terça-feira, 15 de junho de 2021

A Manada de Ponyville. Faixa 1: Quase Sem Querer

Esta história é um fanfiction da série My Little Pony: Friendship Is Magic, de propriedade da Hasbro. Trata-se de uma história em vários capítulos, a serem publicados gradualmente. É recomendada a leitura prévia dos contos Pinkie e o Sem Cérebro e Terapia do Bolinho, publicados anteriormente.

 

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Dainty Tunes estava trabalhando com construção civil já há um bom tempo.

O serviço não tinha muito a ver com ele: seu corpo era fino, ele não era muito forte, e o trabalho era mais perigoso do que ele gostaria que fosse. Porém, ele até que se virava bem. Seu estilo metódico e atencioso compensava pela falta de força física, e qualquer tarefa que exigisse um trabalho minucioso e repetitivo geralmente era deixado para ele. Era um trabalho duro, e distante de suas ambições, mas, no momento, haveria de ser assim.

Pelo menos ele se dava bem com seus colegas. De fato, nesta noite, ele iria sair com dois de seus colegas, Jack Hammer e Iron Bolt. Ele conseguira encontrar alguma afinidade com os dois, e, embora ele falasse pouco, ele era um ouvinte atento, e sempre era possível contar com ele para ouvir as histórias, fossem alegres ou trágicas, que os dois tinham para contar. Ele notara, porém, que nenhum dos dois tinha grande interesse por música. Eles gostavam, mas não o bastante para quererem discutir as tradições musicais de Equéstria, os diferentes gêneros, e o contraste entre o estilo erudito e galante da tradição de Canterlot com a música folclórica de povoados como a própria Ponyville. No fundo, ele desejava conseguir aplicar todo o estudo e leitura que ele fazia em seu tempo livre; quando ele não estava compondo ou treinando seus instrumentos, ele lia partituras ou tratados de harmonia e orquestração. Era interessante, mas, até o momento, nada mais que um hobby.

Por enquanto, ele estava feliz em ir com seus amigos a um bar, localizado na periferia de Ponyville, para beber e conversar. Ele já estivera duas vezes no Bamboo Pub; na primeira vez, havia um trio de músicos tocando em um pequeno palco, o qual incluía um piano de armário. A música era agradável e competente, e ele às vezes prestava mais atenção nela do que na conversa de seus amigos. Na segunda noite, não havia ninguém tocando.

Assim que eles entraram, ele notou que o palco estava vazio de novo. O bar em si estava metade cheio, com pôneis conversando alto ao redor das mesas simples e estritamente funcionais, todas abastecidas com bebidas e alguns petiscos. Um garçom andava entre as mesas, levando bebidas. O dono do bar, um pônei corpulento, já de certa idade, trabalhava atrás do balcão com sua esposa, uma senhora de rosto amigável e uma crina um pouco grisalha. O trio cumprimentou os dois com um aceno, e logo foram recebidos pelo garçom.

— O lugar de sempre? — o garçom disse.

— Com certeza, mestre! — Iron Bolt disse. — Tomara que esteja liberado.

— Tá, tá sim! — o garçom respondeu, levando-os até uma mesa no fundo do bar, perto do palco.

— Maravilha — Jack Hammer disse — e pode trazer uma gelada, já.

— Tá saindo, chefe! — o garçom respondeu, já rumo ao balcão.

Os três pôneis tomaram seus assentos, continuando a conversa que eles vinham levando no caminho. Dainty ouvia com atenção enquanto os dois debatiam o futuro dos times locais, com opiniões sólidas e interesse firme. Embora Dainty não fosse conhecedor de esportes, ele tentava acompanhar o que era dito e aprender alguma coisa. Ele admirava o conhecimento que seus colegas tinham, e como eles eram capazes de elaborar suas opiniões e ideias. Talvez esse interesse não fosse muito diferente da paixão que Dainty tinha pela música, no fim de contas.

A bebida chegou junto com três copos. Dainty encheu os copos, eles brindaram e beberam, e o bate-papo prosseguiu. A conversa às vezes tocava nos assuntos do dia a dia do trabalho, e, nessas horas, Dainty conseguia contribuir um pouco mais.

Algum tempo depois, ele ouviu algum movimento vindo do palco, atrás dele. Alguém estava indo até o piano.

— Ah, não! — Jack Hammer disse. — Hoje é palco aberto.

— Ih, eu tinha esquecido — Iron Bolt respondeu.

