segunda-feira, 21 de junho de 2021

A Manada de Ponyville. Faixa 3: Depois do Começo

Aquela manhã fora tranquila. Dainty guardara suas coisas na mala, saíra do hotel e despedira-se gentilmente de Warm Breeze e Silvery Light. Ele fora até a estação e embarcara no primeiro trem que partia rumo a Ponyville. Ele lera um pouco mais de seus livros enquanto o trem avançava, e desembarcara ao chegar na sua cidade. Ele se apressara para chegar em casa e apanhara os seus discos.

Então, ele pôs o primeiro disco da Tropa da Cidade para tocar, pôs o volume bem alto, e deixou a música sacudir a casa.

Dainty dançou com aquelas músicas, pulou na cama, tocou guitarra no ar, bateu cabeça, e deixou seu corpo reagir como ele quisesse, sem dar a mínima se outros pôneis achariam bobo ou ridículo. Se ele estava sendo ridículo, era um ridículo sincero.

Quando ele começou a ficar cansado, ele diminuiu o ritmo e começou a prestar atenção às estruturas musicais das canções: ritmos, melodias, progressões de acordes, letras. Ele precisaria conhecer as canções até de trás para diante, e isso levaria algum tempo.

Os dias passaram. Nos dias de semana, depois do trabalho, ele voltava para casa com pressa para estudar as canções. Ele copiou as letras para folhas de papel e anotou junto os acordes, contando com os ouvidos e com o piano. A maioria das canções era harmonicamente simples, e ele não tinha dificuldade de aprender os acordes; o problema eram as melodias, que podiam estender-se com poucas repetições. Ele decidiu que o melhor seria focar em poucas canções de cada vez, escolhendo suas favoritas, bem como as que ele achava que outros pôneis poderiam gostar. Ele categorizou as canções em três listas: os “hits”, os “sucessos em potencial”, e as “pérolas ocultas”.

Para os “hits”, ele confiou não só em sua audição, mas nas coisas que ele lera nos livros: Será, Tempo Perdido, Ainda É Cedo, Eu Sei, Há Tempos e outras. Os “sucessos em potencial” eram canções que saltavam aos seus ouvidos, mas que não pareciam ter sido grandes hits na época: Teorema, Quase Sem Querer, Vento no Litoral, Sete Cidades e outras. Já as “pérolas ocultas” eram canções que Dainty adorava, mas que poderiam não ser grandes hits: Por Enquanto, Eu Era um Lobisomem Juvenil, O Teatro dos Vampiros, Vinte e Nove, Esperando por Mim e várias outras. Algumas canções não foram colocadas em nenhuma lista; eram boas canções, mas não se sobressaiam tanto. Elas funcionavam bem nos discos, e ele gostava disso.

Enquanto ele se acostumava com as canções, ele começou a aprender a tocá-las e cantá-las: tanto no piano quanto no violão. Ele não tinha tanta confiança no violão, enquanto o piano parecia seu lugar natural: ele primeiro precisava memorizar as canções, e então sentir como expressá-las da melhor maneira, com as nuances na voz, pequenos detalhes no piano, a dinâmica propícia e por aí em diante. Aos poucos, ele acumulou um punhado de canções que ele sentia que dominava.

Ainda assim, se ele quisesse tocar as canções em público, ele precisaria de mais. Ele precisava de uma banda. Em momentos isolados, ele até chegava a pensar que poderia apresentá-las sozinho, no piano; ou até no violão, como Steel Strings fizera. Mas não, ele pensava, essas canções precisam de uma banda. Elas devem ser fortes, intensas, cheias. Elas foram feitas para uma banda. Além disso, ele não se achava capaz de levar um show inteiro sozinho; quem assistiria a um negócio desses? Apenas um pônei no violão tocando duas dúzias de canções? Não daria certo.

Então, ele teve que dar seu próximo passo.

 

No mural de avisos junto da prefeitura, ele fixou uma mensagem escrita a casco:

“Um chamado especial aos músicos de Ponyville:

Se você toca violão, guitarra, baixo e/ou bateria e deseja entrar para uma banda, fale com Dainty Tunes. Temos um repertório de aproximadamente vinte canções, e a intenção de tocá-las em um show ao vivo. Isto não será pelo lucro, então não espere ser pago! Espera-se que você faça isso em seu tempo livre, pelo amor à música. Vamos arrebentar!”

Abaixo, Dainty escrevera apressadamente o seu endereço, que ele se esquecera de incluir no texto.

Ele não fazia ideia se isso funcionaria. De qualquer forma, a única coisa que ele poderia fazer era a pior coisa a se fazer: esperar.

No meio tempo, ele continuou trabalhando nas canções. Ele fazia melhoras progressivas, e também aprendia canções novas. Ele sabia que tinha mais canções à disposição do que caberiam em um único show, mas era importante ter opções, no caso de algumas canções não darem certo.

Dois dias depois de publicar mensagem, à noite, após o trabalho, Dainty Tunes ouviu uma batida na porta, e levantou-se para atender.

— Ah… Oi, Steel Strings.

— Oi, rapaz — Steel disse, o violão a tiracolo dentro do estojo. — Então, eu vi o teu pedido.

— Ah, viu? Que ótimo — Dainty disse. — Eu não sei se você foi o primeiro que viu, mas é o primeiro a ter vindo aqui, então, legal.

— Então, se eu entendi bem, você quer formar uma banda de rock, e você já tem o repertório — Steel Strings disse. — São canções suas?

— Não, na verdade, não. São músicas da Tropa da Cidade.

Steel fez uma pausa. — Interessante. Você quer fazer uma banda de covers, então?

— É, basicamente é isso — Dainty respondeu. — Eu, é, comecei a estudar as músicas. Eu comprei os discos em Manehattan, e até recebi a permissão do Shimmering Chord pra fazer isso, então eu acho válido.

Ele viu os olhos de Steel Strings arregalarem-se. — Você falou com o Shimmering Chord?

— Falei, sim — Dainty disse, surpreso consigo mesmo. — Eu… Na verdade, eu queria que ele reunisse a banda e voltasse a tocar, mas ele foi contra, porque o Deep Voice é insubstituível… e, tipo, eu também acho, seria uma missão difícil pra qualquer pônei, mas, tipo, ele disse que, se eu quisesse formar a minha própria banda, desde que eu não ganhasse dinheiro com isso, ficaria bem. Então, eu quero tentar.

— Você se dedicou mesmo a essa banda, né? — Steel Strings disse. — Tipo, eu achava que eu era fã, mas você foi até Manehattan só por causa deles. Eu… eu acho isso legal demais.

— É, quando você diz isso, é uma loucura que eu fiz — Dainty disse, olhando para o chão.

— E você precisa de alguém no violão, é isso?

— Preciso, sim. — Dainty ergueu os olhos para encontrar os de Steel. — Você quer entrar?

Ele deu de ombros. — Não faria sentido nenhum se eu não entrasse, não?

— Ah, que ótimo! Você é oficialmente um membro da banda agora! — Dainty disse, em uma celebração minguada de sua vitória. — Você pode começar quando?

— Você tá livre hoje?

— É, claro! — Dainty disse, demorando um instante para sair do caminho. — Entra aí.

 



A dupla se sentou para olhar a lista de canções e decidir por quais começar. Steel Strings conhecia bem uma meia dúzia de canções, então elas foram uma escolha óbvia. A primeira escolha foi Tempo Perdido. Dainty sentou-se ao piano, enquanto Steel ficou na cama, tocando violão e cantando. A primeira passada teve seus percalços, mas Dainty achava que isso era natural para a primeira tentativa. Apesar disso, como os dois conheciam bem a canção, eles tocaram até o fim. Dainty teve um surto de energia quando o último acorde desapareceu; aquela era uma experiência muito, muito diferente para ele. Não era como ouvir o disco ou como tocar sozinho: Dainty participava disso, mas era algo maior do que ele. Havia outro pônei envolvido, e isso dava um sentido novo à coisa. Era poderoso.

— Então, a gente tem que melhorar o andamento — Steel Strings disse. — A gente tava oscilando bastante.

— Você notou? — Dainty disse. — Hã, interessante. Talvez porque a gente não tem bateria.

— É, mas dá pra melhorar isso sem um baterista. A gente tem que ficar mais coeso.

— Sim, talvez.

— O que você achou da minha voz?

Dainty notou um pouco de insegurança na fala dele. — Eu achei boa.

— Achou? — Steel disse. — Sei lá, eu nunca gostei muito de como eu canto.

— Talvez você exige demais de você mesmo. A gente faz isso, às vezes.

— Quem sabe você tenta cantar?

Dainty fez uma pausa. — Eu não sei… Eu acho a minha voz meio anasalada, meio suja. Ela não é aveludada e potente que nem a do Deep Voice.

— Mas você não quer substituir ele, né? — Steel disse, quase repreendendo-o. — Você não tem que ser igual a ele. Tenta.

Eles tocaram outra vez, e Dainty assumiu o vocal dessa vez. Ela foi melhor do que a tentativa anterior, e o andamento oscilou menos. Dainty cometeu alguns erros, por ter que dividir a atenção entre o canto e o piano, mas eles foram até o fim sem problemas.

— Eu gostei bem mais do seu vocal — Steel disse. — Você dá peso às palavras.

— Você achou? Bom, legal.

— É. A sua voz pode ser um pouco anasalada, mas ela funciona. Talvez você esteja se esganiçando um pouco.

— Me esganiçando? Como assim?

