora de seu controle? Se fosse esse o caso, ele tinha um sério problema.

Não só isso, mas ele havia machucado pôneis que se juntaram a ele com um objetivo nobre. Ele ainda acreditava na banda, ele amava as canções, e a banda estava com ele por causa de tais canções; e ele jogara tanta hostilidade e frustração em seus rostos, de um jeito cruel e injusto. É claro que ele precisava pedir perdão, mas será que isso faria diferença? Se ele agira daquela forma naquela noite, como ter certeza de que ele teria qualquer vontade de pedir desculpas na próxima vez?

Ele estava tão afundado em seus problemas que ele não conseguia vislumbrar uma saída. No fim das contas, ele perdera-se na névoa do sono, mas ele acordou sentindo-se tonto e cansado, e os pensamentos da noite anterior voltaram a martelar sua cabeça.


Naquela manhã, ele teve que sair para fazer compras, mas sua mente estava afundando em pensamentos inquietos e confusos. Ele sentia o corpo todo pesado, a luz do sol incomodava-o, e, ao aproximar-se do centro da cidade, o ruído e o vozerio doíam em seus ouvidos. Ele ficava relembrando os acontecimentos da noite anterior várias vezes seguidas, e eles eram apenas interrompidos pela promessa que ele fizera um dia:

— Se eu algum dia fizer uma besteirinha que seja, eu vou embora para sempre.

Ele tinha acabado de fazer uma, não?

Ele olhava para os outros pôneis ao redor. Cada um tinha uma razão legítima para estar ali. Mas ele tinha? Quem era ele, afinal?

Dainty apertou as pálpebras e tentou concentrar-se nas compras que ele tinha a fazer, mas ele se sentia perdido. Imagens e sons zuniam em sua mente, seus arredores estavam misturados com suas memórias, o arrependimento misturado com o medo do que estaria por vir. Ele sentiu o próprio corpo estremecer.

— Se eu algum dia fizer uma besteirinha que seja, eu vou embora para sempre.

Tentando não fazer uma cena, ele saiu dali o mais rápido que pode, e correu por uma rua vazia, procurando algum lugar quieto.

— Ei! Dainty Tunes!

A voz veio de trás dele, longínqua, como se alguém corresse atrás dele. Ele tinha receio de parar e olhar para trás.

— Dainty, espera aí!

Ele finalmente olhou para trás, e, surpreso, reconheceu o pégaso roxo, sua crina vermelha balançando enquanto ela corria até ele. Ele ficou ali, imóvel por um momento, e discretamente olhou em volta enquanto ela se aproximou e diminuiu o passo.

— Meteorite? — ele disse, quase engasgado.

— Cara, o quê que aconteceu com você? — ela disse. — Parecia que você estava tendo um treco. O quê que foi?

Ele olhou para os lados. — Meteorite, eu não sei se a gente devia conversar assim.

Ela franziu o cenho, empinando um pouco as orelhas. — Por que não? Qual o problema?

Dainty baixou a voz, aproximando-se dela. — Meteorite, a gente é… diferente, né? Será que a gente não vai acabar chamando muita atenção?

Meteorite deu-lhe um olhar suave, porém firme. — Dainty, nós somos dois pôneis normais tendo uma conversa normal nas ruas de Ponyville. Não tem nada de mal nisso. Agora fala.

— Bom… quanto tempo você tem?

Ela olhou de volta para o mercado. — Eu acho que a Applejack vai entender se eu estiver ajudando um amigo, então manda.

— Tá… vamos pra um lugar mais reservado, se você não se importa — ele disse.

Eles começaram a andar, procurando um lugar onde ninguém pudesse ouvi-los.

— Então, pouco tempo atrás, eu montei uma banda — ele disse. — Eu me juntei com alguns pôneis, e a gente tem ensaiado na minha casa, algumas vezes por semana. E tava tudo ótimo, a gente se divertia, e tudo… mas aí, eu não sei como nem por que, mas eu… eu comecei a agir que nem um babaca, mandando neles, e… Eu fiquei insuportável, na real, e… ontem de noite, eu me enfureci com eles… e eu me assustei. Eu senti que eu tava virando um monstro, ou algo assim.

— Ahãm — ela disse, acenando com a cabeça, ouvindo com atenção.