— Por quê? Isso é ruim? — Dainty Tunes disse.

— Bom, na maioria das vezes, até vai — Jack Hammer disse. — Mas às vezes fica meio complicado.

O pônei que se sentou ao piano tinha um visual meio desleixado, uma crina despenteada e uma cara de quem não se importa nem um pouco com isso. Ele tocou algo alegre e rápido, e sem vocal. Os amigos de Dainty retomaram a conversa, mas ele não podia deixar de notar a melodia, às vezes. Ele ficava pensando, ele bem que poderia ir até o piano e tocar algo, mas ele não conseguia pensar em um repertório. As canções que ele conhecia não pareciam propícias para o local, principalmente as suas composições próprias. Ele pensava: ele ainda trazia na memória algumas canções do universo paralelo onde ele fora criado, mas poderia ficar muito suspeito tocar tal música para aquele público. Ninguém ali conheceria as canções, e ele não tinha a coragem de dizer que as escrevera! Aquilo não era um filme bobo do Danny Boyle.

O músico que estava no palco tocou uma série de composições. A garrafa de bebida na mesa dos três colegas terminou antes da música.

— Ô, Dainty, faz o teu esquema aí — Iron Bolt disse, entregando-lhe a garrafa vazia.

— Faço sim — ele respondeu, molhando os lábios e apanhando a garrafa.

Ele levou o gargalo até os lábios, e, com uma embocadura específica, soprou. Um assobio oco espalhou-se pelo bar.

— Já vai! — a senhora atrás do balcão disse, com seu tom amistoso.

O trio deu risada. — Não falha nunca!

Em questão de alguns segundos, o garçom trouxe outra garrafa. Iron Bolt serviu os copos.

Algumas outras atrações musicais alternaram-se no palco. Depois do pianista, um pônei acompanhou uma cantora ao violão. Eles eram bons, um pouco previsíveis, porém habilidosos. Alguns minutos depois deles, outro pônei, mais bem vestido e com uma crina cuidadosamente penteada, cantou algumas canções ao piano. Pareciam tratar-se de canções folclóricas, pois ele ouvia alguns outros pôneis cantando junto nas mesas.

Dainty notava que o nível de embriaguez aumentava aos poucos pelo bar. Ainda estava calmo e tranquilo, mas a conversa alta e as risadas tornavam a conversa com os amigos um pouco mais difícil.

Então, ele notou um pônei avançando rumo ao palco, um violão nas costas. Ele puxou uma cadeira, sentou-se e preparou o violão.

— Agora eu vou tocar alguns clássicos da Tropa da Cidade.

Ouviu-se súbitas vaias e protestos das outras mesas. Dainty franziu o cenho, olhando em volta para ver quem estava reclamando.

— Tenham mais respeito, tá bom? — o músico retrucou. — Vocês precisam conhecer um pouco de música boa.

Então, ele tocou alguns acordes arpejados, enquanto as reclamações continuavam. Dainty não pode deixar de ouvir os acordes com atenção: Cmaj7, Am7, Bm7, Em… Estranho, ele pensou. Que estilo diferente de tocar. A música prosseguiu para uma batida rápida sobre os mesmos acordes, e o pônei começou a cantar em barítono:

Todos os dias, quando acordo,
Não tenho mais o tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo

Alguns guardanapos amassados voaram na direção do palco, mas o pônei continuava tocando e cantando, ignorando as vaias. Iron Bolt e Jack Hammer sacudiam a cabeça.

— Não dá pra acreditar que ele tá fazendo isso! — Iron Bolt disse.

— Qual é o problema? — Dainty disse. — Por que tá todo mundo irritado?

— Ninguém aqui gosta da Tropa da Cidade, cara — Jack Hammer disse. — Essa banda já era.

— Eles faziam sucesso há um tempo atrás, e ninguém aqui quer saber deles agora — Iron Bolt respondeu.

Dainty pensou por um momento. Embora ele não fizesse ideia de que banda era essa, se ele demonstrasse ignorância demais, os outros talvez estranhassem. — Que coisa, não sabia que eles eram tão mal vistos.

— O pessoal daqui é assim, cara — Iron Bolt disse.

Dainty se esforçava para escutar a música no meio do caos; aquele som era intrigante e intenso. Aquela letra! Ele nunca ouvira nada como aquilo. O jeito que a melodia se estendia, quase sem repetições, era cativante de um jeito estranho.