— Bom, quando você fala, a sua voz fica mais relaxada — Steel disse. — É como se você estivesse empurrando as pregas vocais pra cima quando você canta — ele disse, deixando sua própria voz mais nasal —, e você não devia fazer isso. Você deve relaxar a garganta quando canta. Isso te dá mais potência. Tenta cantar sozinho.

— Tá bom — Dainty disse, um pouco envergonhado, e limpou a garganta. — Todos os dias quando acordo…

— Aí, tá vendo? Agora você não se esganiçou — Steel disse. — Esse é o segredo. Relaxa as pregas vocais e deixa elas ressoarem. Você vai pegar o jeito com o tempo. Além disso, o seu andamento ainda oscila. Você costuma praticar com metrônomo?

Dainty sentiu uma repentina vergonha. — … é, bom, não. Eu não… tenho um metrônomo.

— Você devia comprar um — Steel respondeu, em um tom suave. — Ele ajuda muito. Eu digo isso de experiência própria. Então, quer tentar outra música?

— Sim, claro. Você quer o quê?

— Eu tô pensando em Eu Sei. O que você acha?

— Acho perfeito. Vamos lá.

Os dois tocaram a música duas vezes, e ficaram satisfeitos com o resultado. Eles começaram a conversar sobre a Tropa da Cidade, discutindo sua música e sua história. Steel Strings estava impressionado com o conhecimento que Dainty adquirira com os livros, e pensou que isso os ajudaria a entender o clima por trás das canções.

— Sabe, tocar uma música vai muito além de tocar as notas e os acordes certos — Steel disse. — É como a gente entrega eles. Os pôneis não têm só que te ouvir, eles têm que acreditar em você. Você precisa tomar posse da canção, e aí você esquece dos acordes e das palavras, e fica tudo automático, e aí você se concentra no significado, que é o que importa de verdade. Se você errar um acorde, não tem problema, desde que o sentimento seja verdadeiro; mas tocar as notas certas sem sentir nada, isso não tem perdão.

— É, sim, faz sentido — Dainty disse. — Eu acho que é por isso que eu gosto tanto dessa banda: eles tocavam com verdade.

— Eu acho que sim. Mas não usa isso como desculpa pra tocar mal, hein? — Steel disse. — Compra um metrônomo e pratica. Você vai melhorar bastante.

— Sim, sim, eu vou fazer isso.

Depois de conversar um pouco mais, eles tocaram as duas músicas de novo, e Steel Strings decidiu que era hora de ir para casa.

— Eu acho que a gente tem potencial — Steel disse, levantando-se. — Eu vou dar uma conversada por aí e tentar recrutar mais músicos. Você devia fazer isso também.

— Talvez, mas eu não conheço ninguém que se interesse por música — Dainty disse. — O único lugar que eu fui que atrai esse público é o Bamboo Pub, mas eles não gostam muito da Tropa por lá, né?

— É, não seria o lugar ideal — Steel disse. — Dá uma cuidada em qualquer evento musical que aparecer por aí, e vai fazendo contatos. Se você só ficar em casa, dificilmente eles vão vir te procurar.

— Sim, eu sei… Bom, obrigado por ter vindo, e obrigado pelas dicas. Isso ajuda muito.

— Não tem de quê. Por sinal, você está livre amanhã?

— Sim, claro! Você quer vir de novo?

— Quero sim. A gente tem mais músicas pra passar.

— É, tem mesmo… Bom, a gente se fala amanhã, então!

— Até amanhã.

E então, Steel Strings foi embora. Dainty teve um surto de auto-confiança, seguida de um surto de auto-cobrança: ele precisava conseguir um metrônomo.

*

Pelos dias seguintes, quase todas as noites, Steel Strings visitava Dainty Tunes para ensaiar. Em poucos dias, eles estavam tocando todas as músicas que Steel já conhecia, então Dainty começou a tocar os discos para mostrar as outras canções, e os dois estudavam-nas juntos. Então, depois de tocar, eles passavam um tempo apenas conversando, não só sobre a banda, mas sobre música em geral, e também sobre suas vidas. Dainty ficava um pouco preocupado quando o assunto ficava pessoal demais, pois ele não tinha um passado propriamente dito; ele teria que ou inventar coisas, ou dar respostas vagas, então ele evitava esse tipo de assunto.

— Eu tô tentando espalhar as notícias entre os pôneis que eu conheço — Steel disse uma certa noite. — Talvez a gente receba alguns membros novos em breve, mas não dá pra ter certeza.

— Bom, isso seria ótimo — Dainty disse .— Eu, é… Eu confesso que eu não tenho feito isso. Eu tenho ido na loja de discos nos intervalos pro almoço, mas eu não encontrei nenhum músico ainda. Os pôneis por lá parecem só curtir música, mesmo.

— Você frequenta a praça central nos fins de semana? Tem uns grupos que costumam se apresentar lá — Steel disse. — A gente devia conversar com eles.

— É, isso pode ser uma boa ideia… Eu acho que a gente ainda precisa de um baixista e um baterista. Isso seria suficiente, né?

— Talvez? — Steel disse. — Acho que um guitarrista também seria bom. Eu não tenho uma guitarra.

— É, seria bom… Então, a gente tem que continuar tentando, né?

— Claro.

 

No fim de semana, Dainty Tunes e Steel Strings foram para a praça. No sábado, havia um trio tocando canções tradicionais. Alguns pôneis assistiam ao redor, mas a maioria apenas passava por ali, de vez em quando balançando a cabeça com o ritmo, e, de vez em muito quando, largando uma moeda em um estojo de instrumento aberto ao pé do palco.

— Eu não acho que esses caras iriam querer tocar rock — Dainty disse.

— É, mas eles talvez conheçam alguém que queira — Steel respondeu. — Vamos bater um papo com eles depois.

Eles então ficaram pela praça. Em um momento, eles se afastaram um do outro, e Dainty avistou Steel Strings conversando com um par de pôneis. Ele supôs que eles fossem amigos dele, mas, ao que ele escutava a conversa, ele percebeu que Steel acabara de conhecer os dois. Dainty ficava frustrado, tentando entender como alguns pôneis conseguiam fazer aquilo: aproximar-se de alguém e começar uma conversa, assim, do nada. Como ele conseguia isso? E por que aqueles pôneis?

Foi então que ele notou que um dos pôneis tinha, como marca especial, uma clave de fá. Uma coisa óbvia caiu sobre ele: ele raramente notava tais marcas. Elas eram uma dica que ele poderia ter usado há muito, muito tempo, mas ele nunca pensara nisso.

Pouco depois, a conversa entre os pôneis terminou, e Steel Strings voltou.

— E aí? Alguma notícia? — Dainty disse.

— Bom, um deles toca baixo, mas ele não está interessado em tocar de graça agora — Steel Strings disse, sem demonstrar desânimo; se bem que sua voz era sempre tão calma, quase aérea, que podia ser difícil perceber algo no tom da voz dele. — Mas ele disse que ia falar com alguns conhecidos e ver se alguém se interessa. Só resta torcer.

— É, acho que sim — Dainty respondeu.

Logo em seguida, ele percebeu a banca da família Apple um pouco adiante, e reconheceu todos aqueles rostos. Neste ponto, Dainty já mais ou menos se obrigava a ser casual quando seu caminho cruzava com o daqueles pôneis; ele não fugia, e também não se aproximava para bater papo como velhos amigos. No máximo, ele tentava imaginar como seria fazer parte daquela população que entendia a importância dos Elementos da Harmonia, mas ficava longe de qualquer tietagem.

Um pônei em especial destacava-se para ele: uma pégaso roxa, com uma crina vermelha como fogo. Ele já a conhecia, mas algo lhe dizia que era melhor manter distância, mas por motivos bem diferentes. Se ficar próximo dos Elementos da Harmonia podia ser ruim para Dainty, ficar perto daquela égua podia ser ruim para ambos. Pelo menos era o que ele pensava.

Enfim, os dois pôneis esperaram que a banda parasse de tocar, e foram até eles. Steel Strings é quem conversou mais, e o resultado foi mais ou menos como Dainty previa: nenhum dos músicos estava interessado em tocar em uma banda de rock, mas disseram que passariam a informação adiante.

No dia seguinte, não havia nenhuma banda tocando, e a praça estava cheia apenas do som da vida cotidiana acontecendo. Os dois pôneis tentaram recrutar mais alguém—de novo, com resultados semelhantes.

Dainty não conseguia disfarçar a frustração. Não que ele tivesse pensado que seria fácil, mas ele estava farto de ficar dando de cara em muros.

— A gente tem que ter paciência, Dainty — Steel disse. — Isso pode tanto dar certo como não dar. Se der certo, pode demorar. Se não der… bom, nem sempre dá pra evitar o fracasso.

— Eu sei — Dainty disse. — Quer dizer, eu sei que é assim na teoria, mas, na prática… é uma merda, sabe.

Ele corou de repente, ao perceber-se usando um linguajar tão chulo, mas Steel Strings não parecia se importar.

— A vida é assim, amigo. Às vezes a coisa é pra ser, às vezes não é. O que a gente pode fazer é continuar tentando.

— É, tem razão… Sabe, é tão bom ter uma companhia que nem você — Dainty disse —, porque você parece que sempre se mantém sensato. É bom poder ouvir um pouco de bom senso de vez em quando, sabe? Eu fico com uma… uma nuvem de pensamentos ruins e ideias negativas e palavras de desânimo, e você, com a sua calma e a sua naturalidade, atravessa isso tudo. É bom pra desanuviar um pouco.