— E, bom… Eu sei que… pôneis que nem eu… personagens que nem eu, tipo, às vezes são feitos com… motivos não muito nobres, sabe — ele disse, estremecendo ao falar essas palavras. — Tipo, alguns são colocados aqui pra realizar vontades, pra satisfazer os caprichos do nosso criador, mesmo que a gente acabe… fazendo coisas ruins. E, bom ,eu comecei a tocar numa banda, e comecei a agir que nem uma prima donna assim, do nada, então… será que… é por isso que eu tô aqui?

Eles pararam em uma viela, e ela olhou para ele, em pensamento profundo. — Sei lá, seria esquisito se você se tornasse um Gary Stu do nada. Fala aí, o que é que a sua banda tá tocando? São músicas suas? Quer dizer, músicas do seu criador?

— Não, não são, não — ele respondeu. — São canções de outra banda. A gente é uma banda cover, na verdade.

— Ah — ela disse —, e que banda é? Queen? Pink Floyd? Beatles?

— Não, não é… uma banda de… de lá de fora — ele disse. — É uma banda daqui mesmo, de Equéstria mesmo. Eu fiquei sabendo deles há uns meses atrás.

— Hm, certo — Meteorite respondeu, ainda pensando. — O que é que você lembra do mundo humano?

Ele pôs um casco no queixo, pensando bastante. — Sabe que eu… Eu não tenho pensado muito nisso. Eu me lembrava de bastante coisa no início, mas… eu acho que me lembro de algumas músicas, mas… na verdade, eu não tenho muitas lembranças, não! É meio esquisito.

Ela franziu o cenho. — Dainty Tunes, será que você é mesmo uma auto-inserção?

— Eu tenho quase certeza que sim — ele respondeu, após uma pausa —, ou… pelo menos eu era, por um tempo. Pra mim, era óbvio. Eu fui colocado aqui por um motivo claro. Meteorite, eu fui colocado aqui de zoeira, sabe. Eu sou uma porra de uma piada criada pra divertir o meu criador.

— Ah, é? Bom, piadas não costumam ter crises existenciais — ela disse. — E que porra é essa de “meu criador”? Chama ele pelo nome.

Ele olhou para ela por um momento, e então baixou o rosto. — Eu… não me lembro do nome dele.

O queixo dela ficou caído. — Sério? Dainty, como é que você vai ser um Gary Stu de um escritor que você nem lembra o nome?

Ele acenou com a cabeça, lentamente. — É, é… esquisito. Eu tô ainda mais confuso agora. O que é que tá acontecendo?

— Se eu for dar um palpite — ela disse —, eu diria que o “seu criador” quer que você tenha a sua própria vida. É mais ou menos isso comigo também… eu acho, pelo menos.

— Bom, pra ser sincero, eu sempre te enxerguei como uma pônei comum, sabe — ele disse, com um sorriso tímido.

— Então é hora de você ser um também — ela respondeu. — Eu não acho que você tá agindo assim por ter virado um Gary Stu. Se você tivesse, por que você ficaria assim, tão perturbado?

— É, isso não faria muito sentido — ele disse, com um casco no queixo. — Isso quer dizer que, se eu agi que nem babaca… é porque eu sou um babaca mesmo?

Ela tentou segurar o riso, mas não conseguiu resistir.

— Ei, para de rir! — ele disse, fechando a cara.

— Desculpa, mas isso foi engraçado demais — ela disse. — Não, mas, sério, você… você não é um babaca, Dainty. Talvez… quem sabe, você não andava muito satisfeito. Você gosta de estar com a sua banda?

— Bom, eu adoro a música — ele disse —, e os meus colegas são legais, eu não nego. Eu… eu acho que a gente tem potencial de verdade, mesmo.

— Tá, tá, sim, mas você gosta de estar com eles? — ela insistiu. — É divertido ficar junto deles?

Dainty coçou a cabeça. — Na verdade… a gente não fica muito tempo junto. Eu fico bastante com um dos meus colegas, mas os outros… eu não conheço eles muito bem. A gente se junta pra ensaiar, e aí eles vão pra casa. Eu nunca tive grandes problemas com eles, mas…

— Parece que você tem é que conversar com eles, Dainty — ela disse. — Talvez você está tratando eles demais como músicos e não como… como pôneis. Pra falar a verdade, eu não faço ideia de como é ter uma banda, e, se eu encostasse numa guitarra, eu acho que eu arrebentaria todas as cordas só de segurar ela, mas… pra mim, sempre pareceu que pôneis em uma banda têm que ter alguma afinidade. Vocês vão passar bastante tempo juntos, então tem que ser divertido pra vocês todos. Se você… eu sei que é duro dizer isso, mas, se você não está se divertindo, e se eles não estiverem se divertindo, talvez é porque não é pra ser. Mas quem sabe, se você conhecer eles melhor, pode fazer diferença.