Mesmo assim, o público acabou vencendo o pobre músico, e o dono do bar foi até o palco e pediu encarecidamente que ele parasse de tocar e voltasse para seu lugar. Muitos pôneis celebraram quando ele parou, e alguns continuaram xingando-o enquanto ele se arrastava de volta à sua mesa.

Dainty teve pena dele, mas tentou não deixar transparecer; ele teve receio que alguém se tornasse hostil com ele, e ele não queria nada disso.

A noite avançou, e, em um momento, Dainty teve vontade de ir um pouco para a rua, pois o ruído estava incomodando-o um pouco. Um trio de pôneis estava tocando agora, e eles não eram tão competentes quanto o trio que ele ouvira na primeira noite, mas o público estava gostando. Talvez as bebidas ajudassem a tornar a música mais agradável.

O ar estava fresco lá fora, e a lua brilhava forte no céu. Ele olhou para cima, com um sorriso de canto. — À sua saúde, Princesa Luna! — ele disse, e olhou em volta.

Ele escutou, vindo de algum lugar, notas longínquas de violão, formando uma melodia incomum e interessante. Franzindo a testa, ele deu a volta até a lateral do bar, e encontrou o músico de antes, sentado no chão, com as costas apoiadas na parede, tocando sozinho. Ele tinha um olhar concentrado e cabisbaixo, olhando seus próprios cascos tocando a melodia. Ele tinha uma crina longa e farta em tons de vermelho, desde o bem escuro até o quase laranja, e sua pelagem era cor de amarelo queimado. Sua marca especial era a cabeça de um violão, com tarrachas e tudo.

Dainty assistiu em silêncio, tentando não incomodá-lo, percebendo que aquela melodia encaixava bem com a escuridão tranquila dos arredores. O músico repetiu as frases de violão algumas vezes, até terminar com um rallentando, deixando algumas notas solitárias dispersarem-se na noite.

— Isso foi bom — Dainty disse.

O músico virou a cabeça para vê-lo, sem mudar a expressão. — Você não veio aqui pra me vaiar?

— Não, claro que não — Dainty respondeu, dando alguns passos titubeantes na direção dele. — Aquilo foi… bem chato, o que eles fizeram com você. E foi uma pena, porque a música era boa.

O músico deu de ombros. — Eles não entendem. Eles são modernos, avançados demais pra admirar os clássicos. Por mais que a gente tente mostrar o valor dessas músicas, eles não querem saber.

— Então, pra que insistir? — Dainty disse, já diante do músico.

— Porque talvez tenha lá apenas um pônei que vai querer escutar e descobrir mais, e só por isso já vale a pena.

Dainty olhou para o lado. — … então eu fiz valer a pena? Bom, legal.

— É… Eu gostaria que tivesse mais que nem você, mas talvez eu não devesse pedir demais.

Ele começou a tocar alguns acordes suaves, aparentemente improvisados, e Dainty coçou a nuca, tentando perceber se ele já estava sobrando ali. — Então, essa banda — ele disse —, eles são antigos? A quanto tempo eles já existem?

O músico ergueu a cabeça. — Bom, eles começaram há uns quarenta anos — ele disse, fazendo uma pausa contemplativa —, e terminaram uns vinte e cinco anos atrás.

— Ah, eles já terminaram — Dainty disse, sentando-se no chão. — Que pena.

— Uma lástima, mesmo — o músico respondeu. — Foi uma tragédia quando o Deep Voice se foi.

Dainty ficou chocado. Ele nunca havia se deparado com a menção da morte neste mundo, e o pônei diante dele parecia bastante afetado por isso. — Deep Voice?

— O lendário cantor e letrista da Tropa da Cidade, e um ídolo de muitos — ele disse. — Você não sabe muito deles, né?

— É, eu não sei, não — Dainty respondeu, imaginando que isso devia constrangê-lo. — Eu… eu não conheço muito sobre esse estilo de música. Mas eu gostei bastante.

— Você devia procurar por mais coisas deles, então. Você vai gostar. — Ele tocou seu violão um pouco mais, e olhou para Dainty. — Meu nome é Steel Strings, por sinal.

— Eu sou Dainty Tunes. Prazer em conhecer. — Ele olhou em volta, tentando ver se Steel Strings ainda estava a fim de conversa. — Então… que tal tocar aquela música de antes, agora que ninguém tá aqui pra reclamar?