— Que bom saber — Steel disse. — Mas é estranho você falar de pensamentos negativos, porque você parece tão motivado e tão decidido. Você quer que isso dê certo, não quer?

— É, eu quero, sim — Dainty respondeu. — Eu acho que… bom, quando é pela música, eu sou assim. Eu quero fazer as coisas, e me superar. Mas, pro resto… é mais difícil.

— Interessante — Steel disse. — No fim, a música é mesmo a sua paixão.

— Eu acho que sim.

*

Dainty tentou lidar com aquela confusão de sentimentos pelos dias seguintes: a vontade de fazer o projeto acontecer dava-lhe um calor febril que chegava a dificultar seu sono à noite, mas a estagnação de não conseguir novos membros era um fardo. Ele se sentia acorrentado a um peso imenso, enquanto seu corpo inteiro explodia com uma vontade irracional de sair voando. Ele não podia mover-se, mas não conseguia ficar parado.

O primeiro sinal de mudança veio na terça-feira.

— Eu falei com um pônei que tem uma guitarra — Steel Strings disse, logo após chegar à casa de Dainty. — Ele disse que gostaria de entrar.

— Caralho! — Dainty gritou, e imediatamente cobriu a boca. — Quer dizer, que ótimo! A gente tá crescendo.

— É, pelo visto, sim. Ele disse que vem amanhã.

— Legal, mas, tipo, você disse pra ele qual é o plano?

— Sim, eu expliquei tudo pra ele — Steel disse. — Ele só não conhece as músicas, então a gente vai ter que ensinar.

— Tá, não tem problema — Dainty disse. — Eu já esperava isso. Mesmo assim, é um avanço!

— Verdade. Então, a gente vai fazer o que hoje?

— Bom, eu acho que a gente poderia aprender umas músicas novas, o que você acha?

— Talvez, mas eu ainda não tô muito seguro com Há Tempos. A gente devia acertar essa primeiro, e então ir pra outras músicas.

— Claro, pode ser. Vamos lá.

 

Na noite seguinte, uma meia hora depois que Steel Strings chegou, Dainty recebeu a visita do guitarrista. Seu nome era Hard Fiber, e ele era um pônei da terra com uma pelagem verde-limão e uma crina azul clara ondulada. Ele olhou para Dainty com um sorriso casual.

— Oi. Dainty Tunes, certo?

— É, sou eu — ele disse, saindo do caminho. — Pode entrar. Esse aqui é o Steel Strings.

— Sim, eu já conheço ele.

Dainty suspirou, envergonhado. — Óbvio. Desculpa. É, enfim, pode ficar à vontade.

Fiber trazia um carrinho com sua guitarra e um amplificador. Ele cumprimentou Steel Strings sem nenhuma formalidade, e começou a montar seu equipamento.

— Então, vocês vão fazer o quê? — ele disse. — Como é que a gente vai começar?

— Bom, a gente devia começar a ver as músicas uma por uma, que nem eu tô fazendo com o Steel — Dainty disse. — Eu posso te dar as cifras das músicas, e a gente toca pra você acompanhar. Pode ser?

— Acho que sim — Fiber respondeu.

— Então, a gente começa por Tempo Perdido?

— Por mim, sim — Steel disse.

Dainty deu a Hard Fiber um papel escrito a casco com a letra e a cifra. Fiber notou que era praticamente quatro acordes repetidos várias vezes, e supôs que seria fácil.

— Então, vamos tocar? — Dainty disse, sentando-se ao piano.

— Espera, espera — Steel Strings disse. — Bom, quando a gente toca essa música, eu faço a batida no violão, mas, no disco, a guitarra faz tipo um dedilhado em vez de bater. Eu acho que o Fiber devia dar uma ouvida pra tentar fazer parecido. O que você acha?

Os olhos de Dainty brilharam. — É, verdade! Nossa, eu acho que isso vai fazer a música deslanchar.

— Eu espero que não seja nada muito complicado — Fiber disse. — Eu não sei se eu sou tão bom.

— Bom, olha, você não tem que tocar igualzinho a como tá no disco — Steel disse. — É mais tentar reproduzir o tipo de som, entendeu? Não precisa ficar idêntico.

Dainty já estava preparando o disco, e os três se ajeitaram para escutar. Steel Strings ficou sentado na cama, como sempre, e Hard Fiber puxou uma cadeira. Dainty ficou no banco do piano, enquanto a canção foi tocando. Hard Fiber prestava atenção, mas mostrava certa insegurança no rosto

Dainty levantou a agulha antes do final instrumental da música, pois eles já tinham decidido que não tocariam essa parte, que só fazia sentido no disco.

— Eu não sei, cara, isso é meio difícil — Hard Fiber disse, esfregando o rosto.

— Tá, mas lembra do que eu disse, não precisa tocar igual — Steel respondeu. — Olha só, quem sabe você não tenta? A gente toca os acordes, e você vai fazendo o que der.

— Tá, pode ser. — Fiber levantou-se e ligou o amplificador.

Assim, Steel Strings começou a tocar os quatro acordes, e Hard Fiber tentou acompanhar, tocando notas individuais de cada acorde. O início foi meio rudimentar, pois ele tinha dificuldade de trocar de acorde enquanto tocava aqueles padrões, mas ele começou a pegar o jeito. Dainty assistia, balançando a cabeça com o ritmo, e murmurando as letras.

Depois de alguns minutos, os dois pareciam ir bem. Hard Fiber até tentou algumas coisas mais complexas, como os slides que Shimmering Chord fazia no disco, e eles estavam no ritmo certo.

— Legal, é isso aí, tá ótimo — Steel Strings disse. — Agora, lembra daquele break no meio, quando eles vão pro mi menor, e ele toca aqueles harmônicos? Tenta isso.

— É, eu não sei como tocar aquilo — Hard Fiber disse.

— Não tem problema, eu te mostro. Aqui, ó.

Steel Strings mostrou como tocar aquela parte, e, em questão de um minuto, Hard Fiber tinha aprendido. Assim, eles foram passando pela música, um pedaço de cada vez, trabalhando as nuances, até que eles se sentiram aptos a tocar a música inteira. Dainty sentou-se ao piano, e eles começaram a tocar, desde o início. Hard Fiber errou uma das transições, e eles pararam para corrigir isso.

— É, aqui na parte do E tão sério e selvagem, a gente vai pra essa parte mais pesada, com o si menor — Dainty disse. — Você pode dar mais volume na guitarra nessa parte. Eu canto Selvagem três vezes, e, na terceira, você vai pros harmônicos. É a mesma coisa no final.

— Tá, acho que eu entendi.

— A gente pode escutar o disco de novo, se você quiser — Steel disse.

— É, boa ideia.

Assim, eles ouviram a música novamente, e, assim que ela acabou, eles tentaram tocá-la. Desta vez, eles foram até o fim, e Hard Fiber até fez o bend na nota final.

— Aí, boa, cara — Steel Strings disse. — A gente ainda tem que trabalhar mais nela, mas não tá nada mal.

— É, tipo, é a primeira vez que eu toco com vocês — Fiber respondeu. — Eu acho que eu tenho que treinar isso em casa. Por falar nisso, vocês vão ensaiar quando de novo?

Dainty e Steel trocaram olhares. — Bom, a gente tem tocado quase toda noite — Dainty disse —, mas nem todo mundo vai estar disponível sempre. Tenta chegar aí sempre que puder, eu acho.

— Ah, tá, porque amanhã eu tenho outras coisas pra fazer — Fiber disse —, mas eu tô livre na sexta. Fica bem?

— Claro, fica sim — Steel disse. — A gente não tá com pressa, mesmo.

— Tá, então quem sabe a gente toca essa de novo? — Dainty disse.

Então, eles voltaram a ensaiar, fazendo pequenas melhorias, e tentando ficar mais coesos e mais fluidos. A noite passou rápido, e eles mal tiveram tempo para começar a estudar outra música. Enfim, Fiber teve que voltar para casa, e Steel Strings ficou um pouco mais, conversando com Dainty.

 


No dia seguinte, Dainty sentiu que ele rendeu um pouco mais no trabalho, embora ele tivesse dificuldade de sair da cama de manhã, por ter ficado conversando com Steel Strings até mais tarde do que de costume. Aquele pônei tinha aquele jeito suave e casual de falar, mas ele podia falar por horas sem ficar chato. Era fácil perder a noção do tempo com ele.

Ele dissera que não poderia aparecer naquela noite, pois, como Hard Fiber também não poderia vir, ele aproveitaria a oportunidade para fazer algumas outras coisas. Naquela noite, Dainty decidiu dar uma pausa na música, e focar em outras tarefas. A sua casa precisava de uma pequena limpeza.

Na metade do processo, alguém bateu na porta. Franzindo a testa, ele foi atender. Era um pônei da terra com pelagem branca e crina roxa. Ele tivera um choque, pois ele lembrava um pouco a Rarity, embora fosse um rapaz.

— Oi, então, você é o Dainty Tunes? Eu vi que você tá procurando por músicos.

— Ah, sim! Sim, estou, sim — Dainty disse de pronto. — Sim. Você toca o quê?

— Bom, eu toco baixo, na maior parte, mas eu toco um pouco de guitarra. Você tá formando uma banda de rock, não é?

— Sim, estamos — Dainty disse. — E, imagina só, a gente precisa de um baixista.

— Ah, legal. Então, como é que funciona essa banda?

— Então, é, o plano é tocar covers da Tropa da Cidade.

— Tropa da Cidade? Fala sério! — o pônei branco respondeu, com uma cara de nojo. — Essa banda é horrível. Não, tipo, mesmo. Pra que fazer isso?