Ele olhava para um ponto fixo, escutando-a, mas também imerso em pensamento. — Isso faz total sentido, Meteorite. Sério. Eu acho que eu sei o que eu posso fazer.

— Que bom — ela disse.

Ele deu uma risada. — É engraçado, mas eu me sinto aliviado de pensar que a minha atitude babaca vem de mim mesmo. Tipo, se eu posso agir que nem escroto às vezes, então eu posso deixar de agir.

— Esse é o espírito, rapaz — Meteorite respondeu. — E para de ficar com medo de falar de mim, viu? Se você precisar bater um papo, procura por mim… mas, bom, eu tenho que voltar pro meu trabalho agora.

— Ah, claro! — Dainty disse, de sobressalto. — Sim, claro. Eu não quero a AJ pensando que você tá fugindo do serviço. Só… obrigado, mesmo. Eu tô melhor agora.

— Que bom que eu pude ajudar — ela disse, já a alguns passos dele. — E boa sorte com a banda. Então, até mais!

— Até mais, Meteorite — ele disse, ao que ela saiu a trote de volta ao mercado.

Ele não podia dizer que tinha superado completamente sua insegurança e seu medo, mas ele tinha razões pra acreditar que tinha como consertar as coisas, e ele tinha planos de como fazê-lo.


*


Dainty já estava impaciente quando Steel Strings e Honey Drop chegaram, com diferença de poucos minutos entre eles.

— Rapazes, nem precisa tirar seus instrumentos — Dainty disse. — Eu tenho… outros planos pra hoje.

— Outros planos? — Honey disse.

— É. Eu vou esperar os outros chegarem, se vocês não se importam.

— Não, claro que não.

River Mouth e Hard Fiber chegaram pouco depois, e Dainty também disse para eles não tirarem seus instrumentos.

— Eu pensei que a gente podia fazer uma coisa um pouquinho diferente hoje — ele disse. — Em vez de ensaiar, a gente podia… fazer algo juntos.

Honey Drop e Hard Fiber trocaram olhares. River Mouth inclinou a cabeça.

— Quer dizer, a gente já vem fazendo isso há tanto tempo, e a gente sempre se encontra aqui pra tocar as músicas, mas a gente… não se conhece muito bem. Pelo menos eu não conheço vocês tão bem. E eu acho que, se a gente for fazer isso juntos, seria bom a gente… ser um pouco mais próximo.

— Por mim, tudo bem — River Mouth disse.

— É, pode ser — Honey Drop disse.

— Bom, então eu pensei na gente… sair e fazer um piquenique. O que vocês acham?

— Puxa, faz tempo que eu não faço isso — Hard Fiber disse. — Talvez seja legal.

— É, vamos fazer, sim — River Mouth disse.

Os outros dois acenaram com a cabeça.

— Certo, então! — Dainty disse, com certa alegria. — Então, vocês podem ajudar a levar as coisas?

Ele apontou para uma porção de cestas que estavam pela cozinha. Eles foram apanhá-las, e saíram da casa rumo à tarde clara.


Eles optaram por ir para o Lago Saddle, onde alguns outros pôneis estavam sentados ou caminhando, aproveitando a paisagem. A banda escolheu um lugar reservado, e Dainty abriu uma toalha grande na grama. Eles se sentaram e começaram a tirar os itens das cestas.

— Você se esforçou nessa, Dainty — Steel disse.

— Bom, sim, eu queria que isso fosse legal pra todos nós.

Honey Drop tirou um pote de mel e segurou-o em seu casco, com um sorriso. — Você fez isso de propósito, né?

Dainty riu-se, encabulado. — Nossa, eu nem fiz a ligação! Eu só… pensei que vocês iam gostar.

— Nossa, ele, que trabalha com isso todos os dias, deve estar enjoado já — River Mouth brincou.

— Não, até que não — Honey respondeu, abrindo o pote e pegando uma pequena colher de dentro da cesta.

— Com o que você trabalha, afinal? — Dainty disse.