Steel Strings deu de ombros. — Pode ser, se você quiser…

Após alguns segundos, ele tocou os arpejos de antes, e logo começou a cantar. O som era mais suave dessa vez, provavelmente porque ele não precisava competir com o público. Curiosamente, isso deixou a música ainda mais intensa, como se o rapaz estivesse confessando algo muito pessoal. A letra era misteriosa e oblíqua, mas Dainty não podia deixar de pensar que ela tinha um significado profundo. Ele não conhecia nenhuma outra canção como aquela.

A canção terminou com um tom quase sombrio e desolador, que Steel Strings tocou com uma casualidade que tornava-a ainda mais pesada para Dainty. Era como se a tristeza e a angústia naquela canção não pudessem ser consertadas; era um mero fato inevitável da vida.

— Uau — ele disse. — Essa canção é linda mesmo.

— Uma das melhores já feitas — Steel Strings respondeu, com um suspiro. — Pena que tantos pôneis não dão a mínima.

— Bom, sabe — Dainty disse, sem segurança —, eu acho que pôneis diferentes têm gostos diferentes. Não dá pra esperar que todos eles gostem das mesmas coisas.

— Eu sei, mas será que eles precisam ser tão grosseiros com o que eles não gostam? É tipo, “ah, é chique detestar essa banda, olha como eu sou chique também”. Eu acho isso uma bobagem.

Dainty Tunes deu de ombros. — Talvez seja… mas não tem muito o que fazer, eu acho.

Steel Strings balançou a cabeça. — Dizem que a música une a gente, mas às vezes ela parece que só divide todo mundo.

— Mas a gente faz música mesmo assim, né? O importante é fazer o que a gente gosta.

— Você é músico?

— É, eu… eu sou, sim — Dainty disse, com uma timidez repentina. — Eu também faço música.

— Então você deve saber a frustração que é quando os pôneis não querem te ouvir — Steel Strings respondeu.

— Bom, eu… eu ainda não toquei as minhas coisas em público — Dainty disse. — Eu acho que as coisas vão acontecer quando a hora certa chegar. Eu vou encontrar meu público.

— Mas você tem que começar a botar o seu nome na praça, Dainty Tunes. Ninguém vai bater na sua porta pra te escutar. Você tem que sair e tocar.

— É, eu acho que sim — Dainty disse, esfregando a nuca. — Um dia, quem sabe… — Ele então levantou-se, um pouco envergonhado. — Bom, os meus amigos já devem estar pensando que eu me esqueci deles! Eu… vou voltar pra minha mesa, mas eu… foi legal conversar com você.

— Pra mim também foi, cara — Steel Strings respondeu, voltando a atenção ao seu violão.

Hesitando um pouco, Dainty voltou até a porta da frente e entrou no bar, sentindo o súbito contraste daquele ambiente quente, bagunçado e barulhento. O trio de antes ainda estava tocando, e, a esta altura, nenhum pônei parecia dar atenção à música—era apenas barulho de fundo. Dainty voltou até a mesa.

— Aí, rapaz, se perdeu na floresta? — Iron Bolt disse.

Dainty deu uma risada tímida. — Bom, sabe, a lua tava tão bonita lá fora, eu meio que perdi a noção do tempo.

— Bom, já que você tá aqui — Jack Hammer disse, entregando-lhe a garrafa vazia.

Dainty sabia o que fazer: ele preparou a embocadura novamente e soprou no gargalo, com um pouco mais de força, para vencer o ruído. O assobio foi mais agudo e pungente dessa vez.

A voz da senhora ouviu-se ao longe: — Já vai!

O trio riu-se.

*

Durante o fim de semana, Dainty Tunes volta e meia lembrava-se da canção. Ele não tinha a melodia e a letra inteiras na memória, mas ele se lembrava da harmonia. Ele repetia os acordes no piano e improvisava por cima, tentando lembrar-se de fragmentos da canção.

Ele queria conhecer mais. Ele precisava conhecer mais. Se eles tinham sido uma banda tão conhecida assim, eles deviam ter lançado muitas outras músicas. Ele precisava ouvi-las.

Ponyville tinha apenas uma loja de discos, e ela seria sua única esperança. Durante o intervalo do almoço na segunda-feira, ele correu até a loja. Era um lugarzinho aconchegante, decorado com pôsteres de músicos e bandas famosas, e uma série de caixas cheias de discos, prontas para serem examinadas. Ele não tinha tempo de olhar em todas elas, então ele foi até o balcão, onde um jovem pônei estava. Ele tinha a pelagem azul clara, e sua crina castanha era bem penteada, mas não em excesso, apenas o suficiente para impressionar.