Dainty deixou o rosto cair um pouco. Ele queria apenas voltar à sua faxina. — Ah, bom, então você não vai entrar na banda.

— Cara, não dá pra acreditar — o pônei prosseguiu, já dando alguns passos para trás. — Tropa da Cidade? Cara, que porcaria. Toca qualquer outra coisa, mas não isso! Você nunca vai fazer essa banda acontecer. Eu espero que não aconteça, mesmo.

— Obrigado por se interessar, pelo menos — Dainty disse, antes do pônei dar as costas e sair, ainda resmungando.

Ele fechou a porta e voltou para dentro, com um misto de decepção e choque. Ele compreendia o pônei não gostar da banda, mas desejas que ela não acontecesse? Ele tentou voltar à sua limpeza, mas ele não conseguia se concentrar nela. As palavras daquele pônei ficavam ecoando, e a ideia de “eu espero que não aconteça” transformava-se em “ela não vai acontecer”.

— Ah, que porra — ele resmungou, já punindo-se por estar triste. Se pelo menos Steel Strings estivesse ali agora.

Ele respirou fundo e tentou voltar ao trabalho.

*

Durante o dia seguinte, ele tentou concentrar-se no trabalho e nas suas atividades cotidianas, mas sua mente voltava sempre à visita da noite anterior. Ele detestava como uma simples conversa podia abatê-lo tanto, mas não havia como evitar. Ele não entendia como certos pôneis podiam ser tão cruéis. Por outro lado, será que ele tinha razão? Talvez a Tropa da Cidade não fosse uma boa banda, afinal. Dainty não era nenhum conhecedor de rock, então, se eles fossem mesmo uma cópia barata, ele não tinha como saber. Se ele não tivesse sido tão afoito e gasto tanto dinheiro naqueles discos, e parado para ouvir outras músicas de outras bandas, ele teria feito uma análise mais aprofundada.

Mas e tudo que ele sentia quando ouvia as canções? O efeito que a música tinha sobre ele era real, e era legítimo. Será que tudo desapareceria se ele descobrisse que eles não eram bons? E o que isso significava? O que poderia fazer deles uma banda ruim, afinal?

Às vezes a natureza minuciosa de seu trabalho afugentava esses pensamentos de sua mente, mas eles sempre voltavam.

Ao voltar para casa, ele não tinha muita vontade de fazer música. Ele teria que fazer, pois seus colegas de banda (imagine, ele tinha colegas agora) iriam lá para ensaiar, e ele tinha que estar pronto. Apesar disso, ele não quis encostar no piano por enquanto.

Steel Strings chegou no horário de sempre.

— Boa noite, parceiro — ele disse, casual como sempre.

— Oi — Dainty respondeu, fechando a porta quando Steel entrou.

— Então, o Hard Fiber disse que vinha hoje, não? Eu espero não ter me confundido.

— Não, ele deve estar vindo.

Steel parou, e virou-se para olhar para Dainty, com um olhar mais direto e fundo do que ele costumava olhar. — Aconteceu alguma coisa, Dainty?

Ele olhou para Steel, irritado por seu estado ser tão visível. Ele sacudiu a cabeça. — Nada de mais.

— É alguma coisa com a banda?

Dainty suspirou. — De certa forma, sim.

— Tá, então conta.

Ele se sentou no banco do piano, e Steel sentou-se na cama, como de costume. Dainty resumiu o que acontecera na noite anterior.

— Ridículo. Inacreditável.

— Mas não é nem isso que me incomoda — Dainty disse, a voz frágil. — É só que… Por que alguém iria desejar que a gente não desse certo? Já é difícil encontrar algum pônei que queira se juntar com a gente, e agora tem um que quer que a gente fracasse? Só porque ele não gosta da banda? Puxa, cara, por quê?

— Então, isso me dá mais vontade de fazer essa banda sair do chão, Dainty — Steel disse, com súbita determinação. — A gente tem que mostrar pra eles que essa música vale a pena ouvir. Ela não merece esse ódio, e eles têm que parar com essa bobagem. A gente vai provar isso pra eles, Dainty.

— Mas não é por isso que eu tô nessa, Steel — Dainty disse, sem encará-lo. — Eu sinceramente não dou a mínima se ninguém gosta da banda. Sério, isso não me incomoda. Eu não quero mudar a cabeça de ninguém. Eu tô fazendo isso porque… porque eu acredito na música — ele disse. — Eu acredito que elas têm força, e eu não acho que elas merecem cair no esquecimento. Eu não quero que todo pônei goste delas, eu só acho que… alguém pode gostar. Lembra daquela noite lá no bar? Se um só pônei te ouvisse e gostasse, já valeria a pena para você. É assim que eu penso.

— Então pra que ficar magoado com o que aquele idiota falou? — Steel retrucou.

Dainty suspirou. — Porque… Porque é horrível pensar que alguém vai ficar feliz se eu fracassar — ele disse. — Eles não conseguem aceitar que eu tô fazendo uma coisa que eu amo, e eles têm que dizer isso em voz alta. Tipo, eu nunca gostei de berinjela, então só por isso eu tenho que chegar pra um fazendeiro que planta berinjela e dizer, “olha só, eu espero que toda a sua plantação morra”? Não, eu não tenho esse direito! Eu devia ficar quieto e deixar que os pôneis que gostam de berinjela comam suas berinjelas, e os pôneis que plantam berinjela plantem suas berinjelas, e que todos sejam felizes. Mas aí, se eu gosto de uma banda, aí não, eles não podem me deixar em paz. Tipo, em Manehattan, numa loja de discos, um pônei qualquer do nada disse que eu não devia comprar um disco deles, porque eles eram ruins, e eu devia guardar o disco e ir embora. Pra que fazer isso? Eles se ofendem com o meu gosto musical?

Steel fez uma pausa, deu de ombros e suspirou. — Eu não sei o que te dizer, Dainty. Alguns pôneis fazem coisas estranhas e que machucam a gente, e não tem muito o que a gente possa fazer… Mas, sabe, eu te admiro quando você diz que não se importa se eles não gostam do que a gente gosta. Eu só… Eu gostaria que eles conseguissem escutar o que eu escuto, pelo menos uma vez. Eu queria que eles escutassem mais e julgassem menos. Mas, eles estão tão preocupados com a reputação de ter as opiniões “certas”, que eles nem pensam com a própria cabeça. E, sabe, você não deixou a opinião dele te influenciar. Você gosta da banda, você foi atrás dos discos, e você não quer forçar eles a pensar como você e não quer que te forcem a pensar que nem eles. Isso é legal… então, é triste que uma frase pode te fazer tão mal.

— É. Eu não devia ficar assim — Dainty disse, esfregando o rosto. — É bobagem minha. Eu vou superar. De qualquer forma, a gente tem que trabalhar, né? A gente devia começar.

— Sim, devia.

 

Na verdade, não havia muito a se fazer enquanto Hard Fiber não chegava. Steel Strings praticou algumas escalas e acordes no violão, e Dainty achou que seria uma boa ideia praticar um pouco. Ele começou a aquecer a voz, embora ele não soubesse o jeito certo de fazer isso, e exercitou seus dedos no piano.

Demorou mais do que o esperado até que Hard Fiber chegasse, mas ele finalmente chegou, trazendo sua guitarra e amplificador. Eles conversaram um pouco enquanto Fiber ligava seu equipamento, e o trio decidiu começar com Tempo Perdido de novo, para fixá-la bem.

Em questão de segundos, porém, ficou claro que Fiber tinha esquecido do início.

— É, você pode me mostrar como é que é, Steel?

— Sim, claro — ele disse, em seu tom de sempre, mas Dainty teve a impressão de ver um toque de frustração no olhar dele.

Steel Strings mostrou de novo como era a introdução, e Hard Fiber lembrou-se rapidamente. Então, eles começaram a música, mas ela não estava funcionando bem. Fiber esquecera-se de algumas coisas, como as transições e os arpejos nos interlúdios.

— Você não treinou em casa, Fiber? — Steel disse.

— Pois é, desculpa, mas não deu tempo. Eu achei que eu ia ter tudo de cabeça.

— Você tem que praticar, cara. A gente aqui pratica — ele disse, apontando para Dainty.

— Tá bom, eu vou tentar.

Algumas passadas depois, a canção estava em forma de novo. Dainty disfarçou um suspiro de alívio quando eles terminaram a última passada, que ficou boa.

Então, eles foram para a música seguinte, Quase Sem Querer, na qual eles mal tocaram dois dias antes. Hard Fiber tinha esquecido praticamente tudo, e eles não tiveram escolha senão começar do zero.

Ainda assim, Dainty sentia que eles estavam progredindo. O ensaio fluiu bem, e não ficava chato tocar a mesma música várias vezes. Quando eles ganharam confiança na segunda canção, eles ouviram algumas outras nos discos, apenas para decidir a próxima a ser escolhida, pois Fiber não teria tempo de começar a aprender outra. Dainty preparou chá para os três, e eles conversaram um pouco antes de Fiber pegar seu equipamento e sair.

Dainty olhou para Steel, sentindo retornar sua confiança.

— Eu não lembrava do Hard Fiber ser tão preguiçoso — Steel disse.

— Preguiçoso? — Dainty disse, franzindo o cenho. — Você acha isso mesmo?

— Ele esqueceu quase tudo que eu mostrei. Ele não treinou.

— É, mas nem sempre isso é preguiça, né — Dainty disse. — A gente não sabe como é a vida dele lá fora.