— Bom, em qualquer coisa que os meus pais pedirem — ele respondeu, pegando uma pequena porção do mel e colocando em seu casco, trazendo-o então à boca. — Hm, esse aqui é uma mistura — ele disse, examinando o mel dentro do pote. — Flor de trigo, girassol… castanheira, talvez? Aposto que tem castanheira aqui. Classe B. É dos bons.

— Você sabe disso tudo só com o gosto? — Hard Fiber disse.

— Sim — Honey disse. — Eu faço isso desde pequeno. Esse é o meu principal trabalho: controle de qualidade. Mas eu faço praticamente tudo lá na fazenda, na real. Eu não gosto muito de lidar com as abelhas, porque eu acho que elas não vão muito com a minha cara. Mas o meu paladar é excelente. Sempre foi assim.

— Isso é legal — River Mouth disse.

Dainty, outra vez, percebeu que ele continuava não prestando atenção às marcas dos seus colegas, e a marca especial de Honey Drop era uma colher de mel.

— Eu só queria ser assim com a música, sabe — ele disse. — Por que é que não pode ser fácil assim? Eu gosto tanto de música, mas é tão difícil pra mim aprender.

— Sim, mas você consegue chegar lá, com certeza — River Mouth disse. — Eu também não tenho nenhum dom natural pra música. Quer dizer, eu acho que só o Dainty Tunes tem.

— Com o que você trabalha, a propósito, River? — Honey Drop disse.

— Eu sou uma cientista — ela disse, um biscoito flutuando junto ao rosto dela. — Eu sou especialista em plantas e animais aquáticos, e estudo a maioria dos biomas aquáticos. Parecia uma coisa óbvia pra eu fazer, porque eu sempre adorei tudo que tinha a ver com rios, lagos, oceanos, pântanos e tudo mais. Eu gostava era de colocar os cascos na água.

— Esse interesse é bem específico — Dainty disse. — Eu acho ótimo. Então, assim, você entende muito de peixes e plantas, e tal?

— Sim, a flora e a fauna, sim, mas eu também estudo a geografia, o meio-ambiente, as dinâmicas dos rios, correntes, tudo isso. Eu adoro que tem um monte de informação, e eu tenho que juntar tudo isso pra entender o que acontece.

— Isso parece difícil pra caramba — Steel Strings disse. — Eu aposto que eu ia ficar boiando em quase tudo isso aí.

— Ah, a gente tem que estudar horrores — ela respondeu. — Um monte de leitura, um monte de trabalho de campo, um monte de pesquisa… mas é divertido, porque eu adoro o assunto. Às vezes cansa, mas eu me sinto bem.

— É assim comigo quando eu toco com vocês — Dainty respondeu. — É cansativo às vezes, mas a sensação é boa.

— Comigo é assim também — River disse. — Só que a música me exige mais esforço. Com o meu trabalho, parece que as coisas chegam em mim mais fácil. Na música, eu tenho que ir atrás da informação. É mais difícil, mas eu adoro.

Dainty discretamente notou a marca especial dela, que mostrava um belo delta de rio.

— Perto de vocês, eu pareço um tédio — Hard Fiber disse, com um sorriso triste. — O Honey consegue identificar as flores no mel com a língua, a River saca de tudo que fica embaixo d’água… e eu trabalho com folhas e cordas.

— Mas isso não é chato — Honey Drop disse. — Você deve saber um monte de coisa que a gente nem faz ideia.

— Bom, sim, trabalhar com fibra vegetal é super técnico, e sempre tem alguém por aí que precisa do nosso trabalho — ele respondeu, dando de ombros. — Mas, sei lá, a música é tão mais interessante. Quase todo pônei adora música, mas, tipo, ninguém olha pra uma corda e diz, “uau, que corda legal!”... quer dizer, fora eu, ninguém…

— Eu acho que, se ninguém tivesse interesse em cordas, seria um problema — Dainty disse. — Elas são extremamente úteis, né?

— Bom, isso sim. Não me entendam mal, eu adoro o que eu faço. Só que não é muto… glamuroso, eu acho.

— Nem esquenta com isso, Fiber, você é um pônei maneiro — River disse. — E você, Steel? Qual é o seu ganha-pão?

— Eu sou um luthier — ele disse, depois de morder um sanduíche. — Basicamente isso.

Honey Drop ficou encarando-o, uma sobrancelha erguida. — E isso é…?

Steel olhou para ele, um pouco embaraçado. — Eu devia ter explicado, né? Foi mal. Eu construo e conserto instrumentos musicais.

— Ah, que legal!