— É, boa tarde — Dainty disse.

— Olá, rapaz! — o vendedor disse. — Precisa de ajuda?

— Sim, eu preciso, sim. Eu queria saber se vocês têm discos da Tropa da Cidade.

O vendedor franziu o cenho e olhou para o teto, a boca entreaberta. Ele inclinou a cabeça, em pensamento profundo. — Eles não são, tipo, uma banda bem antiga?

Dainty Tunes olhou para o lado, um pouco embaraçado. — Eu acho que sim. Mas eu pensei que talvez vocês ainda tivessem alguns discos deles por aqui.

— Se tiver, eles devem estar na seção de usados — o vendedor disse, apontando para o canto oposto da loja.

Dainty acenou com a cabeça. — Bom, tomara que sim. Eu vou dar uma olhada — ele disse, virando-se.

— Fique à vontade!

A caixa de discos usados estava isolada das outras, e continha uma pilha de algumas dezenas de discos. A capa do primeiro disco da pilha estava bem danificada, com as bordas gastas, e parecia ser uma coleção de easy listening. Sem muita esperança, Dainty começou a passar pelos discos, perdendo aos poucos a pouca esperança que tinha. Ele chegou até o último item, que era uma coleção de gravações de campo de músicas tradicionais do Norte Gelado.

Dainty suspirou, mas decidiu ficar com aquele disco, apenas para não sair de cascos vazios—e, afinal, talvez aquelas gravações fossem interessantes. Ele foi até o balcão pagar pela compra, e guardou o disco em seu alforje antes de sair.

— Obrigado pela compra! — o vendedor disse. — Tenha uma boa tarde!

— Igualmente, amigo — Dainty respondeu.

Pelo menos o vendedor não fez graça com aquela estranha escolha, então ele apenas saiu com a decepção de sair sem o que ele buscava.

Enquanto ele prosseguia em seu turno, ele imaginava se havia chance de encontrar partituras das canções. Se elas existissem, elas deviam estar na livraria.

Dainty foi até lá depois do trabalho. A loja estava prestes a fechar, e os últimos pôneis terminavam suas compras. Dainty foi até uma vendedora, uma égua de pelagem castanha clara, e uma crina loira com um estilo formal.

— Boa tarde — Dainty disse, um pouco intimidado. — Eu queria saber se vocês têm partituras musicais à venda.

— Sim, temos — a vendedora respondeu formalmente. — Você procura algo específico?

— Na verdade, sim — Dainty respondeu de pronto. — Eu procuro partituras de canções de uma banda chamada Tropa da Cidade.

A expressão da vendedora mostrou surpresa. — Oh, desculpe, mas nós não trabalhamos com esse tipo de música. Somos especializados em música tradicional e de concerto.

Dainty tentou não mostrar-se decepcionado. — Ah, bom, entendi. É bom saber disso, pelo menos; quando eu precisar disso, eu sei onde ir. Então… obrigado por enquanto, certo?

— Sem problemas, senhor — ela respondeu.

 

Ao voltar para casa, ele pôs o disco para tocar e sentou-se na cama. Ele não podia crer que não havia nada dessa banda. Ele queria ouvir aquela música de novo, e quaisquer outras que eles tivessem gravado—ou pelo menos conhecer um pouco sobre a banda, sua história, quem foram os seus membros. Enquanto ele ouvia as gravações precárias de música feita com flautas rudimentares e percussão simples, ele imaginava se a livraria teria algum livro sobre isso; mas seria difícil de localizar. A não ser que eles tivessem um livro especificamente sobre a banda, ele não sabia o que procurar.

No intervalo do almoço do dia seguinte, ele voltou à livraria, indo até a seção de música. Não era uma seção grande, mas tinha itens suficientes para mantê-lo ocupado por um tempo. A maioria era sobre teoria musical, métodos para instrumentos, tratados de práticas musicais, mas, enfim, ele chegou até a parte de história.

Não havia nada sobre a banda. Havia livros sobre compositores específicos, mas nada sobre Deep Voice. Alguns livros pareciam tratar da história de alguns movimentos musicais, mas ele não sabia onde a Tropa da Cidade encaixava-se.

Ele ponderou por um momento: ele poderia consultar os índices remissivos dos livros.