— Sério que ele não conseguiria um tempinho que seja pra treinar o que ele aprendeu? — Steel insistiu. — Eu treinei. Você treinou. E, sim, eu vi que você treinou com o metrônomo, porque você tá mais firme no andamento desde que a gente começou.

— É, sim, você deve ter razão, Steel, mas eu acho cedo pra gente começar a pensar assim — Dainty disse. — É recém a segunda vez que ele toca com a gente. Talvez ele só precise pegar o jeito.

— Eu espero que sim, senão, a gente vai ter problema.

Dainty pausou por um instante, e deu um sorriso triste. — Se bem que a gente não tá tão bem assim agora, né?

— Não tanto — Steel disse, com um leve sorriso, e pausou. — Então, você tá melhor agora?

— Um pouco, sim — Dainty disse, sentando-se no banco. — A música me animou.

— Bom sinal. Quer dizer que você tá sentindo a música, cara. Ela tá no seu coração.

— Bom, claro, né? Eu não faria isso tudo se não fosse assim, né?

— É — Steel disse. — Eu só espero que seja assim com os outros que entrarem na banda.

Dainty acenou com a cabeça. — Tomara.

*

No dia seguinte, Dainty saiu de casa para fazer algumas compras. Não haveria ensaio naquela noite, pois Hard Fiber não estaria disponível.

Ao chegar em casa, ele avistou um unicórnio batendo em sua porta. Ela tinha uma pelagem azul clara e uma crina loira, curta e lisa, e pelo visto já estava batendo há algum tempo, pois ela estava prestes a ir embora.

— Opa! Espera! — Dainty chamou, correndo até ela, o que ficou difícil por causa do volume em seu alforje.

O unicórnio virou-se para ele e esperou.

— Ah, oi — ela disse com uma voz suave e penetrante. — É você que mora aqui?

— Sim, sou eu mesmo — ele disse, diminuindo o passo e caminhando até ela. — Você veio aqui por causa da banda?

— Vim sim. Eu ouvi uns amigos meus falando dessa banda, e eu pensei em tentar. Eu toco baixo.

— Baixo? Maravilha! — ele disse, seu entusiasmo morrendo um pouco ao lembrar-se da conversa que ele tivera com aquele pônei umas noites antes. — A gente tá precisando de baixista, mas, bom, vai depender se você gosta do tipo de música que a gente toca.

— Então, eles disseram que é uma banda de rock — ela disse. — Eu já toquei em outras bandas de rock… duas, pra ser exata… e a gente nunca fez show… mas dá pra se dizer que eu tenho um pouco de experiência.

— Bom, isso é ótimo, ótimo mesmo — Dainty disse, tentando manter a compostura. — Mas assim, a gente tá fazendo uma banda de covers. A gente vai tocar músicas da Tropa da Cidade.

— Tropa da Cidade — ela disse, um casco no queixo, olhando para o lado. — Eu ouvi falar deles. Acho que nunca escutei nenhuma música, mas o nome é familiar.

— E você não acha eles ruins?

Ela deu de ombros. — Eu nunca escutei eles. Como é que eu vou achar ruim?

Dainty esfregou a nuca, com um sorriso desajeitado. — Bom, é… é que alguns pôneis parecem não gostar deles nem um pouco, então eu só precisava ter certeza. Então, é, a gente vai se reunir amanhã de noite pra ensaiar, então você pode vir e tocar com a gente, pra ver o que você acha.

— Tá, eu venho, sim — ela respondeu. — Antes que eu me esqueça, você é o Dainty Tunes, né? Eu sou River Mouth, por sinal.

— Ah, prazer em te conhecer — ele disse. — É, eu sou o Dainty, sou eu. Bom, obrigado pelo interesse! Eu tô louco pra ver se a gente vai se dar bem amanhã.

— É, eu também — River respondeu. — Por falar nisso, como vocês estão aprendendo as músicas? Vocês têm os discos?

— Sim, eu tenho eles, e a gente escuta as músicas aqui e vai seguindo. Eu já praticamente aprendi todas elas, quase, mas eu tenho que passar elas pros outros dois.

— Então eles não ouvem as músicas em casa?

Dainty ponderou por um instante. — Na verdade, não. É que, como a gente ainda tá indo devagar, uma por uma, eu não achei necessário. Se você quiser, eu te empresto os discos.

— Fica bem pra você? — River disse, um pouco surpresa. — Legal mesmo. Mas, sim, eu já queria aprender as músicas até amanhã à noite.

— Ótimo — ele disse, abrindo a porta e entrando para deixar o alforje na mesa da cozinha. — Ãh, entra, pode entrar.

Ela entrou na casa, notando o piano e outros instrumentos pendurados nas paredes. Dainty pegou uma sacola que ele recebera de uma das lojas de discos, e foi até os seus discos para mostrar quais músicas eles já estavam ensaiando. Então, ele pôs os discos na sacola e entregou para ela.

— Só lembra de trazer eles amanhã, tá bom? — ele disse. — Pode ser que a gente precise ouvir os discos na hora do ensaio.

— Claro — River respondeu. — Eu devolvo sim.

— Maravilha. Ah, a propósito — ele disse, indo até a mesa ao lado do piano para pegar as cifras das músicas. — Aqui estão as cifras, se você precisar. Pode ser que ajude.

— Ah, isso é muito bom — ela disse. — Você é organizado, isso é bom.

Ele sorriu, embaraçado. — Às vezes eu acho que eu sou meio metódico, mas, é, eu acho que tem dado certo.

— Se dá certo pra você, é o que vale — River respondeu, colocando as cifras dentro da sacola. — Então, a gente se vê amanhã de noite? Aqui, na sua casa?

— Isso. A gente te espera!

— Perfeito. Até lá, então — ela disse, trazendo a sacola com magia, e saiu porta afora.

Dainty respirou com satisfação enquanto ela saía, e foi fechar a porta. As coisas estavam ficando boas novamente.

 


Na noite seguinte, Steel Strings apareceu no horário de sempre, e Dainty deu-lhe a boa notícia.

— O nome dela é River Mouth — Dainty disse. — Você conhece ela?

— Não, acho que não — Steel respondeu. — Mas, se ela já tocou em outras bandas, isso é ótimo.

— Sim, exato. Ela também pegou alguns dos meus discos emprestados pra aprender as músicas, então ela parece ser bem dedicada.

— Parece que a gente deu sorte — Steel disse. — Tomara que a gente se dê bem.

River Mouth apareceu dez minutos depois, trazendo o baixo e um amplificador. Dainty apresentou-a a Steel Strings, e os dois se cumprimentaram.

— Ah, por sinal, eu trouxe os teus discos — ela disse, tirando uma sacola de dentro do carrinho com o seu equipamento. — Obrigado. Esse baixista é bem interessante, ele faz umas coisas bem bacanas.

— É mesmo? — Dainty disse. — Eu confesso que eu nunca prestei muita atenção no baixo, mas eu vou escutar mais de perto da próxima vez. Então, deu pra tirar as músicas?

— É, acho que sim — River respondeu. — Eu toquei com elas em casa.

— E você gostou?

— Deu pra escutar. Acho que vou conseguir tocar sem ficar com nojo.

Dainty e Steel ficaram em silêncio, e trocaram olhares nervosos.

— Quer dizer… vocês devem ser fãs da banda, né?

— Basicamente sim — Steel disse, um pouco seco.

— É, não, tipo, eu não tô debochando nem nada — River respondeu, um pouco nervosa. — É que as coisas que eu costumo tocar são diferentes, sabe? Essa banda não é o tipo de coisa que eu curto escutar. Mas eles são bons, as músicas são bem feitas. Fora isso, a gente sempre aprende alguma coisa nova tocando coisas fora do nosso costume, então eu tô entusiasmada.

— Bom, pra mim tá bom assim! — Dainty respondeu, tentando aliviar o clima. — É que, assim, eu não quero te forçar a tocar uma coisa que você não gosta.

— Não esquenta — ela disse. — Se eu não tivesse gostado, eu teria dito. Mas eu tô bem.

Como de costume, demorou um pouco até Hard Fiber chegar. Quando ele apareceu, os outros três já estavam aquecendo, e ele ficou surpreso ao ouvir as notas graves do baixo ao se aproximar da casa.

— Então, a gente tem um membro novo? — ele disse, depois que Dainty cumprimentou-o. — Que máximo!

— É, essa é a River Mouth, nossa baixista — Dainty disse, orgulhoso. — Esse é o Hard Fiber, nosso guitarrista.

— Oi, Hard Fiber, prazer — ela disse, voltando sua atenção ao baixo.

— Pra mim também, River — ele respondeu, trazendo seu equipamento. — Então, qual é o plano pra hoje?

— Bom, já que a gente tem uma baixista agora, eu acho que a gente tem que tocar as músicas que a gente já aprendeu. Então, se der tempo, a gente tenta alguma nova.

— Beleza, então a primeira é… Tempo Perdido, é isso? — Fiber disse, ligando a guitarra em seu amplificador.

— Isso aí — Dainty disse, sentando-se ao piano.

Fiber continuou preparando seu instrumento, enquanto os outros aqueciam e conversavam. Steel Strings notou que Fiber treinava algumas partes da música, e que ele ainda não havia aprendido-a por inteiro. Ele tentou não fazer uma careta, e focou em suas escalas.

— Tá, tô pronto — Fiber disse enfim.

— A gente não vai esperar o baterista? — River Mouth disse.

Os outros três olharam para ela, em um silêncio desajeitado.