— Obrigado — Steel disse, com um breve sorriso. — Eu gosto. Sabe aquele violão que eu toco? Fui eu mesmo que fiz.

— Nossa, que barato! — River Mouth disse.

— E ele é bom no que faz — Hard Fiber disse. — Uma vez, eu quebrei o braço do violão, e ele deixou ele melhor do que era. Foi assim que eu conheci ele, por sinal.

— Eu também te ensinei a cuidar melhor do seu instrumento, né? — Steel disse. — O pobre violão estava bem detonado.

Fiber coçou a cabeça, sorrindo encabulado. — É, eu sei…

— Então, você é um músico que começou a fazer instrumentos, ou um fazedor de instrumentos que virou músico? — Honey Drop disse.

— É mais a segunda opção, eu acho — Steel disse. — Eu sempre gostei de música, mas eu aprendi a tocar mais é porque eu queria mexer com os instrumentos. Foi daí que eu comecei. Eu adoro tocar, mas eu não me considero músico propriamente, sabe, eu só gosto de fazer som.

— Você faz um som bom, Steel — River Mouth sorriu.

— E você, Dainty? — Fiber disse. — Você trabalha com música?

Dainty baixou a cabeça. — Não. Eu sou pedreiro.

Os outros quatro olharam para ele em silêncio. — Sério? — Honey Drop disse.

— É. Tipo, eu adoraria trabalhar com música, mas… eu acho que essa porta ainda não se abriu pra mim, sabe? Então eu… levanto prédios. Eu gostaria de trabalhar com algo um pouco menos perigoso, mas, bom, eu consigo me sustentar assim.

— Tomara que um dia você consiga trabalhar com o que você ama, Dainty — River Mouth disse. — Eu acho que vai ser ótimo pra você.

— Eu espero! — Dainty disse. — Mas sabe, é fascinante como a gente é uma banda feita de pôneis que vêm de ramos completamente diferentes. Tipo assim, se não fosse pela música, seria que a gente teria se conhecido?

— É mesmo, né? — Honey disse. — É isso que nos juntou. E… Sabe, eu… Eu amo demais música, cara. Eu adoro tocar com vocês, e… eu sei que eu não toco muito bem, mas eu juro que eu fico feliz de fazer parte disso.

— Eu fico feliz de ter você com a gente, Honey — Dainty disse, suspirando. — E… sabe, eu… Eu devia ter dito isso antes, mas eu… eu preciso pedir perdão pra vocês. Eu fui… O jeito que eu tratei vocês, eu não devia ter feito aquilo nunca. Jamais. Vocês não merecem isso. Eu fui um babaca, e eu… — Ele respirou fundo, tentando manter a compostura. — Eu machuquei vocês. E não tinha desculpa. Eu não vou fazer mais isso, eu prometo.

— Dainty, eu vou ser sincera — River Mouth disse. — Eu não ia vir hoje. Se dependesse de mim, eu teria… saído da banda. Mas o Honey Drop veio falar comigo, me implorou que eu viesse, e eu vim por causa dele. Eu tô feliz de ouvir isso de você. Eu acho que a banda tem potencial, mas a gente tem que se respeitar. A gente tá nessa juntos, e mesmo que cada um de nós possa sempre melhorar um pouco, tem que ter respeito.

— Você tá totalmente certa, River — Dainty disse. — Você tem toda a razão, e, sério, eu tô arrependido do que eu fiz, e eu não vou mais agir daquele jeito. Eu… acho que eu me deixo levar pela paixão, e eu fico querendo apressar as coisas, e eu… não pensei que vocês não estão aqui pra seguir ordens minhas, mas pra fazer o que vocês amam, e eu… eu quase estraguei tudo. Desculpa, gente, desculpa.

Steel Strings pôs um casco no ombro dele, e Dainty deu-lhe um sorriso doce.

— Você é um cara legal, Dainty — Honey Drop disse —, que dizer, pelo menos quando você não é um mandão. Mas eu acho que você consegue parar de ser um mandão.

— Eu consigo, Honey — Dainty Tunes disse. — Vocês têm a minha palavra.

— Obrigado, cara — Honey respondeu. — Eu… sabe, eu fiquei apavorado que você talvez terminasse a banda… Não faz isso, por favor, eu quero muito tocar com vocês.