Dainty Tunes começou a apanhar os livros com títulos promissores e ia direto até as últimas páginas, procurando por Tropa da Cidade ou Deep Voice nos índices. Ele olhou cerca de oito livros, e suas esperanças estavam cessando.

O próximo livro que ele viu tinha uma capa curiosa: uma porção de rapazes em roupas esfarrapadas, penteados malucos e rostos sérios em um beco um tanto inóspito. O título dizia Sacudindo a cidade! A história do rock em Manehattan. Ele ergueu uma sobrancelha, e foi até o índice.

Bingo!

Ele tinha um capítulo inteiro dedicado à banda. Ele não era muito longo, mas o livro dedicava mais páginas àquela banda do que a qualquer outra. Aquilo haveria de bastar por enquanto.

Ele foi até o balcão e pagou pelo livro, e correu de volta para o trabalho.

 

A primeira coisa que ele fez ao chegar em casa à noite foi deitar na cama e abrir o livro, direto na primeira página sobre a Tropa da Cidade. Ele gostaria de ler o resto também, mas ele tinha prioridades.

O livro confirmava as coisas que Steel Strings dissera: eles começaram quase quarenta anos antes, formando-se em um bairro maçante de Baltimare, onde grupos de jovens entediados começaram a apanhar instrumentos e fazer barulho para passar o tempo. Eles estavam fartos da música que seus pais ouviam e que tocava no rádio, e queriam algo mais emocionante. Deep Voice estava entre esses jovens, e começou a tocar baixo, escrever canções e cantar em uma banda que ele formou com alguns amigos.

Porém, a banda terminou poucos anos depois, e Deep Voice quis ir para outro tipo de música: menos barulhenta e amadora, mas forte e enérgica mesmo assim. Então, ele convocou outro grupo de amigos: Cymbal Crash foi chamado para a bateria, e Shimmering Chord providenciou sua guitarra. No final, Deep Voice não queria mais tocar baixo, e passou esse trabalho para Rocky Rumble. Assim, a formação da Tropa da Cidade estava completa.

Dainty pegou-se olhando para uma foto do quarteto, e contemplou seus rostos e expressões. Deep Voice tinha um aspecto totalmente casual, um rapaz de crina crespa e negra e uma pelagem levemente púrpura, focinho largo e olhos pequenos, porém expressivos. Se alguém passasse por ele na rua, provavelmente ignoraria sua existência, mas o seu olhar, as linhas de seu rosto, sugeriam algo profundo e oculto, camadas e camadas de conhecimento e sentimento prestes a explodir. Shimmering Chord tinha um rosto angular, olhos estreitos e uma crina negra e penteada. Ele parecia sério e determinado, como se soubesse exatamente o que queria. Rocky Rumble era objetivo, prático, pronto para o serviço. Ele tinha olhos redondos, crina negra e extremamente curta, e uma pelagem cinza chumbo. Cymbal Crash, com olhos dispersos, expressão suave e crina loira sobre uma pelagem azul, quase violeta, parecia estar em outro lugar, imaginando coisas; talvez alguma música que só ele conseguia ouvir.

Embora a banda tivesse sido formada em Baltimare, foi em Manehattan que eles atingiram o sucesso. Eles foram para lá gravar suas músicas, e a fama chegou rápido. Eles começaram a tocar em grandes shows, viajando até outras cidades também, mas Manehattan permaneceu como seu lar. Rocky Rumble acabou saindo da banda, e os outros continuaram como trio até o final. Shimmering Chord abriu uma loja de discos, que também era um selo, lançando música de bandas novas.

No final, Deep Voice começou a ficar doente, e parou de sair de casa. Ele se foi, deixando fãs atordoados e destroçados por dias. Desde então, os outros membros da banda nunca tocaram aquelas músicas novamente.

O livro não dava grandes detalhes sobre os membros, e como a banda prosseguiu pelos anos, mas ela não era o foco do livro. Porém, já estava claro para ele: se ele quisesse saber mais daquela banda, ele teria que ir até Manehattan.

A ideia deixava-o nervoso: ele estava se acostumando à vida modesta em Ponyville, e agora ele pensava em ir à cidade grande. Parecia amedrontador. Por outro lado, era possível: ele tinha alguns dias de férias para tirar, e guardara dinheiro suficiente para fazer tal viagem. Ele poderia passar alguns dias lá, visitar as lojas de discos e livrarias e pôr os cascos em tudo que ele encontrasse: discos, livros, partituras. Se a loja de Shimmering Chord ainda existia, ela teria algo.



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