— … ou vocês não têm baterista ainda, é isso?

— Por enquanto, não — Dainty disse. — Tem algum problema?

— Não, não, eu… eu só pensei — ela disse. — Quer dizer, eu tô pronta. Tempo Perdido, é isso?

— Isso. Beleza, Fiber, vamos lá.

Em segundos, os arpejos da canção preencheram a casa. River Mouth pegou a sua deixa perfeitamente, e Dainty e River tocaram o primeiro acorde, compensando a falta da bateria. Eles começaram a canção propriamente dita, e Dainty notou que River Mouth estava tocando corretamente. Ela tinha bom senso rítmico e dominava a linha do baixo. O único pônei que tropeçava às vezes era Hard Fiber, mas não era nada que prejudicasse muito.

Embora Dainty estivesse focado em tocar e cantar, ele tentava reparar no que ouvia. O som da banda ainda era um pouco irregular, mas ele achava que era apenas questão de treino. Fora isso, algo parecia errado, mas ele não conseguia precisar o que era. Eles tocaram a música até o fim, e River acertou todas as transições, incluindo até alguns floreios que Dainty lembrava-se de ter ouvido no disco. Ela realmente fizera o dever de casa.

— Isso foi legal — Hard Fiber disse. — Que diferença faz um baixo!

— É, faz mesmo — Steel Strings disse. — Alguém notou que a gente ficou mais lento na segunda parte?

— É, a gente ficou — River Mouth disse. — Eu tava tentando puxar o andamento, mas vocês não vieram junto, então eu segui vocês.

— Eu confesso que eu nem notei — Dainty disse, pensativo. — Talvez a culpa foi minha.

— Eu tava seguindo vocês dois — Fiber disse, apontando para Dainty e Steel.

— É, a gente tem que prestar atenção nisso — Steel disse. — Se a gente acelerar um pouco, não tem problema, mas ficar mais lento fica ruim. Quebra o clima.

— Será que a gente usa o metrônomo, então?

— Não, má ideia — Steel respondeu de pronto. — A gente não vai ter metrônomo na hora do show. A gente tem que internalizar o ritmo. Eu acho que a River Mouth já fez isso, então, na dúvida, vai atrás dela.

— Tá, eu vou tentar — Dainty disse. — Me desculpem. Querem ir de novo?

Os três pôneis concordaram, e eles tocaram a música de novo. Talvez por causa do problema anterior, o andamento estava mais acelerado desta vez, mas ambos Dainty e Fiber tomaram cuidado para não perder o pulso.

Ao terminar, Steel riu-se um pouco. — A gente foi meio rápido agora.

— Pra mim, ficou legal — Fiber disse.

— Eu acho que a gente devia tentar fazer que nem tá no disco — Dainty disse. — Tipo, a gente não precisa tocar igual, só… tentar se aproximar ao máximo.

— Eu concordo — River Mouth disse. — Mas a gente não sabe como eles tocavam ao vivo, né? Quer dizer, essa música não tem violão no disco, mas ela fica bem assim.

— Claro, a gente pode experimentar um pouco — Dainty disse. — Mas, se a música ficar muito rápido, ela não respira, e muito devagar, ela perde a energia. A gente tem que achar o ponto certo.

— Então, a gente toca de novo?

— Talvez a gente devesse ir pra outra música — Dainty disse, apoiando o queixo em um casco. — Só pra gente não enjoar. Então, vamos pra Quase Sem Querer.

— Eu não sei se eu lembro de tudo — Fiber disse —, mas, tá, vamos lá.

— Você quer relembrar alguma coisa? — Steel disse, certo cansaço na voz.

— É, sim, tem um… um negócio que ele faz depois do segundo refrão, né? Tipo uma melodiazinha?

— Sim. Você não lembra como é?

— Deixa ver se eu ainda sei.

Fiber tentou tocar, mas não acertou. Dainty e Steel mostraram para ele, sem seus respectivos instrumentos, como era a melodia, e ele pegou logo em seguida.

— Então, essa música tem um final instrumental, né? — River disse. — Quantas voltas vocês fazem nessa parte?

Dainty coçou a cabeça. — Na real, a gente nunca decidiu isso. Eu não lembro quantas vezes eles tocam no disco.

— Talvez a gente possa encurtar um pouco — ela respondeu. — Acho que não precisa ser tão longo quando a gente tocar ao vivo.

— Eu gosto daquele final longo — Dainty disse. — Eu acho que a gente pode ir tocando e decidir com o tempo.

— Mas como é que a gente sabe quando vai parar? — River disse.

— Bom, eu posso contar. Eu conto até quatro, pra vocês saberem quando ir pro final.

— Isso pode funcionar nos ensaios — Steel disse —, mas, ao vivo, a gente tem que ter isso combinado.

— Gente, a gente nem tem baterista ainda — Fiber disse. — De que adianta ficar pensando em como vai ficar ao vivo?

— Porque algum dia a gente vai tocar ao vivo, Hard Fiber — Steel disse, um pouco frustrado. — A gente tem que se preparar. A gente não vai ficar só ensaiando pra sempre.

— Tá, olha só, quem sabe a gente faz o seguinte: eu dou a deixa pra gente terminar, e aí a gente discute se a gente devia tocar por mais ou menos tempo, e vai calculando. A gente pode ir mudando com o tempo. O que vocês acham?

— Por mim, tá bem — Fiber disse.

— Pode ser — Steel disse.

— Tá, vamos fazer isso — River disse.

— Beleza, então — Dainty disse. — Essa é você que puxa, Steel.

Ele fez uma contagem, e puxou os primeiros acordes. Dainty e Fiber juntaram-se em seguida, e River Mouth entrou depois da introdução. A guitarra de Fiber ainda estava um pouco crua, mas não era ruim. Dainty percebia que River fazia pequenos improvisos no baixo que não estavam no disco, mas ele estava focado em cantar. No último refrão, Fiber tocou sua parte na guitarra corretamente, e eles foram para o final. Dainty tentou contar quantas repetições eles fizeram, e, assim que estava satisfeito, ele contou até quatro. Eles finalizaram a música, e Steel tocou o breve acorde final, e o silêncio se fez.

— Nada mal — Dainty disse. — A energia tá boa.

— Foi legal — Steel disse. — Só precisa ficar mais coeso.

— Eu errei um acorde? — River Mouth disse. — Eu ouvi algo estranho na segunda parte.

— Fui eu que errei um acorde — Dainty disse. — Desculpa.

— Tá, não esquenta.

Eles tocaram a música de novo, e tentaram Tempo Perdido uma terceira vez. Eles ainda tinham tempo, então Dainty sugeriu começar uma música nova.

— Eu tô a fim — Fiber disse. — Tem alguma ideia?

— Eu tô pensando em Será — Dainty disse. — Deixa eu pegar o disco.

Ele distribuiu suas cópias das cifras aos três, e preparou o disco.

— Eu acho que a música não é complicada, e ela é curtinha — ele disse. — Eu acho que a gente acerta ela rápido.

— Dainty — Fiber disse, o cenho franzido. — Eu acho que tem um erro aqui.

— Sério? — ele respondeu, colocando o disco no aparelho.

— É, diz aqui que o tom é dó maior, mas tem um si bemol aqui.

— Sim — Dainty disse. — E daí?

Fiber fez uma pausa. — Não tem si bemol no tom de dó maior, né? O acorde não tá errado?

— Não, eu conferi no piano.

— Mas, tipo, não vai ficar errado? O acorde tá fora do tom!

— Vamos escutar a música, e aí você ouve — Dainty disse.

— Aqui, também, tem um G/B — Steel disse. — O quê que é isso?

— Isso é um sol maior, só que com si no baixo — Dainty disse. — Vocês podem tocar um sol normal, e a River toca um si. Basicamente os guitarristas olham à esquerda da barra, e a River olha à direita. É só isso.

Ele sorriu com a sua própria perspicácia, enquanto os outros apenas consentiram.

— Tá, vamos ouvir o disco, então.

Eles escutaram a música, que era de fato curta. Dainty cantava baixinho, enquanto River acompanhava a música com o casco nas cordas do baixo, sem tocar.

— E aí? O que vocês acham? — Dainty disse.

— Parece complicadinha — Fiber disse. — Tem algumas coisas na guitarra que eu tenho que tirar.

— Bom, vamos fazer isso agora. Você consegue ajudar ele, Steel?

— A gente vai ter que tirar ela juntos — ele disse. — Você consegue tocar o solo na introdução?

— Eu acho que… Eu não lembro como é.

— Ah, aqui, ó — Dainty disse, tocando a melodia no piano.

Eles foram aos poucos desbravando a canção, mas ficaram sem tempo para tocá-la inteira. Ambos Fiber e River tinham que sair.

— Pena que vocês têm que ir embora — Dainty disse —, mas vamos tentar retomar daqui na próxima. Vocês conseguem voltar amanhã?

— Eu consigo, sim — River disse, guardando o amplificador.

— Eu também — Fiber disse.

— Eu tô livre — Steel disse.

— Pena que a gente ainda não tem baterista — River disse. — A gente podia fazer uma audição.

— Uma audição? — Steel disse. — Não acha meio ambicioso?

— Bom, a banda tá quase pronta — ela disse. — Só falta um baterista. Eu acho que o cartaz na prefeitura não tá ajudando. A gente tem que convocar os pôneis pra vir e tentar.

— Mas tem como fazer uma audição aqui? — Dainty disse. — Aí cada um vai ter que trazer sua própria bateria?