Dainty viu o olhar de súplica, quase desesperado, nos olhos dele. — Honey, essa banda é tudo pra mim. Vocês são tudo. A música é tudo. Isso aqui é especial, sabe, é… é maravilhoso. Eu sinto que… — Ele respirou fundo, ponderando enquanto observava a superfície do lago. — Sabe o que mais me fascina nessa banda? Vocês sabem por que eu adoro essas músicas? É porque elas me incomodam. Elas me desassossegam. Elas me tiram do meu conforto, elas me fazem perceber que o que a gente sente às vezes é difícil, e que isso é parte da vida. Essas músicas não são pra nos deixar felizes e relaxados, não é música que diz que vai ficar tudo bem… é música que me faz sentir vivo, sabe? — ele disse. — Elas fazem o meu coração bater. Fazem o meu sangue correr. É por isso que essa música existe, e é isso que eu quero fazer com os outros.

— Eu quero sacudir eles. Eu quero que eles sintam algo. Eu quero fazer esse lugar tremer, sabe? Eu quero pegar tudo que tá enterrado no meu coração e botar pra fora, pra que todo mundo ouça. É isso que me impulsiona. É isso que me dá paixão, e, bom, eu não posso obrigar vocês a fazer isso, mas eu queria que vocês fizessem o mesmo. Peguem tudo que vocês sentem, tudo que tá enterrado. Não precisa ser só sentimentos ruins, raiva, frustração ou tristeza; é tudo mesmo. Peguem tudo isso e joguem na música. Lembrem de tudo que vocês já viveram, tudo que vocês já viram, que vocês já sentiram, tudo que faz vocês se sentirem vivos. Coloquem tudo na música. Façam a música pulsar. Façam dela um monstro. Façam dessa música uma coisa enorme e assombrosa, que não pode ser domada. Botem pra foder.

— Assim, vocês não têm que tocar todas as viradas certinhas, tocar as linhas de baixo mais interessantes, nem nada disso, porque vocês são interessantes. A música vai ser legal porque vocês são pôneis legais. A música vai sair naturalmente de vocês, desde que vocês toquem com o coração. Vocês são demais, e tudo que a música precisa é que vocês sejam quem vocês são. É só isso que eu peço de vocês. Os errinhos, esses a gente corrige ensaiando, mas sejam sempre autênticos. Ouviram?

— Eu ouvi sim! — Honey Drop respondeu, entusiasmado.

— É isso aí, cara — River Mouth disse.

— Bem isso — Hard Fiber disse.

Steel Strings deu um olhar suave para Dainty. — Eu sei exatamente o que colocar na música.

Dainty olhou de volta, casualmente. — Eu também, amigo.

A banda ficou ali por horas, falando, rindo, assistindo à luz do sol fundir-se à escuridão do fim da tarde. Eles não notaram o tempo passar tão rápido, e o fim do dia pegou-os todos de surpresa. Antes de escurecer demais, eles voltaram para a casa de Dainty para pegarem os instrumentos e voltarem para suas casas.

— Obrigado pelo piquenique, Dainty — Hard Fiber disse. — Foi uma baita ideia.

— É, eu me diverti pra caramba — Honey Drop disse. — A gente devia fazer isso mais vezes.

— Que bom que vocês gostaram — Dainty respondeu. — Eu precisava disso.

Eles falaram sobre o ensaio seguinte, e marcaram ele para a terça seguinte. Steel Strings ficou com Dainty um pouco mais, como sempre, e, depois que ele saiu, Dainty sentia-se como se um peso enorme tivesse caído de seus ombros. Ele se sentia bem. Estava tudo nos conformes.

 

Notas: a personagem Meteorite Shower é uma criação original de outra autora, e foi a inspiração para a criação de Dainty Tunes. Ela apareceu pela primeira vez na história A Second Chance, publicada no site Fimfiction. Ambos os personagens foram criados como auto-inserções de seus autores.

O termo "Gary Stu" refere-se a um tipo específico de auto-inserção, que representa uma visão idealizada e perfeita de seu autor, e que não se encaixa nos moldes do mundo no qual foi criado. Uma das marcas típicas de um Gary Stu é que suas atitudes podem ser inadequadas e indesejadas sem que seu autor perceba, criando uma dissonância entre como o personagem é tratado dentro da história (como alguém perfeito e sem falhas) e como ele é percebido pelo leitor (como desagradável e desinteressante). Por isso, Dainty Tunes fica aliviado de saber que suas atitudes foram causadas por sua própria personalidade, e não por incompetência de seu autor.