— Eu tenho uma amiga que trabalha no teatro — River disse. — Eu acho que ela consegue nos arranjar uma data. Se eu bem me lembro, tinha uma bateria lá. A gente podia pedir pra usar ela. Então, a gente espalha uns avisos por Ponyville, sabe, fazer algo grande mesmo. A banda tá ficando séria. A gente tá levando isso a sério, não tá?

— Eu tô mais sério do que nunca, e eu tô dentro! — Dainty disse.

— Acho que dá pra fazer — Steel disse —, desde que a gente consiga falar com a sua amiga.

— Eu vou falar com ela — River disse. — Eu aviso vocês.

— Bom, eu fico na espera — Dainty disse. — Se você quiser que eu vá junto, me fala.

— Tá, a gente se fala a respeito.

Ela e Hard Fiber terminaram de guardar seu equipamento, despediram-se e saíram. Steel ficou lá.

— Ela é boa, né? — Dainty disse.

— O estilo dela é um pouquinho excessivo — Steel disse —, e meio mecânico, mas ela marca bem o tempo. E ela é proativa.

— É sim. Ah, puxa, eu esqueci de perguntar se eles queriam os discos emprestados.

— A gente vai ter que ouvir amanhã, mesmo — Steel disse. — Quase certo que o Hard Fiber vai se esquecer de tudo, e ele não estuda em casa. River aprende rápido, então não adianta nada ela ficar estudando se o Fiber vai ter que aprender tudo amanhã.

— Você não tá se dando bem com ele, né? — Dainty disse. — Eu não quero que vocês briguem, eu preciso dos dois.

— Eu só queria que ele se dedicasse mais — Steel disse. — Mas a gente tem que usar o que tem, né…

*

Nos dias seguintes, a banda entrou em contato com os pôneis no teatro, e eles reservaram uma tarde para uma audição. Ela estava marcada para dali a dez dias, então Dainty e seus colegas tiveram tempo para promover o evento e gerar interesse. Eles criaram pôsteres na casa de Dainty e espalharam-nos por Ponyville, e conversaram com pôneis dos círculos musicais para fazer a notícia se espalhar. Eles precisavam gerar burburinho.

No meio tempo, eles prosseguiram ensaiando as canções. Eles sabiam que não podiam contar que seus potenciais bateristas conheceriam as canções de antemão, então eles deveriam dominá-las, para que os bateristas tentassem acompanhá-los.

Aos poucos, eles expandiram o repertório de canções. Numa das noites, após tocarem Há Tempos, Steel fez um comentário.

— É meio difícil de conseguir ouvir a tua voz, Dainty. Você devia comprar um microfone.

— Sério? — ele respondeu. — Você acha necessário mesmo?

— Dainty, a gente tá tocando sem bateria, e a sua voz já fica apagada — Steel disse. — Quando a gente tiver bateria junto, não vai dar pra ouvir nada.

— É, faz sentido — Dainty respondeu. — Mas e o seu violão? Ele também vai ficar apagado.

— Ele tem um captador — Steel respondeu de pronto, mostrando a entrada do cabo na base do violão. — Eu só não pluguei ele ainda porque não foi preciso, mas logo vai ser.

— É, então, eu acho melhor arranjar um microfone.

Dainty fez exatamente isso no dia seguinte, comprando um microfone e um suporte. Ele não pode comprar um dos melhores, mas ele imaginou que aquele já serviria para os ensaios.

Na noite seguinte, Dainty montou o microfone de forma que ele podia tocar o piano e cantar junto, mas ele achava bastante difícil.

— Eu acho que eu consigo ou cantar no microfone ou tocar o piano, mas não os dois juntos — ele reclamou.

— Você vai pegar o jeito, Dainty — Hard Fiber disse.

Steel Strings tinha outras ideias em mente, mas ainda não tinha confiança de dizê-las.

 

Finalmente chegara o dia da audição. Dainty e Steel foram os primeiros a chegar no teatro naquela tarde de sábado.Eles falaram com o gerente, e começaram a montar o equipamento.

— Só tomem muito cuidado com a bateria, tudo bem? — o gerente disse. — É um instrumento delicado.

— Pode deixar com a gente — Dainty respondeu sorrindo, e olhou para Steel Strings com uma expressão preocupada. Steel deu de ombros.

River Mouth chegou logo em seguida, e ajudou a trazer a bateria para o palco. A sua mágica facilitou muito o trabalho dos dois pôneis da terra. Hard Fiber, como de costume, chegou mais tarde, e começou a montar seu equipamento.

— A gente ainda tem uns minutos até começar a audição — Dainty disse. — Vamos tocar algo pra aquecer?

— Quem sabe a gente toca Há Tempos? — Steel disse.

— É, vamos sim — River respondeu.

Então, Dainty fez uma contagem, e eles começaram a canção. No momento em que o som preencheu o teatro, Dainty sentiu um calafrio: o som era gigante, pleno, potente. Ao ouvir a própria voz reverberando naquelas paredes, ele ficou chocado com sua potência.

Eles tocaram mais duas canções, e, ao terminarem, o gerente foi até o palco.

— Vocês estão prontos? Eu posso chamar o primeiro candidato.

— Sim, por favor — Dainty disse;

O gerente saiu pela porta principal, e, momentos depois, um jovem pégaso com uma pelagem amarronzada percorreu com pressa o corredor central. Sua crina castanha-clara saltitava enquanto ele encarava o palco.

— Então, você é o primeiro? — Dainty disse, tentando ser receptivo.

— Ãh, sim, eu sou — o pégaso respondeu, com uma voz rangente.

— Certo, pode subir aqui e tomar seu lugar.

O pégaso ergueu-se com suas asas e subiu até o palco, e então seguiu até a bateria. Ele trouxera as própria baquetas, como fora solicitado, e tentou ficar confortável com seu instrumento.

— Então, qual o seu nome? — Dainty disse.

Ele ainda estava um pouco enrolado com a bateria. — Ah, peraí… Eu sou o Honey Drop — ele disse. — Prazer.

— O prazer é nosso, Honey Drop. Eu sou Dainty Tunes, e esses são Steel Strings, Hard Fiber e River Mouth.

Honey Drop testou os tom-tons e a caixa. — Então, vocês têm um nome? Tipo, a banda, em si?

Os quatro pôneis trocaram olhares. — Ainda não — Steel Strings disse. — A gente escolhe um quando a banda estiver completa.

— Legal, então, como é que vai funcionar aqui?

— Bom, Honey Drop, você toca rock? — Dainty disse.

— É, tipo, acho que sim — ele respondeu.

Steel e River trocaram olhares.

— E você já ouviu alguma música da Tropa da Cidade?

— Ãh, não — Honey Drop respondeu. — Eu nem sei quem são eles.

— Tudo bem, então, o que a gente pode fazer é, a gente vai tocar uma música, e você tenta acompanhar — Dainty disse. — O ritmo não é complicado, é tudo quatro por quatro, bumbo, caixa, bumbo, caixa. Sem firula, a gente só quer ouvir como tu consegue acompanhar a gente. Pode ser?

— Tá, eu acho que pode ser — Honey respondeu.

Dainty olhou para os outros. — Então, vamos tentar Há Tempos? Eu acho ela fácil.

— Tá, vamos lá — Hard Fiber disse.

Dainty fez a contagem, e eles começaram a música. Honey Drop escutou por alguns compassos, balançando a cabeça com o ritmo, plenamente concentrado. Pouco antes de Dainty começar a cantar, ele entrou, tocando um padrão simples no bumbo e na caixa, tocando o chimbal em colcheias.

Steel trocou olhares com os colegas: eles todos pareciam nervosos.

O ritmo de Honey Drop era uma bagunça. Ele conseguia mais ou menos seguir o pulso, mas as notas nunca caiam no momento certo. Ele hesitava, e, apenas olhando seus movimentos, era óbvio que ele não tinha confiança com a bateria: suas juntas não estavam firmes, ele não tinha precisão, e ele tentava fazer rolos e acabava perdendo o fio da meada. Em suma, era um desastre.

A banda prosseguiu até o fim da música, e Honey tocou algumas notas em excesso, por não estar preparado para terminar.. O silêncio inundou o teatro.

— É, então, Honey Drop — Dainty disse, tremendo de nervoso —, faz quanto tempo que você começou a tocar?

— É, um mês — o pégaso disse.

Os rostos encheram-se de compreensão.

— Certo — Dainty respondeu, acenando com a cabeça. — Então, você tem potencial. Continua praticando. Presta atenção no andamento. Você toca com metrônomo?

Honey Drop franziu a testa. — Quê que é isso?

— Bom, pergunta numa loja de música que eles vão te mostrar. No mais, muito obrigado por vir até aqui, e, se a gente se interessar, a gente entra em contato com você, tá bom? Não esquece de anotar seu nome e endereço no caderno na entrada.

— Tá bom, tá bom — Honey Drop disse, pairando até o corredor.

— Ah, e você pode chamar o próximo quando sair?

— Tá, chamo.

— Muito obrigado!

Dainty olhou para os outros três e deu de ombros. — Acho que vai melhorar.

— Eu vou dizer, eu tô espantado com a coragem dele — Steel Strings disse. — Com um mês de treino, eu jamais iria pra uma audição.

— É, oi? — Honey Drop chamou da entrada principal. — É que… não tem mais ninguém aqui.

Dainty ficou com o queixo caído, os olhos vidrados no jovem pégaso. Hard Fiber e River Mouth trocaram olhares. Steel Strings respirou fundo.

 

A banda ainda tinha bastante tempo reservado no teatro, então eles pensaram em aproveitar como podiam. Honey Drop estava sentado na bateria, tocando o chimbal, enquanto Dainty contava de um a quatro e balançava um casco em um ritmo lento e firme. Os seus colegas de banda estavam sentados, assistindo, e trocando breves palavras.

— Um, dois, três, quatro! Um, dois, três, quatro! Um, dois—presta atenção no pulso, Honey — Dainty disse, tentando ser didático. — Sente ele no corpo. Um dois, três, fica me olhando. Um, dois, três, quatro.

Steel sentia que Honey Drop não estava progredindo, mas ele não queria dizer isso. Ele apenas trocava olhares confidentes com Hard Fiber e River Mouth, enquanto aquela contagem incessante e aquele chimbal errático persistiam.

— Um, dois, não fica olhando pros teus cascos, Honey! Olha pra mim, aqui! Quatro! Um, dois, três…

 — Ah, por Celéstia, que coisa chata! — Honey resmungou e parou de tocar, balançando a cabeça. — Eu não aguento mais!

— Mas, Honey Drop, esse exercício é fundamental! — Dainty disse. — Essa é a coisa mais básica que você pode fazer, e, se nem isso você conseguir, você não vai conseguir mais nada.

— Mas não é assim que se toca de verdade! — Honey disse. — Os bateristas não ficam tocando o chimbal assim! Eles tocam música.

Dainty Tunes deu de ombros. — Me desculpa, Honey Drop, mas você tem que ir aos pouquinhos. Cada instrumento tem seus rudimentos. É assim que é.

— Só espera um pouquinho, Dainty — Steel Strings disse, levantando-se. — Olha, se o Honey acha isso chato, e quer tocar uma música, quem sabe a gente não… a gente não inventa alguma coisa? Vamos improvisar, e ele toca junto.

Dainty olhou para ele, e de volta para Honey Drop, que parecia um pouco mais entusiasmado, e deu de ombros. — Bom, tá legal. Vamos ver o que é que sai, então.

— Certo, River Mouth, experimenta tocar uma linha bem simples, tipo, em semínimas? Só um walking bass simples.

— Tá, pode ser — ela respondeu, e pôs-se em posição. Então, ela começou a tocar uma linha bem simples, um arpejo em lá maior, com a mesma batida que o Dainty marcava antes.

— Certo, Honey Drop, vai acompanhando no chimbal, junto com ela — Steel Strings disse.

— Puxa, o chimbal de novo? — Honey Drop choramingou.

— É só por um tempo — Steel disse. — A gente já vai deixar mais interessante. Faz aí.

Honey balançou a cabeça e começou a tocar o chimbal de novo. O ritmo dele ainda era errático, e o desânimo dele apenas piorava as coisas. Steel Strings então preparou o violão, e começou a tocar um padrão de acordes junto com o baixo. Dainty Tunes e Hard Fiber assistiam, enquanto o baixo e o violão entravam em sincronia, e Honey se esforçava para acompanhar.

Então, Steel começou a chamar nomes de acordes, e River Mouth fazia as mudanças junto com ele. Era uma progressão simples de lá - ré - mi - lá, tão banal quanto possível, mas já era mais divertido do que a contagem de Dainty.

— Vai indo, Honey Drop, vai indo — Steel disse. — Sente a música. Agora, lembra do jeito que o Dainty contava, um, dois, três, quatro. Eu quero que você toque o chimbal mais alto no dois e no quatro, tá bom? Um pouco mais forte, só, não é pra tentar quebrar ele. Tenta.

— Tá bom — Honey disse, e tentou seguir a instrução. A mudança na intensidade dava um pouco mais de suíngue ao padrão rítmico.

— É isso aí, parceiro — Steel Strings disse. — Agora, presta atenção. Em cima disso aí, eu quero que você toque a caixa no dois e no quatro, tá bom? Continua com o chimbal, mas toca a caixa junto com ele. Consegue?

— Eu acho que sim! — Honey respondeu.

Logo, ele estava tocando a caixa. Dainty prestava atenção, e teve a sensação de que o ritmo dele estava um pouco mais firme agora. Ele ainda oscilava um pouco, mas quase dava pra dizer que eles estavam em sincronia. Então, Dainty correu até o piano, e começou a tocar junto, improvisando algumas linhas com o casco direito.

— Aí, boa! — Steel disse. — Vai firme, amigão!

— Eu tô conseguindo! — Honey Drop disse.

Em seguida, Hard Fiber começou a tocar algumas frases na guitarra, e os quatro estavam improvisando em cima daqueles quatro acordes.

— Como é que tá aí, Honey Drop? — Steel disse.

— Tá legal! — ele respondeu.

— Beleza. Agora, se eu pedir pra você tocar o bumbo no um e no três, você consegue?

— Eu acho que sim!

— Então tenta aí!

Honey Drop começou a tocar o bumbo, o que atrapalhou-o um pouco, mas ele persistiu. Ele estava agarrado ao ritmo como se o segurasse entre os dentes. Demorou um momento até ele acostumar-se com o movimento do pedal, mas ele começou a firmar-se, e aquilo agora parecia uma música de verdade.

— Aí, garoto! — Steel Strings gritou. — Estamos aí!

— Haha, legal! — Honey respondeu.

Dainty Tunes começou a improvisar algumas vocalizações no microfone, em voz baixa no início, mas com cada vez mais confiança. Ele notou que River Mouth balançava o corpo com o ritmo, sentindo-o intensamente, e Hard Fiber tocava frases com os olhos fechados, balançando de um lado para o outro. Dainty sorriu, e pensou em divertir-se também:

Estamos aqui tocando
A minha banda e eu
Estamos só improvisando
A minha banda e eu

Ele inventava a melodia de cabeça. Não precisava ser nenhum hit, apenas parecer uma cançao de verdade.

— Você tá indo bem, Honey Drop — Steel Strings disse.

— Viu só? Eu sei tocar! — ele respondeu.

— Sabe sim. Agora, no três, você consegue tocar o bumbo duas vezes? Assim: tum, pá! Tum tum, pá! Tum, pá! Tum tum, pá!

— Deixa eu tentar!

Honey Drop começou a dobrar o segundo bumbo, o que ficou meio esquisito no início, masele começou a firmar-se com o tempo. Dainty ainda inventava uma letra:

Estamos aqui no teatro
Improvisando legal!
A gente não tem nome ainda,
Por enquanto é a nossa banda!

Steel Strings sorria. Honey Drop ainda parecia concentrado e determinado, mas ele começava a balançar a cabeça com o ritmo.

A gente quer tocar umas canções
Da Tropa da Cidade
Então, no fim, nós somos
A Manada de Ponyville!

Hard Fiber respondeu com uma frase entusiasmada na guitarra, e River Mouth deu um grito.

Eu não sei se esse nome é bom
Mas é o que deu pra fazer
Então olha só, escuta só
É a Manada de Ponyville!

Dainty começou a repetir os dois últimos versos como um tipo de refrão, e percebia que a música ficava mais viva e mais enérgica. Hard Fiber começou a cantar junto, e logo River Mouth entrou junto. Steel Strings decidiu que não queria ficar de fora, e começou a cantar junto, e eles continuaram cantando e tocando, enquanto Honey Drop seguia firme no ritmo.

Então, após mais uma repetição, Honey Drop tocou um rolo forte na caixa, e acertou o prato com tudo, o que perturbou um pouco seu ritmo, mas ele voltou em seguida. A música ficava mais alta, e Honey Drop abriu um chimbal, deixando aquele toque seco virar um ruído constante. Eles cantaram várias repetições, entrando cada vez mais no clima.

— Mais duas vezes! — Dainty chamou.

Olha só, escuta só
É a Manada de Ponyville!
Olha só, escuta só

Ao cantar esse último verso, Dainty ergueu um casco e gritou — segura! — A banda toda parou de tocar, e apenas cantou o último verso:

É a Manada de Ponyville!

E então, Dainty baixou o casco, e eles caíram com força no acorde final. Honey Drop fez um rolo nos pratos e Hard Fiber tocou um longo e elaborado solo, enquanto os outros esticavam o acorde por um tempo, até Dainty dar o sinal para eles tocarem um seco e derradeiro acorde.

E então, eles riram.

— Cara, o que foi isso? — Hard Fiber disse, sacudindo a cabeça, empolgado. — Que demais!

— Ô, Dainty, a gente é uma banda de jam agora! — River Mouth disse, sorrindo.

— Então, Honey Drop, isso foi menos chato pra você — Steel disse, olhando para ele com o canto dos olhos.

— Chato? — Honey retrucou. — Isso foi massa demais! Tipo, a gente tava tocando uma música de verdade! E eu segurei o ritmo! Eu segurei mesmo!

— É, você segurou sim — Steel disse. — Quer dizer, você ainda tem que treinar mais, mas você tá no caminho certo. A gente tem que começar simples e ir incrementando.

— Eu acho que sim. Mas é muito mais legal quando vocês tocam comigo.

— Eu imagino — ele respondeu, olhando para o piano. Não havia ninguém ali. Steel olhou em volta. — Cadê o Dainty? Pra onde é que ele foi?

— Acho que ele foi pros bastidores — River Mouth disse, apontando para a direita do palco.

Steel Strings franziu a testa, largou o violão e foi até lá.

Ele encontrou Dainty sozinho, de costas para a parede, soluçando, lágrimas nos olhos.

— Dainty? O que foi? — Steel disse, suave.

Ele ergueu o rosto para Steel. — Eu tenho uma banda, cara — ele disse. — Eu tenho uma banda.



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